Os novos inimigos da América

06.12.19

Os números da atual economia americana são impressionantes. A taxa de desemprego é uma das mais baixas da história e as bolsas do país batem recordes quase toda semana. Uma importante reforma tributária foi finalizada em 2017 e os frutos da medida já são colhidos (alô, Paulo Guedes!), principalmente em áreas de baixa renda com as “Oportunity Zones”(vale um Google! Iniciativa muito interessante). Mesmo com a guerra comercial com a China, o crescimento dos já positivos índices econômicos pode ser ainda maior até 2020, mas desde que Donald Trump foi eleito presidente dos EUA em 2016, o que mais se lê na imprensa e se escuta de democratas é uma palavra só: impeachment.

Antes de entrarmos nos recentes detalhes do impeachment movido pelos Democratas, é preciso tocar no objeto que iniciou esse processo (depois de várias tentativas frustradas): a ligação de Trump para o presidente da Ucrânia para pedir que o país investigasse uma possível interferência nas eleições de 2016 e um possível esquema de corrupção envolvendo Hunter Biden, filho do ex-vice presidente dos EUA, Joe Biden, hoje um dos candidatos presidenciais das primárias democratas. Trump é acusado pelos democratas de abuso de poder, já que teria liberado ajuda militar para a Ucrânia apenas diante da promessa do presidente ucraniano de investigar o possível oponente político (quid pro quo). Hunter Biden, que não é da indústria de energia e combustíveis, tinha um contrato com a empresa de gás natural ucraniana Burisma, acusada de corrupção, e recebia 83 mil dólares por mês para ser um dos diretores.

Depois de o processo ter passado pelos comitês de inteligência e jurídico da Câmara, esta semana a presidente da casa, a democrata Nancy Pelosi, decidiu dar o próximo passo e vai colocar em votação no plenário o procedimento de impeachment. O processo político é legítimo, mas controverso do ponto de vista constitucional, de acordo com alguns especialistas, como o professor de direito Jonathan Turley, que esta semana deu seu depoimento no comitê jurídico da Câmara. O respeitado professor de direito da Universidade de George Washington, que abertamente declarou ser democrata, foi categórico na defesa do devido processo em um evento tão sério como um impeachment e disse: “Votei contra o presidente Trump em 2016, mas minhas opiniões pessoais sobre o presidente, assim como a de todos aqui, não podem ser relevantes para o processo. Este seria o primeiro impeachment que careceria de evidências convincentes da prática de um crime. Estou preocupado com a redução dos padrões de um impeachment para atender a uma escassez de evidências. Vivemos em tempos de paixões agitadas onde todos estão furiosos, mas não se remove um presidente do cargo por raiva.”

Outro especialista na área constitucional e notório crítico de Trump, Alan Dershowitz, também é contra o processo. O professor de direito por quase cinquenta anos de Harvard, e que já afirmou publicamente que votou em Hillary Clinton em 2016, vem denunciando os amplos esforços dos democratas para remover o presidente do cargo sem uma razão justificada: “Primeiro, eles inventaram conspirações e um crime de conluio com um país estrangeiro. Depois disseram que houve obstrução de justiça. Em um esforço desesperado para tentar encontrar crimes cometidos pelo presidente Trump, eles estão apenas inventando motivos para esse processo. O maior perigo de abusar do poder em um impeachment é que a decisão será regulada mais pela força comparativa das partes do que pela demonstração real de inocência ou culpa. E isso significa que estamos todos em perigo.”

A cada dia fica mais óbvio que o ponto central desse processo de impeachament é apenas político, objetivo que vem sendo perseguido pelos democratas desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, em janeiro de 2017. Há três anos, depois de perderem uma eleição onde todas as pesquisas apontavam Hillary Clinton como vencedora por larga margem, os democratas buscam qualquer episódio para remover o malvadão do século da Casa Branca. De narrativas fracas que não emplacaram, como a do caso da atriz pornô Stormy Daniels, até o longo processo de dois anos e meio de investigações sobre o possível conluio de Trump com a Rússia – e onde nada foi encontrado -, o Partido Democrata vem se desdobrando para achar um motivo, qualquer motivo, que leve à remoção de vez do bufão laranja do salão oval.

