RuyGoiaba

‘Mal-estar difuso’ é a nova virose

22.11.19

Tenho um certo carinho por ideias-clichê — aquelas frases que parecem pecinhas de Lego: você simplesmente vai encaixando umas nas outras e se poupa do trabalho de pensar. Mas talvez o “pretinho básico” seja uma comparação melhor: a ideia-clichê combina com tudo sem explicar exatamente nada. Soa bem e faz um vago sentido? Já está de bom tamanho.

Como sou velho e nostálgico, tenho também saudade dos chavões da crítica musical dos anos 80-90, escritas por aqueles caras com altas pretensões à originalidade que descreviam o som do Sepultura como “bombardeio megadecibélico” e o dos Paralamas como “verdadeira orgia de ritmos afro-caribenhos” (o que é altamente ofensivo, tanto aos ritmos afro-caribenhos quanto à orgia). Eram, pelo menos, clichês divertidos: alguns que andam por aí hoje são mais metidos a besta e tentam passar por sociologia, filosofia ou categoria de pensamento.

Já faz uns seis anos — tempo suficiente para eu passar do carinho à profunda irritação — que a ideia-clichê da moda parece ser o “mal-estar difuso”. Toda hora algum pundit — essa gente paga para dar palpites– precisa opinar sobre algo na imprensa ou nas redes, mas, sem fazer a mais puta ideia do que está acontecendo, mete a mão no bolso e encontra lá o “mal-estar difuso”. Pronto, já pode parecer inteligente. (E nem precisa ler Freud, o Tarado da Morávia, que escreveu um livro inteiro sobre o mal-estar na civilização faz quase um século.)

Protestos no Brasil em 2013? “Mal-estar difuso”. Alta taxa de renovação do grande elenco de idiotas no Executivo e Legislativo? “Mal-estar difuso” (“com o sistema”, acrescentam às vezes esses sábios). Manifestações violentas, ou reprimidas com violência, no Chile, no Irã, na Bolívia, em Hong Kong ou no raio que os parta? Bingo, “mal-estar difuso”. É a nova virose — aquela coisa que os médicos dizem que você tem quando não sabem o que você tem.

Sou do tempo — velho e nostálgico, já disse — em que as mães resolviam mal-estar difuso fazendo os filhos beberem umas gotinhas de Luftal. Pelo visto, isso saiu de moda, os gases subiram à cabeça e agora todo mundo que sente o tal mal-estar sai por aí tocando fogo nas coisas e/ou votando em políticos que não passaram no teste do pezinho. Seria muito mais digno se esses comentaristas fizessem a Glória Pires no Oscar (“não sou capaz de opinar”). Se continuarem assim, vou sugerir a troca do mal-estar difuso pelo mal-estar bastante específico da minha mão no meio da cara deles.

(Também não aguento mais ouvir falar em “polarização”, embora ela seja um fato — bolsominions e lulaminions, clowns to the left of me, jokers to the right. Na próxima vez que eu for a um restaurante, o garçom me trouxer a maquininha e perguntar “débito ou crédito?”, vou socar a mesa e gritar “chega! Não aguento mais essa polarização!”. E sair sem pagar, é claro.)

***

A GOIABICE DA SEMANA

A Operação Faroeste, que investiga um suposto esquema de venda de sentenças no TJ da Bahia, é uma espécie de suco concentrado de Brasil: tem desembargadora com 57 contas bancárias, borracheiro que dizia ser dono de uma área equivalente a cinco vezes o tamanho de Salvador e um falso cônsul da Guiné-Bissau. Essa última é a parte que mais me fascina. Estou pensando em me apresentar como cônsul do Reino de Tonga, que nenhum brasileiro deve ser capaz de localizar no mapa; se me pegarem na mentira, explico que sou o representante diplomático da tonga da mironga do kabuletê.

Tim Maia, que deveria ter sido cônsul de Guiné-Bissau, Moçambique e Angola

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  1. Rui vc é a goisa mais esperada por mim ao ler O CRUSOÈ , não perco por nada gostei da passagem do restaurante da hora que vem o garçon com a conta. E vc aoouvir ele falara DÈBITO ou CRÈDITO joga tudo para o alto e vai embora sem pagar. Parabéns e por favor traz mais para nós de sua vasta e enormes idéias de escrever.

    1. Já o clichê pode ser definido como a goiabada enlatada. Há um tríade que se dedica a vender goiabadas enlatadas no Brasil atualmente: Pondé, Cortella e Karnal.

  2. E a "lenda urbana"? Todos os fatos que o Toffoli contestava, sem nos convencer e a ele próprio, ele dizia bravo: lenda urbana. Resolvi. Muitas discussões quando estiver sem argumentos: lenda urbana. Mas o que quer dizer? Uma mentira, invenção das cidades, dos tempos modernos?

  3. Vera Magalhães é a campeã dos clichês. Na rádio, é um atrás do outro. E, para piorar, tem aquele sotaque paulistano horrível (eu sou paulistano).

    1. Vera se equilibra no fio da navalha (olha que clichê clássico), mas também parece o cara que ajuda na entrada dificultada pela molescência - empurra daqui, empurra dali, vai acoxambrando que entra

    2. Sílvia Poppovic também. "O Brasil está muito polarizado!" É muita polarização" Só fala isso.

  4. Mal-estar difuso também causado peloo excesso de uso "é o ""sei-la-o-quê" estúpido! Poxa ler isso nos escritos duma estagiária de jornaleco é uma coisa, mas titulando texto de jornalista na Crusoé - é demais! Fala quêle, Ruy Goiabada, que senti uma sensação de sensatez em ti!

    1. Que texto!!!! Não é à toa que me delicío com as goiabas maduras que expões nos teus textos. É de se lambuzar. Obrigada .

  5. Seu texto é sempre o primeiro que leio na edição da semana. Suco concentrado de Brasil fica bem melhor com Tang de goiaba.

  6. Na tonga da mironga do kabulete ... Que saudade de Antonio Carlos e Jocafe, mas essa atual geração de acéfalos provavelmente nunca ouviu falar deles.

    1. Sim, Antonio, do Vinicius e Toquinho, mas teve uma interpretação pelo Antonio Carlos e Jocafe que ninguém se lembra. Aliás, penso que hoje em dia ninguém mais se lembra deles.

    2. Na verdade, a música é de Vinicius de Moraes e Toquinho.

  7. Hahahahahhahahahah hahahahahhahahahah hahahahah... Há muito não vejo algo tão engraçado nesta "festa pra malucos" que é esse cenário político no Brasil..

  8. Estamos na era da globalização da imbecilidade. Tinha razão Umberto Eco, ao dizer que o idiota da aldeia, com a internet, passaria a palpitar sobre o mundo. A mediana cerebral mundial é muito baixa, e está hoje na pole position. Em terra de cego, quem tem um olho, sofre.

  9. É verdade, esses clichês que não dizem nada de nada estão por toda parte enchendo linguiça pra não entrar fundo na questão. Vivemos um superficialismo que nos emburrece a cada dia.

    1. Na verdade, matar alguém é o tipo penal do art 121 do código penal brasileiro

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