O governador maranhense Flávio Dino, do PCdoB, participa de culto em igreja: aplausos e votos

Os capelães do comunista

O governador Flavio Dino, do PCdoB, abre o orçamento de um dos estados mais pobres do país para uma boquinha insólita e contrata aliados políticos como guias religiosos
08.11.19

Ao redor de uma muda de pau-brasil recém-plantada no jardim do Palácio dos Leões, cinco homens engravatados oram pelo crescimento da árvore. Dias depois, no mesmo local, a sede do governo do Maranhão, uma situação semelhante: homens com fardas militares rezam de mãos dadas. À frente de ambos os eventos, públicos, estava o comunista Flávio Dino. Com uma Bíblia na mão e a outra levantada, o governador rezava de olhos fechados. Repetia os améns bradados por pastores. Pedia para seu governo e seus seguidores serem abençoados. Protagonizadas pelo político do PCdoB, as cenas — e os pedidos — se tornaram comuns em órgãos públicos e igrejas evangélicas de São Luís e do interior maranhense. Não só por temor a Deus. Para agradar às lideranças evangélicas locais, o governador reeleito em 2018 arranjou-lhes uma boquinha inusitada: nomeou capelães para as forças de segurança.

Comuns nas Forças Armadas, onde ingressam por meio de concurso público, os capelães podem celebrar missas e cultos, presidir casamentos, fazer palestras e atuar em casos de extrema-unção. No caso do Maranhão, eles prestam “serviços religiosos” nas polícias Civil e Militar, no Corpo de Bombeiros e na Secretaria de Administração Penitenciária. São tantos que o estado se tornou a unidade federativa com o maior número de funcionários contratados para essa finalidade. Todos pagos com dinheiro público, claro.

O contribuinte já gastou menos com sacerdotes. O insólito, e ao mesmo tempo surpreendente, é o fato de a chegada de um comunista ao poder ter turbinado a prática. Até a ascensão de Dino ao poder, o Maranhão contava com 14 cargos de capelão. Por meio de três leis do governador, aprovadas pela Assembléia Legislativa, foram criadas outras 46 vagas. No mais recente levantamento realizado pelo Ministério Público estadual, 39 dos 60 postos estavam ocupados. Todos os capelães foram nomeados pelo governador, que tem a prerrogativa de escolher, empossar e exonerar os escolhidos para o posto de acordo com seus critérios. A lei estadual reza que para ser conselheiro religioso no Maranhão não é necessário enfrentar concurso público. O salário para exercer a função, na qual não há cobrança de horário ou desempenho, não é nada desprezível: chega a 21 mil reais. Uma verdadeira sinecura patrocinada por Dino.

Para se ter uma ideia da discrepância, São Paulo, o mais populoso e mais rico estado do país, não conta com nenhum capelão. O mesmo vale para estados como o Paraná, Rio Grande do Sul, Amapá e Rondônia. Com cinco cada, Alagoas, Minas Gerais e Rio Grande do Norte aparecem em segundo lugar na lista de estados com mais “ministros religiosos”, como eles são conhecidos no meio militar. Ainda assim, nesses casos, os capelães ingressaram por meio de seleção pública, como qualquer policial ou bombeiro.

Os números do Maranhão chamam ainda mais a atenção, enfatize-se, por se tratarem de nomeações feitas por um comunista. Comunistas, afinal de contas, costumam rechaçar qualquer crença religiosa. Karl Marx, em seu Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, escreveu que “a religião é o ópio do povo”, “uma ferramenta de continuidade da opressão da classe trabalhadora pelas classes dominantes”. Não é por outra razão que não há liberdade religiosa em países comunistas, como China e Coreia do Norte, onde fiéis, em especial os cristãos, são punidos com prisão e até morte.

