STF/DivulgaçãoO plenário do Supremo durante sessão: agenda planejada para dobrar a Lava Jato

O pacote do fim do mundo

A pauta explosiva programada por Dias Toffoli para os próximos meses no Supremo pode dar um tiro de morte na Operação Lava Jato
20.09.19

Quando Davi Alcolumbre foi acionado pelo advogado-geral do Senado às 5h50 desta quinta-feira, 19, a Polícia Federal já circulava pelos corredores do Congresso Nacional para apreender documentos e computadores nos gabinetes do deputado federal Fernando Bezerra Coelho Filho e do líder do governo Jair Bolsonaro, senador Fernando Bezerra Coelho. Batizada de Operação Desintegração, a ação da polícia havia sido autorizada na véspera pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, como parte de uma investigação que apura a suspeita de que os dois Bezerras, pai e filho, senador e deputado, receberam mais de 6 milhões de reais em propinas a partir do desvio de dinheiro público de obras realizadas no governo Dilma Rousseff. As razões da incursão foram explicadas a Alcolumbre pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, logo cedo. O presidente do Senado pediu que os policiais respeitassem a instituição e evitassem arrombamentos nos três locais das buscas: os gabinetes do senador e do deputado e o gabinete da liderança do governo. De seu apartamento funcional, a alguns quilômetros do Congresso, Bezerra colocou o cargo de líder à disposição de Jair Bolsonaro.

Ainda que essa não tenha sido a intenção, a operação foi uma demonstração de força dos órgãos de investigação em um momento delicado, em que eles enfrentam uma tentativa cada vez mais explícita de enfraquecê-los. Barroso, que assinou a ordem, é das vozes mais ativas do Judiciário em defesa do combate à corrupção. Moro, a quem a PF está subordinada, é o símbolo da Lava Jato e enfrenta um boicote incomum do universo político em Brasília, muito bem representado por Bezerra, aliado de todos os presidentes da República desde a redemocratização e figura carimbada de operações policiais. O timing também foi preciso: às vésperas de o Supremo, sob a batuta de seu presidente, Dias Toffoli, iniciar uma longa agenda de julgamentos que podem ser determinantes para fragilizar não apenas a Lava Jato, mas toda e qualquer investigação.

No cardápio estão a ação que prevê o fim da prisão imediata após julgamento em segunda instância, a liminar do próprio Toffoli que interrompeu os trabalhos do antigo Coaf, rebatizado como Unidade de Inteligência Financeira, a suspeição de Sergio Moro no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o caso recente em que uma das turmas da corte anulou a sentença de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil. A ideia é que todos esses casos estejam decididos até o fim do ano. Uma parte dos ministros trabalha para acelerar os casos – se possível, julgando uma boa parte deles ainda em outubro. Toffoli tem evitado confirmar as datas por uma razão estratégica. A ideia é levar os assuntos à pauta com poucos dias de antecedência, para evitar grandes mobilizações contra o tribunal nas redes sociais e nas ruas. Ele sabe que o pacote coloca o STF mais uma vez contra a população – e, por óbvio, pode colocar a população contra o STF.

STFSTFToffoli: ele não quer anunciar datas com muita antecedência para evitar pressão
A ação em que advogados pretendem reverter a decisão do próprio Supremo que permite a prisão de um condenado após julgamento em segunda instância é ilustrativa da importância da pauta de Dias Toffoli para o futuro da Lava Jato e de outras investigações. Se a maioria dos ministros for a favor da revisão do entendimento, Lula será um dos beneficiados. Ainda em 2018, semanas após assumir a presidência da corte, Toffoli chegou a agendar o julgamento para 10 de abril deste ano. Uma semana antes da data marcada, porém, ele tirou o assunto de pauta. A pressão externa pesou. Foi a partir daí que o ministro estabeleceu uma regra de conduta: casos polêmicos passariam a ser pautados apenas às vésperas.

Outro julgamento com potencial de causar danos à Lava Jato é o do habeas corpus no qual a defesa de Lula pede a suspeição de Moro no caso do tríplex. Foi esse processo que levou o ex-presidente à prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Ainda não há data marcada para que o Supremo decida, mas a expectativa de advogados é de que o veredicto saia em outubro. Para que isso aconteça, basta que Gilmar Mendes devolva o processo ao plenário da Segunda Turma da corte. Ele pediu vista dos autos em dezembro passado, depois de o relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia votarem contra a suspeição de Moro. De lá para cá, o vazamento de mensagens privadas trocadas por integrantes da força-tarefa da Lava Jato, algumas das quais com diálogos críticos a ministros do tribunal, fortaleceu a ala anti-Lava Jato no STF. Esse grupo, liderado pelo próprio Toffoli e por Gilmar, tem se esforçado para alinhavar uma reação aos investigadores. Hoje é dado como certo que o voto de Gilmar será pela suspeição de Moro, assim como o de Ricardo Lewandowski. Há quem acredite que Cármen Lúcia, que já votou, possa rever sua posição. Se ela mantiver o voto, o decano Celso de Mello desequilibrará a balança.

Nem mesmo os mais profundos conhecedores do STF se arriscam a apostar no placar final do julgamento, muito embora exista, nos corredores da corte, a leitura de que o tribunal pretende utilizar o caso mais para enviar um recado geral a juízes e procuradores, repisando críticas a supostos abusos, e menos para confrontar Moro. O julgamento deverá incluir uma discussão sobre o teor das mensagens vazadas, bem como sobre sua validade. A ala anti-Lava Jato, claro, vai defender que sim. Gilmar Mendes, por exemplo, já se manifestou publicamente em favor da tese de que as mensagens roubadas, provas evidentemente ilícitas, possam ser usadas em benefício do réu — no caso, Lula.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO ex-juiz Sergio Moro é o alvo principal do pacote do Supremo
A Lava Jato também estará sob risco em outro julgamento, ainda sem data marcada: o que vai decidir se réus delatados têm direito a apresentar as últimas peças de sua defesa só depois de conhecerem todos os argumentos de seus delatores, igualmente réus, e não concomitantemente. Em julgamento realizado há algumas semanas pela Segunda Turma, Gilmar Mendes, Lewandowski e Cármen Lúcia anularam pela primeira vez uma condenação de Sergio Moro e determinaram que um processo contra Aldemir Bendine, o ex-presidente do BB e da Petrobras, voltasse para a fase inicial. Eles entenderam que a Bendine, delatado, deveria ter sido dado o direito de se manifestar depois de seus delatores — uma inovação processual, para dizer o mínimo. Bendine havia sido condenado por corrupção por receber 3 milhões de reais em propina da Odebrecht, quando estava na presidência da Petrobras. O entendimento inovador da turma, com o voto de Cármen Lúcia, antes acostumada a proferir decisões em linha com as de Moro, pode abrir caminho para outras anulações, já que o procedimento adotado no caso de Bendine foi semelhante ao de vários outros processos julgados em Curitiba. Com base na decisão, a defesa de Lula, por exemplo, pediu a anulação de duas de suas condenações – a do tríplex e a do sítio de Atibaia – e a consequente libertação do cliente. Fachin, o relator da Lava Jato, tem pressionado Toffoli a levar a discussão ao plenário para evitar a sangria.

O único dos julgamentos que tem data marcada é o do caso Coaf: 21 de novembro. Se não houver alteração, será nesse dia que os onze ministros do tribunal irão analisar a decisão solitária de Dias Toffoli proferida em 16 de julho, quando ele acolheu um pedido dos advogados do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, e despachou uma liminar suspendendo investigações baseadas em informações do antigo Coaf e da Receita que não tenham passado previamente pelo crivo de um juiz. O filho 01 do presidente da República era investigado, até então, por suspeita de desvio de dinheiro em seu gabinete quando era deputado estadual no Rio. A decisão de Toffoli suspendeu não apenas as investigações sobre Flávio e seus assessores. Todos os casos em curso no país que se enquadravam no entendimento do presidente do Supremo tiveram que ser paralisados.

Uma das principais promessas de Dias Toffoli ao assumir o mais alto posto do Judiciário brasileiro foi dar previsibilidade aos julgamentos na corte. Por mais de uma vez, ele disse que tornaria pública a pauta com ampla antecedência, a fim de facilitar a vida das partes envolvidas e, principalmente, para permitir que os demais interessados pudessem se manifestar. Assim foi feito. Mas o tempo deixou claro que a regra tinha uma exceção.

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