MarioSabino

Lula está certo e Bolsonaro também

29.11.19

Sinto dizer, senhores, mas o duplamente condenado Lula está certo quando disse com todas as letras que ele e o PT precisam partir para a polarização, e que não é, não, sinônimo de “extremismo político e ideológico”. Eu incluiria o advérbio “necessariamente” na afirmação: não é necessariamente sinônimo de extremismo político e ideológico. E Lula acrescentou:

Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de extrema-direita que gera desemprego e exige que os desempregados paguem a conta.

Calma, gente, não me tornei um lulopetista. Jair Bolsonaro também tem razão ao responder com virulência ao oponente: “Está solto, mas continua com todos os crimes dele nas costas. Não vamos dar espaço e nem contemporizar com um presidiário”, para depois exortar os seguidores nas redes sociais que não dessem “munição ao canalha que está momentaneamente livre”. Um tucano clássico certamente se daria ares olímpicos e não diria nada.

Calma outra vez, gente, não estou bancando o isentão. Esclareço que Lula e Bolsonaro seguem a cartilha mais básica quando privilegiam a emoção no jogo político-eleitoral — porque é disso que se trata. Ao ouvir e ler o que ambos vêm dizendo um sobre o outro desde que o petista foi solto, tirei a poeira do livro The Political Brain — The Role of Emotion in Deciding the Fate of the Nation (O Cérebro Político — O Papel da Emoção na Decisão do Destino da Nação), do psicólogo e psiquiatra americano Drew Westen, professor da Universidade Emory, na Geórgia. A partir da sua especialidade, o autor enveredou pelo campo da estratégia política — e candidatos do Partido Democrata, na sua maioria menos inteligentes emocionalmente do que os republicanos, passaram a usar as lições do livro publicado em 2007, embora nem sempre com êxito. Eis o resumo:

“Problemas — a economia, a guerra no Iraque, energia, imigração, assistência médica, não importam quais eles sejam — têm papel importante nas eleições. Mas, como demonstrou cada eleição presidencial desde o advento das votações modernas, as personalidades (dos políticos), os princípios e o modo de falar à nação sobre as suas próprias virtudes e preocupações capturam a imaginação do público (ou criam dúvida suficiente sobre o adversário para vencê-lo, apesar de uma história pessoal menos convincente). Candidatos bem-sucedidos são aqueles que conseguem estabelecer a agenda emocional do eleitorado.”

Drew Westen analisa do ponto vista psicológico e até neurológico a arena eleitoral da política americana, mas acho que o seu estudo vale igualmente para a brasileira. Assim como nos Estados Unidos, guardadas as devidas diferenças (cerebrais, inclusive), temos uma população heterogênea, há grande contrastes culturais e a polarização divide uma massa considerável de eleitores. Os democratas odeiam Donald Trump e os partidários de Trump odeiam os democratas. Os petistas de carteirinha odeiam Bolsonaro e os partidários convictos de Bolsonaro odeiam os petistas. Ideologia. Lula tenta fazer com a que a maioria do eleitorado passe a odiar Bolsonaro; Bolsonaro quer que a maioria do eleitorado continue a odiar Lula. Emoção. Obviamente, eventuais fracassos de Bolsonaro serão fundamentais para que Lula cancele a ojeriza que o eleitorado não ideológico sente por ele. Da mesma forma, Bolsonaro usará as suas eventuais conquistas para acirrar o ódio a Lula. Para usar as palavras de Drew Westen, quem conseguir estabelecer a agenda emocional a partir de certas realidades, leva a Presidência em 2022, mesmo que por interpostas pessoas.

Um dos capítulos mais interessantes de O Cérebro Político intitula-se “Positivamente Negativo”. O autor diz como “há anos, políticos, especialistas e cientistas políticos condenam a negatividade das campanhas políticas na era da televisão (e agora da internet). Eles argumentam que campanhas negativas estão em alta, o que destrói a qualidade da informação que chega ao público, diminui a participação do eleitor (o voto não é obrigatório nos Estados Unidos) e uma série de outros males.” Essa avaliação parece um copia e cola da fala de Fernando Henrique Cardoso. Pois bem, como aponta Drew Westen, as campanhas americanas são muito mais civilizadas hoje do que no século XIX — e o atual recrudescimento de lama em época eleitoral resultou no aumento do comparecimento às urnas. Emoção.

O primeiro mito, segundo o autor, é que campanhas negativas são intrinsecamente aéticas. Criar fake news sobre o oponente é, evidentemente, recriminável. Mas “contar a verdade sobre um aspecto do caráter do seu adversário que está diretamente ligado à sua capacidade de liderar é essencial numa democracia, porque as pessoas votam com as suas emoções. Se um candidato tem falhas de caráter que devem preocupar os eleitores, os outros candidatos lhes prestam um grande desserviço interferindo no seu radar emocional (ao não falar sobre tais falhas).”

Segundo mito: apelos negativos são ineficazes. “Se isso fosse verdade, George W. Bush não teria vencido a eleição de 2004 depois de gastar três quartos do seu orçamento em ataques — a mesma porcentagem, aliás, de eleitores que se dizem antipáticos a campanhas negativas”, diz Drew Westen. Ficar só nas propostas, demonstra a prática, não parece ser muito inteligente — e é por esse motivo, inclusive, que os debates brasileiros, muito tolhidos pelas regras combinadas com as emissoras, estão cada vez mais desinteressantes, soporíferos e menos definidores de resultados eleitorais. Mas é preciso saber atacar. Em 2006, Geraldo Alckmin espancou Lula, só que o fez com arrogância, vitimizando o petista e realizando a façanha de ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.

O terceiro mito: o de que não se deve entrar no ringue quando se é atacado. Os eleitores não perceberão isso como um aspecto nobre, sim como fraqueza. Responder à altura é o que deve ser feito. Lembre-se: emoção. O autor recomenda a técnica da “inoculação”. Explica que essa técnica, descoberta por experimentos psicológicos anos atrás, “significa criar ‘resistência’ a um ataque, antecipando-se a ele ou respondendo aos argumentos fracos antes que o outro lado ofereça uma versão mais forte.” Trata-se de vacinar-se, assimilando o ataque de maneira tal a que ele não o mate, mas o fortaleça. Se for possível fazer autocrítica, não se deve hesitar em fazê-la. Essa lição é mais difícil de ser aprendida em qualquer latitude, não importa se à direita ou à esquerda.

São tantas emoções, como requer o cérebro político, aquele cujas sinapses nem sempre coincidem com a legalidade ou a racionalidade. Do ponto de vista estritamente eleitoral, Lula está certo em polarizar e Bolsonaro também. E eles nem saberiam fazer de forma diferente, uma vez que cresceram na base do “nós contra eles”, cujo copyright é petista. Se Lula estivesse preso, as turbulências seriam decerto menores, com o chamado centro refreando um pouco os ânimos. Mas está solto, infelizmente, graças ao egrégio STF. A continuar esta situação, prepare-se para apertar bem o cinto, porque pode sacudir o tempo todo. Ao não subestimar Lula, eu sempre espero estar errado.

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