É fato que o império da lei é um dos pilares mais sólidos da democracia americana, mas também é fato que americanos não gostam de impeachments, principalmente quando eles não mostram força bipartidária. A renúncia de Richard Nixon, depois do famoso caso Watergate, evidencia que, quando republicanos e democratas decidem remover um político do cargo por algo substancialmente grave para o país, não há quem segure a ruína do personagem principal. Já o impeachment de Bill Clinton, iniciado em 1998 pela Câmara com maioria republicana, mostra que a total falta de adesão do Partido Democrata ao processo cobrou um preço alto para os republicanos, que, aos olhos do eleitor, empurraram um impechament considerado somente político e vazio. Pouco tempo depois, nas eleições de midterms do mesmo ano, os republicanos perderam preciosas cadeiras na Câmara e o presidente da casa, Newt Gingrich, que havia sido um dos críticos mais severos de Clinton, renunciou ao cargo.

Outras questões importantes podem ser levantadas no atual processo — algumas, obviamente, só poderão ser realmente confirmadas com os resultados das eleições de 2020, mas este processo de impeachment de Trump, presidente que nunca foi unanimidade entre os próprios republicanos, uniu o partido e selou a paz com alguns desafetos e políticos que torciam o nariz para o presidente havia algum tempo. Isso pode dar mais fôlego para a sua reeleição em 2020. Um ponto perigoso para os democratas são as recentes pesquisas sobre o apoio ao impeachment. Alguns números recentes, colhidos depois das sessões que foram assistidas por milhões de americanos, já mostram significativa queda no apoio à remoção de Trump, mesmo em distritos democratas. A reeleição é mais uma grande preocupação para alguns democratas na Câmara, já que em 2018 eles foram eleitos com um discurso moderado – e não com o discurso extremo da ala radical do partido que empurrou o impeachment — em distritos onde Trump venceu. A economia vai bem, o mercado está aquecido e os níveis de desemprego estão entre os mais baixos da história. E é isso, até o momento, que tem sido levado em conta pelo americano médio que compõe a maioria silenciosa de eleitores fora da histeria das redes sociais.

Depois da votação na Câmara, o processo segue para o Senado, que com maioria republicana detém a chave mestra da condução do show. E é aí que o cenário pode ficar interessante para o espectator. Com a batuta nas mãos, os republicanos chamarão para depor – sob juramento – Hunter Biden e Joe Biden. O candidato democrata, que hoje lidera as pesquisas para enfrentar Trump em 2020, será exposto a um bombardeio de perguntas sobre corrupção durante a administração Obama, quando era vice-presidente. A sua sobrevivência na corrida pela Casa Branca pode sofrer um tiro de misericórdia, abrindo o caminho para os mais socialistas, como Bernie Sanders e Elizabeth Warren, rejeitados pela grande maioria dos eleitores moderados do partido. Isso dará mais chances de vitória a Trump.

Os republicanos já avisaram que não terão pressa em encerrar o processo de depoimentos antes da votação (que morrerá ali mesmo) e abusarão do tempo que conta a favor de Trump — que continuará livre para seguir em campanha em 2020. Já para os senadores democratas que ainda se acotovelam pela nomeação presidencial, como Bernie Sanders, Cory Booker, Michael Bennet, Amy Klobuchar e Elizabeth Warren, a pergunta que fica é como se ausentarão das sessões importantíssimas de um processo de impeachment para se dedicarem às suas campanhas presidenciais pelo país. Abasteçam o estoque de pipoca!

À medida que o processo de impeachmant avança juntamente com as primárias democratas, a certeza de que o antigo Partido Democrata de JFK não existe mais fica mais evidente. Hoje, a grande maioria dos democratas não passa de ideólogos e revolucionários de butique travestidos de políticos, como, por exemplo, Maxine Waters, a representante da Califórnia, que bradou recentemente com ares de justiceira social que “Impeachment é o que o Congresso diz que é. Não há lei.” Se os inimigos da América antigamente usavam martelo e foice, hoje aparecem no Congresso com a importação de medidas e falácias que nunca fizeram parte dos sólidos pilares da democracia americana. Make Democrats great again!

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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