Adriano Machado/Crusoé

É a política, estúpido!

A alta do dólar indica que em economia não há mágica: recuperar o país após a terra arrasada deixada pelo PT requer tempo. O cenário ainda é positivo, mas a política bem que poderia ajudar
22.11.19

Desde a eleição, Jair Bolsonaro é ele e sua circunstância – e a economia talvez seja a única parte visível do comportamento maleável do presidente da República. Ainda sob os escombros da terra arrasada legada pelos sucessivos governos do PT, Bolsonaro – a despeito dos sinais controversos emitidos durante toda sua trajetória parlamentar – adotou como norte econômico o liberalismo, único receituário possível. Embora não seja um ortodoxo de quatro costados, resolveu alçar ao comando da Economia um integrante da escola de Chicago, o ministro Paulo Guedes, e começou a aplainar o terreno para livrar o país das amarras estatais, desburocratizando procedimentos internos e hasteando a necessária bandeira das privatizações. A aprovação da reforma da Previdência, em relação à qual o presidente já esteve na trincheira oposta quando era deputado, serviu como um bálsamo para empresários, investidores — e para todos os brasileiros conscientes de que, sem as alterações nas regras da aposentadoria, o Brasil caminharia célere e fagueiro rumo à bancarrota.

Nesta semana, as circunstâncias internas e externas evidenciaram que em economia, por mais que o dever de casa esteja em dia, não há coelhos a serem sacados da cartola: recuperar um país devastado pelo populismo econômico conjugado à irresponsabilidade fiscal petista, sem falar na corrupção institucionalizada a serviço de um projeto de perpetuação no poder, requer tempo. Foi registrado o maior valor nominal da história do dólar – 4,207 reais, sem contar a inflação –, o que obrigou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o próprio presidente da República a virem a público para apresentar justificativas. Bolsonaro preferiu recorrer a generalidades. “Eu gostaria do dólar abaixo de 4 reais, mas não são só questões internas. O problema é que o mundo está todo conectado, qualquer problema lá fora tem reflexo no todo”, disse ele. Coube a Roberto Campos Neto alcançar o cerne da questão. Segundo ele, a frustração com o leilão de campos de petróleo do pré-sal, por meio do qual o governo esperava arrecadar mais de 100 bilhões de reais, afetou o preço do dólar. “O movimento mais recente que ocorreu foi por conta da cessão onerosa, que alguns agentes de mercado esperavam uma maior entrada de dólares do que ocorreu. Então, como a entrada de recursos foi menor do que o esperado e muitos agentes se posicionaram para capturar esse dólar caindo, você tem agora uma volta”, disse o presidente do BC, durante audiência pública no Senado.

De fato, o dólar está em trajetória de alta desde o leilão do pré-sal, em 6 de novembro. A expectativa do mercado era de maior participação dos estrangeiros e de grande entrada de dólares no país, o que não se confirmou. Desde então, a cotação da moeda americana acumulou uma alta de 5% – de 3,99 reais a 4,207 reais, e a saída de dólares do Brasil atingiu níveis preocupantes. Se o fio desse novelo for esticado um pouco mais, será possível enxergar as digitais da política, ou dos problemas decorrentes de sua condução ainda errante, no cenário econômico. Por mais que se diga que o alto preço mínimo fixado no megaleilão tenha concorrido para afugentar potenciais interessados, e o governo tenha transferido a responsabilidade pelo modelo de partilha, não considerado ideal por Bolsonaro, há um aspecto que não entra nessa conta, mas pesa para os investidores estrangeiros. Apesar da aprovação da reforma da Previdência e das providenciais medidas destinadas a diminuir o tamanho do Estado, ainda pairam incertezas em relação ao futuro do País. “Os investidores estrangeiros estão ainda cautelosos”, escreveu o Financial Times.

Agência BrasilAgência BrasilRoberto Campos Neto, do BC: alta do dólar está relacionada ao leilão do pré-sal
Em nada contribui, por exemplo, à segurança jurídica e à primordial clareza no ambiente de negócios um STF que muda o entendimento sobre a prisão em segunda instância e, na figura de seu presidente, ameaça bisbilhotar dados sigilosos de 600 mil pessoas físicas e jurídicas. Também em nada colabora um governo que claudica na articulação política e comete excessos desnecessários diuturnamente, com o beneplácito dos filhos do presidente, na redes sociais. Ou seja, o cenário ainda é positivo, do ponto de vista econômico. Mas não fosse “a política, estúpido” (numa adaptação da frase do estrategista da campanha de Bill Clinton em 1992, James Carville, que atribuía não à política, mas à economia um papel central no desempenho de um presidente), ela poderia estar melhor. É como se política e economia caminhassem de mãos dadas, uma exercendo influência direta sobre a outra. Se a primeira vai mal, a segunda pode até resistir incólume por algum tempo, mas não o tempo todo. E vice-versa.

