Campo minado
Duas mensagens breves do presidente americano, Donald Trump, no Twitter, na segunda-feira, 2, atiçaram uma avalanche de críticas à diplomacia brasileira. Trump ameaçou aplicar sobretaxas ao aço do Brasil e aço e alumínio da Argentina, acusando os dois países de desvalorizarem intencionalmente suas moedas — uma denúncia sem qualquer embasamento. No embalo das mensagens do presidente americano, a diplomacia brasileira foi atacada por fazer concessões demais aos Estados Unidos. Além de não receber contrapartidas no mesmo nível, o Brasil estaria apanhando desnecessariamente do seu aliado mais vistoso.
Para os críticos que dizem não existir reciprocidade na relação entre Brasil e Estados Unidos, Trump demonstrou má vontade ao não indicar o país para integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao não aumentar a cota de importação de açúcar brasileiro e ao não permitir a entrada no mercado americano de carne bovina in natura brasileira.
Na lista das concessões ingênuas feitas pelo Brasil estariam a isenção de vistos para americanos, a renúncia do status especial na Organização Mundial do Comércio (OMC), o acordo de salvaguardas tecnológicas para a Base de Lançamento de Alcântara e o aumento da cota de etanol americano que entra no Brasil sem o pagamento de impostos.
A tese de falta de reciprocidade, no entanto, não se sustenta quando esses itens são analisados um a um. A isenção de vistos não foi apenas para americanos, mas também destinada a japoneses, canadenses e australianos. Em um ano, a entrada no Brasil de turistas desses quatro países aumentou 25%. Os gastos deles no país subiram 43%.
Já o aumento da cota de importação de etanol dos Estados Unidos passou de 600 milhões de litros para 750 milhões de litros. Até esse volume, o combustível entra sem pagar taxa. A partir desse limiar, importadores brasileiros precisam pagar impostos ao governo. Para as empresas americanas, a elevação da cota não faz diferença. Para o consumidor brasileiro faz muita: é combustível mais barato na bomba.
A renúncia ao status especial na OMC também não merece as críticas. Na verdade, ela tem pouca aplicação prática, uma vez que o Brasil já não se utilizava desse expediente para se beneficiar em negociações internacionais. A decisão ocorreu como parte de uma troca, em que os americanos se comprometeram a apoiar a entrada do Brasil na OCDE. Em outubro, Trump afirmou que só apoiaria a Argentina e a Romênia, deixando o Brasil de fora. Mas o anúncio não significou o fim do apoio ao pleito brasileiro — algo que os americanos se preocuparam em deixar muito claro —, apenas que a entrada do Brasil na OCDE não será para agora. A Casa Branca já tinha feito a promessa de chancelar a Argentina.
No caso do não aumento da cota para exportar açúcar para os Estados Unidos, a questão envolve outros países. Como não produzem açúcar suficiente para abastecer o mercado interno, os americanos importam do mundo todo. Mas, ao escolher seus fornecedores, eles optaram por beneficiar países e regiões mais pobres. No Brasil, só o Nordeste pode enviar açúcar do tipo demerara (com grânulos grandes e considerado mais saudável do que o açúcar branco) aos Estados Unidos sem pagar imposto. Ampliar a cota de uma nação implicaria tirar de outra, o que provocaria uma chiadeira planetária. O volume de açúcar demerara que o Nordeste pode mandar sem taxas não mudou. Apesar disso, o Brasil aumentou em 13,5% a exportação de outro tipo de açúcar, o orgânico, para mercado americano. Como se trata de outra categoria, não é preciso se submeter a cotas. “Nós estamos aumentando muito a venda de açúcar orgânico para a Califórnia”, diz Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana de Açúcar, Unica. “Essa é uma área em que as regras estão estabelecidas, e todos estão jogando dentro delas.”
O ponto em que, sim, há uma questão política envolvida é o recente anúncio da sobretaxa ao aço. A motivação de Trump é eleitoral. Para o pleito do ano que vem, ele quer contar com os votos dos trabalhadores desse setor, que está em decadência — e precisa fazer frente ao desgaste que o processo de impeachment em andamento na Câmara está lhe causando. Em vez de revidar na mesma medida e escalar o conflito, representantes do governo brasileiro, liderados pelo encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Washington, Nestor Forster, procuraram as autoridades americanas para evitar que o tuíte de Trump se transformasse em medida prática. Na equipe econômica em Brasília, segundo apurou o Diário da Crusoé, o plano era dar a Trump “munição eleitoral”, algo que ele pudesse usar para desistir da ideia, sem arranhar sua imagem com o eleitorado fiel.
No campo das relações internacionais, amizades são um ativo valioso. A proximidade ideológica entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump é evidente e pode ser usada para obter ganhos diversos. Nessa relação, os tuítes bombásticos do americano, mesmo aqueles que não se concretizam, podem facilmente ser interpretados como um gesto de traição ao Brasil e suscitar reações raivosas. Ao evitar atritos e buscar resolver tudo na conversa, os diplomatas brasileiros ganharam o apoio dos empresários. “O governo brasileiro foi correto em não tomar qualquer posição oficial. Ainda temos esperança em reverter esse tuíte”, disse o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.
Um canal eficiente de diálogo pode ajudar a cicatrizar feridas, mas não impedirá que Trump siga adiante nas suas ameaças ou tome outras medidas que afetem o Brasil. Para se precaver contra as idiossincrasias do presidente americano, a melhor a fazer é abrir-se para o mundo inteiro. “Logo no início, quando nós nos aproximamos e declaramos a nossa aliança geopolítica com os Estados Unidos, nós tivemos o cuidado de dizer o seguinte: ‘Nós vamos dançar com todo o mundo’”, disse o ministro da Economia Paulo Guedes em entrevista exclusiva a O Antagonista. “O Brasil é uma economia que ficou fechada, de costas para o mundo, por quarenta anos. Então todo mundo vai querer dançar conosco. Se os americanos ficarem cansados e quiserem parar para descansar, a gente dança com os chineses. A gente dança com os europeus.” O Brasil só não pode dançar no sentido negativo, colocando todos os ovos em apenas um cesto.
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