Dida Sampaio/Estadão ConteúdoWaldir diz que vai ferrar com todo mundo que atravessa na frente dele, inclusive o presidente

O dono do botão

A barulhenta trajetória do deputado do PSL que ameaçou "implodir" o presidente Jair Bolsonaro na briga pela liderança do governo na Câmara
25.10.19

Após duas semanas de sucessivos duelos com xingamentos, acusações, listas, troca de ameaças e memes, muitos memes, o delegado Waldir Soares entregou, na segunda-feira, 21, a liderança do PSL na Câmara dos Deputados. A saída do posto, porém, não significa trégua. Além das ações no Conselho de Ética contra 19 colegas da sigla, incluindo o novo líder, Eduardo Bolsonaro, o deputado-delegado eleito por Goiás pretende atacar os inimigos por meio da CPI das Fake News em curso no Congresso. A estratégia para vencer a guerra, diz ele, envolve técnicas de investigações que aprendeu a usar na Polícia Civil goiana, de onde foi alçado à política.

Além de depor na comissão que apura a produção e disseminação de notícias falsas, Waldir anunciou que vai apresentar provas contra a tropa que vive de assassinar reputações por meio das redes sociais. Para tanto, delegou a assessores a missão de esquadrinhar os perfis de integrantes do que ele chama de milícias digitais. Também vai pedir à Polícia Federal para rastrear as mensagens enviadas a seu gabinete por e-mail e WhatsApp desde o anúncio da promessa de “implodir” o presidente Jair Bolsonaro.

“Compraram briga com um delegado meticuloso. Se eles têm a Abin ao lado deles, eu estudei na Abin, conheço as técnicas dela”, afirmou Waldir a Crusoé, sem esclarecer se costuma recorrer à espionagem, como a agência de inteligência do governo federal. O deputado anunciou o rompimento com o Bolsonaro e seus filhos na semana passada — Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente, assumiu o lugar dele na liderança do PSL. No Japão, onde iniciou um tour oficial de 12 dias pela Ásia e pelo Oriente Médio, o presidente afirmou que “o bem vencerá o mal”, ao ser indagado sobre a crise no partido.

Em resposta, Waldir jurou ser irreversível o rompimento com os Bolsonaro. “Posso derrubar esse governo com essas investigações na CPI (das Fake News)”, disse. A briga com aliados é praxe em sua trajetória política. Aliás, ele trata como troféus os rompimentos com antigos aliados e partido. O primeiro racha foi com o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, do PSDB, com quem brigou em 2016. O segundo, com o atual governador do estado, Ronaldo Caiado, do DEM, de quem se tornou desafeto recentemente. Adversários históricos, Perillo e Caiado têm Delegado Waldir, o nome de guerra do deputado, como inimigo comum.

Nascido no interior do Paraná, Waldir mudou-se para Goiás em 2000, após ser aprovado no concurso para delegado. Ele já tinha tentado o mesmo cargo no Rio Grande do Sul um ano antes, mas foi reprovado na prova oral. Nos dois primeiros anos em Goiás, trabalhou em presídios e em algumas das mais violentas cidades do estado situadas no cinturão de pobreza que cerca Brasília. Ao ser transferido finalmente para Goiânia, começou a ganhar popularidade. Adorava convocar coletivas de imprensa. Em uma de suas primeiras operações, prendeu 22 pessoas suspeitas de tráfico, incluindo grávidas e cadeirantes. Alegou que “o crime não tem rosto”. Waldir usava as redes sociais para divulgar seu trabalho e interagir com a população bem antes de estourarem Facebook, Twitter e Whatsapp: com discurso belicista, mantinha comunidades no finado Orkut. “Ele se preocupava muito com a imagem. Tinha telefones de todos os veículos de comunicação. Era um pavão, como é hoje. Era evidente que queria se tornar político por meio da polícia”, diz um ex-colega.