Ulysses Guimarães ensinava que um governante deve ser o arquiteto da esperança. Não pode ser “coruja que só pia agouro, nem cassandra de catástrofes”, dizia. Alçado ao poder por 57 milhões de brasileiros, Bolsonaro ainda é dono de um capital político considerável, apesar dos sobressaltos em áreas-chave do governo, do histrionismo nas redes sociais e do excesso de interferência dos filhos. Não pode desperdiçá-lo. Nem deixar que a economia saia dos eixos.

Ninguém disse que seria fácil. Os pilares macroeconômicos erguidos no governo Fernando Henrique foram aniquilados pelos governos do PT. Em 2016, o cenário era desalentador: o PIB registrava queda acumulada de 7,5% em três anos, a inflação escapava do controle, e o termo “responsabilidade fiscal” passava ao largo do dicionário petista. O desemprego atingia 14 milhões de pessoas e a subocupação era superior a 22 milhões. A renda familiar havia sido dramaticamente reduzida e a ascensão social não só interrompida, como condenada a um processo de regressão, com boa parte da população voltando para as classes D e E. Ou seja, as expectativas sociais, cantadas em verso e prosa pelo PT, restaram frustradas. A classe média, que sempre desconfiou de Lula, mas lhe deu seguidos votos de confiança até cair em si, viveu seu pior pesadelo nos estertores do governo Dilma: imóveis foram a leilão, automóveis passaram a ser devolvidos, planos de saúde privados abandonados, e muitos dos seus filhos perderam acesso à escola privada.

Claro que, para toda lambança econômica da esquerda, nada como o remédio do liberalismo. Foi assim com Margaret Thatcher, quando herdou a estatista Grã-Bretanha do Partido Trabalhista, uma espécie de PT de lá. Depois de deflagrar uma política de desestatização da economia e enfrentar de peito aberto o sindicalismo, livrou o País da insolvência. Foi primeira-ministra por mais de uma década, de maio de 1979 a novembro de 1990, e as mudanças empreendidas por ela garantiram à Grã-Bretanha décadas de tranquilidade econômica. É o que ensaia hoje Detroit. Em 2013, a cidade americana, até então símbolo da industrialização e conhecida como a capital do automóvel, sucumbiu a 50 anos de esvaziamento, sindicalismo pitbull, gastança estatal e falta de planejamento, ingressando com pedido de concordata na maior declaração de insolvência municipal da história dos EUA. Em 2017, a partir da aposta no livre mercado, na atração de investidores e no empreendedorismo, Detroit começou a virar o jogo. Resultado: atraiu gigantes como a Amazon, reaqueceu a economia e reduziu o desemprego.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéTemer aprovou o teto de gastos, mas os sobressaltos na política o atrapalharam
Debruçado sobre cartilha semelhante, o presidente Michel Temer até começou a ajustar a economia, com a aprovação, por exemplo, do teto dos gastos públicos, em contraposição a irresponsabilidade fiscal em vigor até então. Só que lá estava de novo “a política, estúpido”, a frear possíveis avanços a partir do escândalo Joesley Batista. Há atualmente quem continue jogando suas fichas na política do quanto pior, melhor. Como Lula, a quem interessa aquecer o caldeirão na ruas, como “o povo do Chile”, com o propósito de deixar o governo “sangrando” até 2022, e Ciro Gomes, para quem o horizonte econômico se descortina a partir de nuvens negras e pesadas: “Câmbio a 4,20 reais por dólar é sintoma, fuga brutal de capitais, sinal de alerta barulhento, ninguém no leilão entreguista do pré-sal [é] demonstração óbvia! Vem aí a quebra da Bolsa! Queimar reservas só mascara e adia o problema!”.

Para variar, é o inverso do que vaticinam as cassandras: o mercado de investimentos está animado — a Bolsa brasileira vem batendo recordes —, a inflação segue em baixa e a taxa básica de juros, a Selic, está agora em seu menor patamar histórico. O comércio espera para este ano o melhor Natal desde 2016, impulsionado pelas políticas adotadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pela liberação do FGTS. Para não cair na esparrela dos que torcem contra o país, para depois tomá-lo de assalto, Bolsonaro precisa ater-se à continuação da frase “o homem é ele e sua circunstância”, do filósofo espanhol Ortega y Gasset: “Se não a salvo (a circunstância), não salvo a mim”.

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