LeandroNarloch

Eduardo Cunha livre?

04.10.19

Vocês ficam aí falando do Lula, que o STF está sabotando a Lava Jato e vai soltar o Lula, que Lula recusa o semiaberto, e perdem o principal. O principal, o personagem mais rico de toda essa ópera trágica, é Eduardo Cunha.

Lembram-se do Eduardo Cunha? Ninguém mais pensa nele. Enquanto as colunistas (que trabalham em jornal, mas parecem assessorar o ex-presidente) tratam de divulgar a opinião de Lula sobre a Lava Jato, as queimadas da Amazônia, o namoro relâmpago de Scooby e Anitta, o ex-presidente da Câmara sofre um silêncio polar.

Temos um vilão de Shakespeare, um velho cínico de Dostoiévski vivendo em nosso tempo – e o que fazemos? Nós o ignoramos. Não sabemos como essa potência dramática passa os dias em Bangu. Sua mulher o visita sempre que pode? O que leva para o marido passar o tempo? Cunha dorme bem ou sofre de insônia? Mexam-se, jornalistas: há um Macbeth entre nós e o tratamos como um figurante de Balzac.

Lula é um vilão envergonhado e cafona. Finge bondade com aquele palavrório de esquerda repetitivo e previsível. Jura acreditar que foi preso pelas elites porque “tirou milhões da pobreza” etc. Tem uma seita à la Jim Jones para defendê-lo com argumentos infelizes.

Já Eduardo Cunha é um vilão clássico. Não tem seguidores. Não adere ao costume irritante dos dias de hoje de tentar parecer mais bondoso do que realmente é. Parece ter orgulho de seus maus sentimentos e intenções.

No auge de sua vida (dezembro de 2015, após a derrota no Conselho de Ética), Cunha poderia ter sido prudente e moderado. Poderia ter tentado escapar do processo de quebra de decoro parlamentar negociando com os deputados que votariam o relatório no plenário. Mas um vilão de verdade não é prudente ou moderado. Um vilão de verdade morre atirando, decide partir para a destruição mútua.

Fico imaginando Cunha na manhã de 2 de dezembro, ao decidir vingar-se do PT e aceitar o impeachment de Dilma. “Vinde a mim, espíritos das ideias assassinas!”, diz ele diante do espelho, como Lady Macbeth ao saber que poderia ser rainha. “Inundai-me dos pés até a coroa de vil crueldade; dai-me o sangue grosso que impede e corta o acesso ao remorso. Não me visitem culpas naturais para abalar meu sórdido propósito ou me fazer pensar nas consequências.”

O drama se encerra meses depois com a sentença que nem grandes dramaturgos escolheriam com tanto talento: “Deus tenha misericórdia desta nação”.

Às vezes acho Cunha o oposto do atual presidente da Câmara. Rodrigo Maia pode agir com grandeza aqui ou ali – serão sempre grandezas de um homem medíocre. Já Eduardo Cunha não perdia oportunidade de revelar vilanias e baixezas – as baixezas de um grande homem.

Para quem acompanha a política como uma opereta ou uma boa novela, a Justiça importa pouco diante da potência dos personagens. É por isso que, muito mais que a possibilidade do STF rever a condenação de Lula, é a liberdade de Cunha que me corta a respiração.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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