Dez anos após tornar-se delegado, Waldir decidiu tentar a vida na política. Já no Facebook, onde adorava postar vídeos de crimes sangrentos, filiou-se ao PSDB. Concorrendo a uma cadeira na Câmara dos Deputados, na campanha de 2010, fazia de tudo para aparecer ao lado de Perillo, que tentava manter distância dele. Nos poucos segundos que tinha na propaganda da TV, repetia um slogan, imitando uma arma com uma das mãos: “Pela segurança pública: tolerância zero, 4500, 45 do calibre e 00 da algema para o bandido”. Teve pouco mais de 40 mil votos, o suficiente para ganhar uma suplência. Assumiu o cargo por parcos quatro meses.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressO deputado fala ao pé do ouvido de Bolsonaro: o amor virou ódio?
De volta a Goiânia e a uma delegacia, começou a criar polêmicas e a ganhar mais espaço na imprensa local. Batia no governo tucano que dizia apoiar. Criticava a cúpula da segurança pública do estado, o modelo de fiscalização de trânsito — ele também chefiou delegacia de delitos de trânsito — e leis federais, como a que pune quem dirige alcoolizado. Defendia pena de morte, redução da maioridade penal para doze anos e a criação de presídios juvenis. Logo acumulou mais de 300 mil seguidores nas redes. Em paralelo, chegou a 20 processos disciplinares na Corregedoria da Polícia Civil.

Waldir afirmava ser o “rei” das redes e rejeitava ordens de superiores na hierarquia da corporação. “Fiz concurso público, sou subordinado ao Código de Processo Penal”, dizia em meio aos enfrentamentos com os chefes. Repetindo o partido e o slogan de 2010, Waldir se tornou o deputado federal mais votado da história de Goiás em 2014, com os votos de 274.625 eleitores.

Legítimo integrante do baixo clero, Waldir começou a ganhar os holofotes nacionais na CPI da Petrobras. Durante depoimento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em março de 2015, ele fez as vezes de delegado e perguntou se o poderoso colega do MDB do Rio de Janeiro tinha conta na Suíça. “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”, respondeu Cunha. Naquela sessão ele vinha sendo tratado amistosamente pelos pares. Mais tarde, seria provado que Cunha mentira ao responder à pergunta de Delegado Waldir. E isso lhe custaria o cargo. Na mesma CPI, o delegado protagonizou um bate-boca com integrantes do PT, em abril de 2015: ele foi acusado de soltar cinco roedores (dois ratos, dois hamsters e um esquilo da Mongólia) na sala da CPI, assim que João Vaccari Neto, ex-tesoureiro petista, entrou no recinto para prestar depoimento.

As rusgas com o PSDB foram se ampliando. Depois de tentar, sem sucesso, ser o candidato do partido a prefeito de Goiânia, ele mudou para o PR, que lhe deu legenda. Mesmo assim, ficou pelo caminho. Amargou um terceiro lugar. Católico e casado com uma evangélica, o deputado seguiu desfraldando a bandeira do conservadorismo com uma pegada, digamos, um tanto extremista. Na Câmara, cumprindo promessa de campanha, economizou nos gastos. Recusou auxílio-moradia, apartamento funcional e passagens aéreas para visitar sua base eleitoral nos fins de semana.

Em Brasília, de segunda a quinta-feira, ele dorme em um hotel acanhado, ao qual paga pouco mais de 700 reais por semana. As viagens de 200 quilômetros entre Goiânia e Brasília são feitas a bordo de sua caminhonete blindada. Waldir não mantém escritórios em seu estado. Na capital goiana, ele atende os eleitores em uma padaria perto de casa, nas manhãs de sábado. Mas se gasta pouco, Waldir pouco aprova. Em seu primeiro mandato, o delegado protocolou 52 projetos, mas nenhum virou lei. Suas propostas previam, entre outras coisas, o fim do banho de sol e das visitas íntimas para preso. Sempre que pode, o deputado gosta de andar com uma pistola 380. Em Brasília, só não carrega a arma consigo quando está no Congresso. Mas o coldre, sempre à mostra na cintura, faz parte de seu figurino.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisComo delegado: ações midiáticas o catapultaram. Ele até soltou ratos  em CPI
O homem que propala uma vida espartana, de origem humilde (diz ter sido engraxate, vendedor de picolé, servente de pedreiro, bancário, comerciário, professor, escrivão de polícia e auditor fiscal) também tem seus luxos. Ele não abre mão de desfrutar das facilidades do passaporte diplomático nas viagens regulares ao exterior. “Conheci todos os países de todos os continentes, menos da Ásia. Mas ainda vou lá”, diz. Dos Estados Unidos e da Europa, costuma trazer ternos de grifes. Tem uma coleção deles. “De uma viagem à Itália, eu trouxe 10. Tudo marca boa, mas eu pechincho muito, vou atrás das promoções.” Das viagens também gosta de trazer bons vinhos. Para andar de moto com os amigos, um de seus hobbies prediletos, ele tem uma Yamaha Dragstar de 650 cilindradas. Customizada, a máquina vale em torno de 20 mil reais. Para trilhas o deputado tem outra moto, uma TT-R, de 16 mil.