ReproduçãoReproduçãoDino com os aliados em frente ao palácio: comunista, mas com reservas
O pecado venial, por assim dizer, pode ter um preço, porém. As nomeações dos religiosos e a possível atuação deles na campanha que levou à reeleição de Dino, em 2018, pode custar a cassação do mandato do comunista, do seu vice, Carlos Brandão, filiado ao PRB, e dos senadores Weverton Rocha, do PDT, e Eliziane Gama, do PPS, todos da mesma coligação. Eles são acusados de abuso de poder político e econômico ao se aproveitar dos cargos que ocupavam para empossar os capelães e se fortalecerem com os segmentos religiosos. Adversários sustentam que os capelães pediram votos para Dino e aliados tanto nas igrejas quanto nos órgãos públicos onde atuam. A apuração está em andamento. “Após os depoimentos das testemunhas de defesa e de acusação, vou reunir as provas e analisá-las, para fazer o parecer”, diz o procurador eleitoral Juraci Guimarães.

Além do suposto uso político das nomeações, o procurador investiga a constitucionalidade das leis estaduais que deram a Flávio Dino o direito de escolher e exonerar os capelães como e quando quiser. O procurador já sabe, por exemplo, que dos 39 capelães nomeados por Dino que estavam exercendo a função à época de um levantamento feito por sua assessoria, 16 eram filiados a partidos políticos. A lista tinha inscritos no PT, PR, MDB, PRB, PDT e PSC. Dos postos criados por Dino, dez foram destinados à Igreja Católica e os demais a evangélicos. A maioria é formada por pastores da Assembleia de Deus. Também há parentes de pastores.

A relação de Dino com a instituição remonta a 2015. Ao assumir o governo, ele foi apresentado ao presidente da Assembleia de Deus em São Luís, pastor José Guimarães Coutinho. O religioso comanda 110 pastores na capital maranhense e se comprometeu a ajudá-lo a arrebanhar votos dos fiéis. A aproximação fez parte de um cálculo político importante. O governador era malvisto pelo rebanho por empunhar bandeiras como o casamento entre pessoas do mesmo gênero. Em troca do apoio, Coutinho ganhou dois cargos de capelão. Para um, indicou o filho, Jessé Coutinho. Para o outro, o pastor Fábio Leite, até então um líder evangélico ligado à família Sarney, arqui-inimiga de Dino. Ambos receberam a patente de tenente da Polícia Militar.

“A gente não faz política. A gente só orienta os fiéis sobre as propostas dos candidatos, mas deixando todo mundo sempre livre para escolha, como prevê as nossas leis constitucionais”, disse Coutinho a Crusoé. Ele se recusou a falar sobre as nomeações de capelães, assim como a do filho e de Fábio Leite. O mesmo Coutinho, que jura não se meter em política, há um mês, em um culto no principal e maior templo de sua igreja, anunciou ao microfone para uma multidão que o pastor Fábio Leite é pré-candidato a vereador de São Luís nas eleições de 2020. Com apoio da Assembleia de Deus.

Não há fronteiras para a confusão entre política e religião no estado. No afã de agradar às lideranças religiosas, Dino chegou a promover uma espécie de milagre. Graças a ele, um militar subiu três patentes no mesmo dia e em corporações diferentes. Raimundo Gomes Meireles era 1º tenente da PM até 19 de janeiro de 2018, quando foi exonerado pelo governador. Na mesma edição do Diário Oficial do Maranhão, o nome de Raimundo Gomes Meireles foi publicado com o posto de coronel capelão do Corpo de Bombeiros do estado. Com isso, ele elevou também o salário. Saltou de 9 mil para 16 mil reais.

Procurado por Crusoé, Flávio Dino respondeu por meio de nota oficial. Ainda assim, não respondeu tudo. O texto afirma que os salários dos capelães variam de “acordo com a patente”, mas não explica os gastos totais com a nomeação dos escolhidos nem os critérios utilizados nem as razões que o levaram a criar tantos cargos. Hoje o governador comunista é um frequentador assíduo dos templos da Assembleia de Deus. Nos cultos, fica sempre na primeira fila e, às vezes, é chamado a falar no púlpito. Nunca na história se viu tanto evangélico bater palma — e continência — para comunista.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO