ONUGuterres, à esquerda, e Greta Thunberg, à direita, na Cúpula do Clima da ONU

Para que serve a ONU?

A instituição criada para prevenir guerras e promover direitos sofre com crise de representatividade e busca um caminho na causa ambiental
27.09.19

Criada logo após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas nasceu para evitar o flagelo da guerra e promover os direitos humanos. Apesar de ter ganhado certa aura desde o início da sua existência, a ONU falhou logo nos seus primeiros anos como promotora da paz, ao não impedir o conflito entre árabes e israelenses, em 1948, quando o estado de Israel foi criado. Muitas guerras vieram a seguir, sem que o Conselho de Segurança, a cúpula que reúne os países mais poderosos do ponto de vista militar, fosse capaz de impedi-las ou remediá-los a contento. Na maior parte das vezes, aliás, as potências do Conselho de Segurança estiveram diretamente ou indiretamente envolvidas nas áreas conflagradas — em especial, no período da Guerra Fria. Nas palavras do presidente iraniano Hassan Rouhani, que discursou na quarta-feira, 25, na 74ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o Oriente Médio está novamente à beira de um colapso, já que “um único erro poderia provocar um grande incêndio”. Não há, contudo, a menor possibilidade de que o Conselho de Segurança, que inclui entre seus membros Rússia e China, aliados dos aiatolás, tente conter o Irã. Quanto à Assembleia Geral da entidade, realizada na semana passada, ela nada mais é do que um ponto de encontro, em que chefes de estado e de governo se revezam ao microfone com discursos voltados para seus próprios cidadãos em um auditório que se esvazia a cada dia que passa.

Na busca para dar uma função de verdade para a ONU e, assim, adquirir representatividade efetiva, seu secretário-geral, o português António Guterres, tem apelado para a agenda ambiental. Na segunda, 23, um dia antes do início dos discursos dos chefes de estado e de governo, Guterres promoveu a Cúpula do Clima da ONU. De maneira autoritária, ele dividiu os países entre aqueles que ele julgou terem apresentado propostas para o meio ambiente e os que não o fizeram. Brasil e Estados Unidos foram marginalizados. Na cruzada empreendida pelo português, quem subiu ao palco foi Greta Thunberg, uma sueca de 16 anos e portadora de síndrome de Asperger, um tipo de autismo. “Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias e eu ainda sou uma das que têm sorte. Estamos no início de uma extinção em massa”, disse ela, em tom agressivo. Na semana anterior, uma greve mundial de estudantes, convocada por Greta, contou com o apoio dos funcionários da ONU e de Guterres. Mais uma folguinha para os burocratas das Nações Unidas.

ReproduçãoReproduçãoO presidente iraniano Hassan Rouhani, na ONU: “à beira do colapso”
O caminho da ecologia, porém, dificilmente terá consequências práticas. O Acordo de Paris, patrocinado pela ONU e assinado em 2015, é um fiasco. Como cada país define o quanto irá reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, os resultados são díspares. Os dois únicos países que apresentaram planos condizentes com a meta de evitar um aumento na temperatura maior que 1,5 graus Celsius no planeta foram Marrocos e Gâmbia. “A ONU está presa na questão ambiental. Essa estratégia pode gerar boas manchetes e sustentar a narrativa de liderança da entidade no mundo, mas está fadada ao fracasso”, diz Brett Schaefer, pesquisador da Heritage Foundation e autor do livro Os limites das Nações Unidas e a busca por alternativas. “Uma abordagem prática para o problema do aquecimento seria promover a energia nuclear, mas os ativistas do clima rejeitam isso por razões ideológicas.”

É certo que as guerras diminuíram em quantidade desde a criação da organização. Se na primeira década de vida da ONU, mais de 400 mil pessoas morriam por ano em guerras, o montante atual não tem passado dos 100 mil por ano. A paz relativa, porém, não chegou porque a ONU cumpriu o papel para o qual foi criada. O mérito é do aumento do comércio entre países, que tornou a guerra algo mais custoso e indesejável. A formação de blocos continentais também contribuiu significativamente para o fim de animosidades históricas.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisMaduro: Venezuela ganhará vaga no Conselho de Direitos Humanos
Na área de direitos humanos, a ONU fica devendo. O Conselho de Direitos Humanos, com 47 membros, é constituído em sua maior parte por ditaduras ou por países autoritários como a Turquia ou a Rússia. A composição faz com que o órgão que deveria promover os direitos humanos sofresse uma inversão total de valores e passasse a proteger seus maiores violadores. Na quinta-feira, 26, o órgão aprovou uma resolução que parabeniza os esforços da Venezuela na área e condena os países que aplicaram sanções ao ditador Nicolás Maduro, em uma clara provocação aos Estados Unidos, o maior financiador da ONU. No próximo dia 16 de outubro, a Venezuela deverá dar um passo além e ganhar de forma automática um assento no Conselho. “Para a Venezuela, um posto no Conselho permitirá influenciar suas decisões, promover a impunidade e silenciar o órgão frente aos crimes do regime de Nicolás Maduro”, diz Ezequiel Podjarny, da ONG UNWatch, criada para vigiar a entidade.

No Brasil, a ONU também passou vergonha na área de direitos humanos ao respaldar o programa Mais Médicos — que, como apontou o presidente brasileiro Jair Bolsonaro no discurso de abertura da Assembleia Geral, promoveu a escravidão dos médicos cubanos ao cerceá-los no direito de ir e vir e consentir com o confisco de 75% de seus salários para a ditadura cubana.

Guterres pode até encontrar uma nova função para a ONU, mas qualquer coisa que ele consiga será tão simbólica quanto um discurso de Greta Thunberg.

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