O patrimônio de Waldir cresceu 254% de 2014 para 2018. Saltou de 141 mil para 481 mil reais nesses quatro anos. A lista de bens declarados, inclui duas camionetes, um apartamento, duas casas e 150 mil reais em espécie. Em 2018, Waldir migrou para o PSL com o então pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro. O delegado se tornou o principal cabo eleitoral do capitão em Goiás. “Eu o carregava na minha caminhonete, quando tinha 3% das intenções de votos”, lembra. Com uma campanha de 495 mil reais, teve 274.406 votos, quase o mesmo número da eleição anterior, e foi novamente o deputado federal mais votado do estado.

Em meio a uma bancada numerosa, majoritariamente formada por debutantes na política que surfaram na onda bolsonarista, virou líder do partido com o apoio do presidente da República. Mas, assim como ocorrera com Perillo e Caiado, não ganhou o espaço que desejava — pouco modesto, Waldir esperava apoio até para se tornar presidente da Câmara. Ele diz que nunca foi recebido por Jair Bolsonaro. “Falei com ele poucas vezes, só em eventos públicos, ao pé do ouvido”, afirma. Ao mesmo tempo em que dizia apoiar a política econômica do novo governo, o agora ex-líder atacava algumas das principais bandeiras da equipe de Paulo Guedes, como a reforma da Previdência, que chamou de “abacaxi”.

O aparente “rompimento definitivo” com Bolsonaro, a quem chamou de “vagabundo”, foi deflagrado pelos disparos recentes do presidente contra o “dono” do PSL, Luciano Bivar. “Quem começou foi o presidente da República. Foi ele que disse que o Bivar está queimado. Depois, veio aquela operação da Polícia Federal. Uma operação sem sentido nenhum. Isso eu não aceito!”, brada, referindo-se à ação policial desencadeada em 15 de outubro, quando a PF foi às ruas atrás de provas em uma investigação sobre supostas candidaturas “laranjas” no PSL pernambucano em 2018.

Waldir tem evitado falar sobre o que exatamente ele teria em mãos com potencial de “implodir” Jair Bolsonaro, como ele mesmo prometeu na semana passada. A declaração foi gravada em uma reunião interna com outros integrantes do partido no dia 16, uma quarta-feira, e ganhou a ribalta no dia seguinte. “Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele, eu tenho a gravação. Não tem conversa, não tem conversa, eu implodo o presidente. Acabou, acabou, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em mais de 246 cidades para defender o nome desse vagabundo”, afirmava. As ameaças foram feitas depois que Crusoé publicou áudios de uma gravação que circulava no PSL na qual Bolsonaro pedia apoio para tirá-lo da liderança.

Ainda em tom ameaçador, agora o deputado diz que apenas “na hora certa” usará o botão que pode detonar a suposta implosão. Apesar das idas e vindas no discurso (horas após a frase polêmica, ele chegou a dizer que havia se excedido), ele promete alvejar o presidente: “Eu nasci para ser ferrador. Vou ferrar com todo mundo que fizer algo de errado e atravessar a minha frente. Foi assim com o Marconi e com o Cunha. Vai ser assim com o Caiado e o presidente (Bolsonaro)”. Se é bravata ou não, só o tempo dirá.

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