LeandroNarloch

Muito índio com salário de cacique

20.09.19

Passei os últimos dias colecionando dados e histórias malucas dos salários e carreiras dos funcionários públicos federais. Cuidado, leitor: algumas delas, de tão revoltantes, podem estragar o seu fim de semana.

Imagine se uma grande empresa tivesse um terço de seus funcionários em cargos de direção. Ou se um terço dos homens de uma unidade militar fossem coronéis. Essa situação estranha ocorre entre os funcionários públicos federais. Como a progressão em muitos casos se dá por tempo de serviço ou critérios fáceis de alcançar, 33% dos 490 mil servidores federais efetivos estão no topo da carreira. Há muito cacique para pouco índio. Ou melhor – há muito índio com salário de cacique.

Para estimular a eficiência, o governo estabeleceu nas últimas décadas adicionais de gratificação por desempenho. As notas deveriam variar conforme a assiduidade e produtividade dos empregados. Na prática, porém, quase todos os cerca de 200 mil servidores federais com direito a gratificação ganham a nota máxima. Veja que boa notícia: os funcionários públicos brasileiros são os mais bem avaliados do mundo!

Por ano, o dinheiro pago em gratificações por desempenho, adicionais e auxílios ultrapassa 54 bilhões de reais – o que equivale um terço de todo o dinheiro gasto com pessoal.

E os aposentados, apesar de não terem funções públicas a desempenhar, também ganham gratificação por desempenho. Sim: aposentados ganham adicional de produtividade equivalente à média da gratificação nos últimos cinco anos de trabalho. O direito foi concedido pela Justiça depois de associações e sindicatos reivindicarem a paridade do salário entre ativos e inativos. A reforma da Previdência aprovada pelos deputados determinava que o valor fosse uma média dos adicionais adquiridos durante a carreira. Nesta semana, o senador Tasso Jereissati deu autonomia aos estados para estabelecerem o valor da gratificação por desempenho aos que não mais desempenham serviços.

O governo britânico recomenda que creches tenham um funcionário para no máximo seis crianças de 1 a 2 anos. Quando os alunos crescem e ficam menos dependentes, a razão entre funcionários e alunos costuma cair. Não na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A universidade tem quase 15 mil servidores (entre funcionários e professores) para 67 mil alunos – proporção de 4,4 alunos por funcionário/professor. Uma razão maior até mesmo que os berçários mais caros de São Paulo. E isso considerando a estimativa mais alta do total de alunos, que inclui os matriculados em cursos a distância e extracurriculares.

A maior parcela dos funcionários públicos, aliás, não está em Brasília, sede do governo, mas no Rio de Janeiro. O estado tem 100 mil servidores, mais que o próprio Distrito Federal, 88 mil.

Para ingressar no grupo de 1% dos mais ricos do Brasil, é preciso ganhar cerca de 160 mil reais por ano. Juízes e membros dos tribunais de contas superam um pouco esse valor: ganham (em média!) 510 mil reais por ano. Promotores e procuradores do Ministério Público, 520 mil reais.

Portugal substituiu recentemente mais de mil cargos por três carreiras gerais, além de postos específicos para médicos ou professores. O Ministério da Economia pretende fazer algo semelhante no Brasil. Há cerca de 2 mil cargos, 117 carreiras e mais de 250 tabelas remuneratórias, sem contar auxílios, verbas indenizatórias, gratificações e adicionais. Não deve ser fácil determinar, todo mês, tantos salários diferentes.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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