Reginaldo Pimenta/Raw Image/FolhapressOrlando Diniz, ex-chefão da Fecomércio: pagamentos para obter decisões favoráveis no STJ

Favores cruzados

Entre os relatos de uma proposta de delação que assombra o poder, ex-chefão da Fecomércio do Rio revela pagamentos milionários a filho de ministro em troca de facilidades nos tribunais
06.12.19

Nas últimas semanas, um antigo fantasma voltou a assombrar famosas bancas advocatícias destinatárias dos 180 milhões de reais distribuídos sem nenhum tipo de controle pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro, a Fecomércio-RJ, durante a gestão de Orlando Diniz, ex-todo-poderoso da entidade preso em fevereiro de 2018, numa das operações da Lava Jato fluminense. Solto por decisão do ministro Gilmar Mendes, quatro meses depois da prisão, Diniz contratou um advogado e tentou negociar um acordo de colaboração. Os investigadores não aceitaram os anexos entregues porque, com base nas informações já amealhadas, sabiam que ele estava escondendo muita coisa.

Se a rejeição da proposta de acordo fez os envolvidos nos negócios com a Fecomércio suspirarem aliviados, mais recentemente o surgimento da notícia de que Diniz voltou a procurar a força-tarefa em busca de um acordo renovou as preocupações. Crusoé confirmou a retomada das conversas e teve acesso a uma parte da proposta na qual o ex-presidente da Fecomércio promete informações ainda mais graves. O título de um dos capítulos dá a dimensão do potencial explosivo do material: “Envolvidos: Orlando Diniz, Tiago Cedraz, Sérgio Cabral, Cesar Asfor Rocha”.

Orlando Diniz comandou a Fecomércio do Rio de 2000 até ser preso, em 2018. As contratações milionárias de advogados ocorreram a partir de 2010, quando ele entrou em uma guerra judicial com a CNC, a Confederação Nacional do Comércio, que controla o Sesc. Diniz foi acusado de irregularidades na gestão do dinheiro do Sesc e do Senac. Chegou a ser afastado, em 2012, mas por meio de uma liminar obtida no Superior Tribunal de Justiça, o STJ, voltou ao cargo. Além do STJ, ele também ingressou com recursos no Tribunal de Justiça do Rio e no Tribunal de Contas da União, o TCU, para evitar as sanções.

Ruy Baron/Valor/FolhapressRuy Baron/Valor/FolhapressTiago Cedraz: segundo Diniz, ele falou em “sistemática da dobradinha”
Tiago Cedraz, um dos personagens do capítulo da delação, é filho do ministro Aroldo Cedraz, do TCU. Chegou a ser denunciado em um processo da Lava Jato, mas o STF não aceitou a acusação. Ele também é alvo de outras investigações e, recentemente, foi citado em uma delação por envolvimento em desvios na Petrobras. Cesar Asfor Rocha é o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça que, no mês passado, foi alvo de uma ação de busca e apreensão da Polícia Federal por suspeita de receber 5 milhões de dólares para dar a liminar que paralisou a Operação Castelo de Areia. Sérgio Cabral, por sua vez, é ele mesmo, o ex-governador emedebista condenado a mais de 200 anos de prisão por inúmeros desvios no governo do Rio de Janeiro.

O desenrolar do relato de Diniz vai explicando como esses vários personagens se entrelaçam na história. Por causa dos custos com os advogados para evitar a derrota para a CNC, entre 2012 até 2017, a Fecomércio e o próprio Diniz, na pessoa física, entraram na mira do TCU. Em 2015, ele chegou a criar um sistema de gestão do dinheiro da entidade que lhe dava poderes absolutos: os gastos passavam ao largo de qualquer fiscalização. Foi nessa época, conforme consta do anexo, que Diniz recebeu de Sérgio Cabral uma indicação. Ele deveria procurar Tiago Cedraz se quisesse resolver os problemas no TCU.

Começou, então, uma complexa negociação. As conversas se deram no apartamento do próprio Diniz, no Leblon. Tiago Cedraz estava presente e, a certa altura, buscou o aval de Cabral para firmar a parceria. Deu certo. Um contrato foi firmado entre o advogado e a Fecomércio. O valor: 13 milhões de reais. No capítulo da delação, porém, Orlando Diniz conta que Tiago Cedraz não fez “nenhum trabalho jurídico”. Afirma ele: “Na contratação de Tiago Cedraz, apesar do objeto ser a atuação nos processos da briga política (STJ), Tiago, de fato, atuaria nos processos do TCU – embora não tenha feito efetivamente nada, nem numa frente nem na outra”.

STJSTJAsfor Rocha, já investigado, também aparece na proposta de delação
Na sequência, a trama começa a ser mais bem explicada. Orlando Diniz afirma que, a certa altura, ouviu de Tiago Cedraz que o trabalho se daria com base no que ele próprio chamou de “sistemática da dobradinha”. A lógica da tal sistemática é a seguinte: no papel fica estabelecido que o serviço será prestado pelo advogado em uma corte, mas na verdade o objetivo é obter decisões favoráveis em outra. “Tiago comentou que costumava ter acordo com Cesar Asfor: Tiago fazia contratos com objeto para atuar no STJ e TJRJ, mas, na verdade, atuava no TCU; Cesar Asfor fazia contratos para atuar no TCU e, na verdade, atuava no STJ”, afirma Orlando Diniz.

As novas conversas do MPF com Orlando Diniz são mantidas em sigilo absoluto. A Procuradoria insiste para que ele vá além nas explicações sobre as razões pelas quais despejou tantos milhões em escritórios de advocacia. A aposta dos investigadores é que, se ele contar tudo, a Lava Jato poderá abrir mais uma importante frente nas apurações sobre o envolvimento de magistrados nos esquemas já descobertos pela operação.

Tiago Cedraz, por meio de sua assessoria, afirmou a Crusoé que “ao contrário do que consta na suposta delação”, seu escritório atuou em todos os processos da Fecomércio na Justiça Federal e STJ. A nota sustenta que o contrato firmado pela entidade continha uma cláusula que vedava a atuação no TCU. “Não temos conhecimento do citado conteúdo e duvidamos de sua existência, tamanho é o absurdo contido em tais declarações”, diz o texto. Cesar Asfor Rocha também foi procurado, mas não quis se manifestar.

Para além dos pagamentos a Tiago Cedraz, há vários outros que chamam atenção. Um dos maiores beneficiários é o escritório de Roberto Teixeira, compadre de Lula. Foram 68 milhões de reais, supostamente para atuação em tribunais de Brasília. Eduardo Martins, filho do ministro Humberto Martins, do STJ, recebeu outros 10 milhões. A banca de Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, levou 19 milhões. Outra advogada que consta da lista é Ana Basílio, mulher do ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargador André Fontes. O escritório dela recebeu 12 milhões de reais da Fecomércio. Se conseguir espremer Orlando Diniz de modo que ele conte todos os seus segredos, a Lava Jato inaugurará outra página dourada em sua história.

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