Robson Fenrandes/Estadão ConteúdoPaulo Preto quis saber de astróloga se Kassab, por exemplo, é leal a ele

O operador e a astróloga

Acusado de gerir propinas para o PSDB, Paulo Preto recorreu a uma guru para saber se voltaria para a prisão. Na consulta, que ele fez questão de gravar, quis saber em quais amigos poderia confiar. O áudio foi parar nos autos da Lava Jato
18.10.19

“Corta três vezes, vamos ver o que vai sair.” A astróloga dá as cartas ao ansioso cliente sentado à sua frente e, em poucos segundos, vaticina: “Você não volta para a cadeia. Põe isso na sua cabeça, você não volta para a cadeia”.

Era novembro de 2018. Recluso em um luxuoso apartamento em São Paulo, o engenheiro de 69 anos havia chamado Maricy Vogel, a guru preferida dos famosos, para dimensionar o seu inferno astral. O nome dele: Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, signo de Peixes.

Ex-diretor da Dersa, ele já tinha sido preso duas vezes naquele ano por supostamente ameaçar uma testemunha e estava no banco dos réus acusado de desviar dinheiro público dando casas do governo a quatro empregadas da família, além de comandar um cartel de empreiteiras nas obras viárias que coordenou, como o Rodoanel, entre 2007 e 2010. Fazia dois meses que andava com uma tornozeleira eletrônica no conforto da prisão domiciliar concedida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

Um mapa astral feito por Maricy custa a partir de 1.200 reais e já foi encomendado por dezenas de celebridades brasileiras, como o empresário Eike Batista. A consulta começa e Paulo Preto aciona o gravador do celular – sim, ele gravou o encontro — para registrar as previsões da numeróloga. Sua dúvida mais premente era se seria sentenciado antes de 7 de março de 2019. Nessa data ele completaria 70 anos de idade e a maior parte dos crimes pelos quais estava sendo acusado já estaria prescrita.

A sessão dura pouco mais de uma hora e o clima é de um bate-papo entre dois velhos amigos. Antes de acionar os astros, Maricy pergunta como está a filha Tatiana, também ré na ação penal das empregadas, comenta sobre um outro cliente conhecido por ambos, Eduardo Leite, ex-executivo da Camargo Corrêa também preso pela Lava Jato, e dá um recado enigmático ao engenheiro: “Você não está sozinho nessa história do Dersa (a estatal paulista de obras viárias, da qual Paulo Preto foi diretor por cinco anos)”.

“Não está sozinho em que sentido?”, indaga o ex-diretor da estatal apontado por vários delatores como operador financeiro do PSDB paulista. “Sozinho significa que tem outras pessoas ocultas, que você está quieto, não vai fazer delação, está calado. Porque se você abrir a boca muita gente vai cair também”, concluiu a astróloga (ouça ao longo desta reportagem os principais trechos).

Formada em administração de empresas com especialização em marketing, Maricy se define como autodidata em astrologia, que ela diz estudar há 40 anos. Ganhou pontos com Paulo Preto quando previu, em novembro de 2017, a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial durante o programa do apresentador Amaury Jr., do qual participa com certa frequência.

Antes de qualquer prognóstico, a guru pergunta sobre a estratégia jurídica do engenheiro e busca informações sobre sua algoz, a juíza federal Maria Isabel do Prado, titular da 5ª Vara Criminal que daria mais adiante as sentenças do operador tucano. “Essa juíza é loira, é morena? Que cara ela tem?”, indaga Maricy.

Paulo Preto descreve a magistrada como “bipolar” e “amarga” e diz que “ela quer ser o Sergio Moro de São Paulo”. Conta que se quisesse até conseguiria um habeas corpus do ministro Ricardo Lewandowski para ficar em liberdade, mas que achava melhor não mexer no caso, para não provocar uma condenação antes de completar 70 anos.

Denise Andrade/Estadão ConteúdoDenise Andrade/Estadão ConteúdoA astróloga Maricy Vogel é conhecida por atender personalidades
“Eu não estou sofrendo com tornozeleira”, relata o engenheiro, após contar que já havia ficado dez dias na solitária do presídio de Tremembé, no interior paulista, quando foi preso pela primeira vez, em abril de 2018. Descreveu a penitenciária onde passou 35 dias como um “spa de pobre”. Lá, disse, não fazia nada. Já na prisão domiciliar, podia malhar na academia, nadar, fazer pilates e massagem.

Com as cartas na mesa, Maricy pergunta aos astros se a juíza condenaria seu cliente antes do dia 7 de março. “Ela vai dar a sentença, sim, antes do seu aniversário”, previu, apontando janeiro como o mês da condenação. Apesar do prognóstico negativo, o engenheiro podia ficar tranquilo porque ele só voltaria ao “spa de pobre” por “15 dias, no máximo”.

Paulo Preto relata então que seu advogado José Roberto Santoro, ex-procurador da República, “conhece todo mundo” no Poder Judiciário e trabalhou por quatro anos ao lado do ministro Gilmar Mendes no Palácio do Planalto, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A astróloga novamente o tranquiliza. “Você tem os togados todos do seu lado”, afirma, referindo-se aos ministros do STF e do STJ. Gilmar já havia soltado o engenheiro duas vezes.

A única coisa que Paulo Preto precisava fazer para se livrar do inferno astral que o rondava desde a delação do doleiro Adir Assad, em 2017, era uma doação de 69 litros de suco de uva e 69 panetones a moradores de um bairro pobre de São Paulo, como Paraisópolis, no dia 24 de dezembro, véspera de Natal.

Ante a previsão sobre a sentença, que segundo a astróloga seria suavizada para a filha Tatiana, a maior preocupação do ex-diretor da Dersa, ele aproveita para consultar os astros sobre outra inquietação. “O que você pode falar dos meus amigos que são políticos?”, pergunta ele.

O diálogo a seguir é revelador. Sem que nenhum nome seja mencionado, Maricy fala do ex-ministro Aloysio Nunes, responsável por indicar Paulo Preto para o cargo de diretor da Dersa. “É seu amigo até debaixo da água”, diz ela.

Em seguida, o engenheiro indaga: “E o Kassab?”. Referia-se a Gilberto Kassab, ex-ministro e secretário licenciado do governo João Doria. “Eu acho que é uma pessoa que tem palavra”, continua ele. Sem titubear, a astróloga confirma: “O Kassab, leal, não esquece de você”. “Ele não vai te trair.”

A relação próxima com Gilberto Kassab confidenciada pelo próprio engenheiro à numeróloga era desconhecida, mas se encaixa em uma acusação que pesa sobre ambos. Segundo a Lava Jato, parte do dinheiro que teria sido desviado das obras comandadas pelo ex-diretor da Dersa em São Paulo abasteceu o caixa 2 de Kassab quando ele disputou a reeleição a prefeito da capital, em 2008, e de seu partido, o PSD, criado em 2011. O ex-ministro diz que conheceu o operador em razão de “relações institucionais”.

Em outra pergunta à guru, desta vez sobre o futuro de seu patrimônio, Paulo Preto relata que as contas bloqueadas pela Lava Jato no Brasil só tinham 1.000 reais e que o dinheiro que guardara no exterior tinha escapado da ação dos investigadores. “Bloquearam, mas não tinha mais recurso nenhum.”

Essa história só pôde ser contada porque Maricy Vogel errou parte da sua principal previsão: Paulo Preto foi mesmo condenado antes do aniversário de 70 anos, com duas sentenças que somam mais de 172 anos de detenção, mas o vaticínio sobre o retorno dele ao “spa de pobre” foi desmentido pela realidade.

O engenheiro apontado como um dos principais operadores do PSDB está preso há 241 dias no Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná, acusado de lavar dinheiro do megaesquema de corrupção montado pela Odebrecht.

Em mais uma fase das investigações, a gravação da consulta com a numeróloga foi parar nos autos da Lava Jato, que teve acesso a todos os e-mails e arquivos guardados nos celulares de Paulo Preto. Também nessa, os astros não foram muito simpáticos com o operador.

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