Eduardo Saraiva/A2

O nó paulista

Depois do Paraná e do Rio, a Lava Jato finalmente se organiza para avançar em São Paulo, mas esbarra em dificuldades impostas pela Justiça
13.09.19

Enquanto procuradores e magistrados do Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal colhem os bônus e os ônus das inúmeras prisões e condenações alcançadas pela Lava Jato nos últimos anos, o braço paulista da maior operação de combate à corrupção já deflagrada no país ainda pena para destrinchar o vasto e explosivo arsenal de denúncias relacionadas a obras e políticos do estado. Criada em julho de 2017 — com um delay de três anos em relação à “matriz” de Curitiba –, a partir do envio das delações da Odebrecht envolvendo pessoas sem foro privilegiado para a Justiça Federal local, a força-tarefa do Ministério Público Federal em São Paulo só ganhou corpo neste ano. O grupo angariou nove procuradores, seis deles dedicados exclusivamente à Lava Jato, passou a atuar em conjunto com três delegados da Polícia Federal e até ganhou, nesta semana, um espaço maior no quinto andar do prédio da Frei Caneca, na região central da capital paulista. O empenho começou a surtir efeito com a ampliação do foco de investigação para além dos crimes envolvendo a construção do Rodoanel, obra viária bilionária, mas tem esbarrado em um outro obstáculo difícil de contornar: a dispersão das ações dentro do Judiciário.

Ao contrário da dinâmica estabelecida nas três frentes mais avançadas da Lava Jato, onde a instrução dos processos mais importantes foi concentrada com um único juiz — Sergio Moro em Curitiba, Marcelo Bretas no Rio e Vallisney Oliveira em Brasília –, as ações em São Paulo foram distribuídas para cinco varas distintas, deixando os casos sob o crivo de juízes com diferentes ritmos de trabalho e visões sobre os métodos utilizados nas investigações, como o instrumento da delação premiada. Desde o ano passado, a força-tarefa paulista celebrou dez acordos de colaboração, realizou duas operações e ofereceu oito denúncias e três ações de improbidade administrativa contra 76 pessoas. Até agora, obteve cinco condenações, todas pelas mãos da juíza da 5ª Vara Criminal, Maria Isabel do Prado, que julga uma parte dos casos envolvendo o Rodoanel. O principal alvo foi o engenheiro Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, cujas penas somam 172 anos de prisão por formação de cartel e desvios de recursos públicos. Apontado como arrecadador do PSDB e operador financeiro da Odebrecht, ele está preso no Paraná desde fevereiro deste ano por suspeita de intermediar 100 milhões de reais em espécie para a empreiteira pagar propina a agentes públicos e a políticos.

As ações de Paulo Preto na 5ª Vara, cujas sentenças demoraram menos de um ano desde a apresentação da denúncia pelos procuradores, contrastam com o ritmo do processo movido pela força-tarefa contra o ex-presidente Lula, por tráfico de influência e lavagem de dinheiro. O petista é acusado de ter recebido propina de 1 milhão de reais da empresa ARG em 2012 por meio de uma doação oficial feita a seu instituto em troca de benefícios em contratos na Guiné Equatorial. Lula, sustentam os investigadores, teria facilitado os negócios por meio da relação política que mantinha com o ditador do país, Teodoro Obiang. Em novembro do ano passado, a denúncia foi sorteada para a 2ª Vara Criminal, com a juíza Silvia Maria Rocha. Desde março deste ano, está em fase de pré-instrução. Ou seja: mal começou a tramitar. Em abril, a magistrada intimou o acusado Rodolfo Giannetti Geo, controlador do grupo ARG e responsável pelo pagamento ao Instituto Lula, para apresentar sua defesa formal, mas a procuração do advogado só foi juntada aos autos no mês passado. Nesse meio tempo, o crime de tráfico de influência imputado a Lula prescreveu.

Rovena Rosa/Agência BrasilRovena Rosa/Agência BrasilA procuradora Anamara Osório, da força-tarefa paulista: velocidade prejudicada pelo Judiciário
O próprio caso de Paulo Preto exemplifica o labirinto enfrentado pela Lava Jato na Justiça Federal de São Paulo. Nem todos os processos a que ele responde correm na 5ª Vara. Uma outra ação, ajuizada por crimes supostamente cometidos na mesma obra do Rodoanel na qual ele foi condenado por cartel e desvio, foi distribuída para a 6ª Vara, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. A obra é a mesma, o réu é o mesmo, mas o juiz desse caso é diferente – o que, evidentemente, torna mais difícil e lenta a tramitação. Em Curitiba e no Rio, em especial, os processos ganharam em rapidez porque, quando surgiam novos casos sobre os mesmos investigados, os juízes já tinham conhecimento sobre os alvos, entendiam os mecanismos narrados pelos policiais e procuradores e, assim, a compreensão dos casos era facilitada.

Se, por um lado, há entre os cinco juízes paulistas encarregados da Lava Jato quem pareça seguir os passos de Sergio Moro e Marcelo Bretas, por outro há críticos ferrenhos dos métodos da operação. O titular da 6ª Vara Criminal é o juiz João Batista Gonçalves. É lá que corre um dos casos de Paulo Preto e por onde passou a denúncia movida contra o ex-presidente Michel Temer por lavagem de dinheiro no caso da reforma de 1,6 milhão de reais que teria sido feita na casa de sua filha (o processo foi remetido para Brasília). Em 2015, quando ainda não havia sequer um protótipo da Lava Jato em São Paulo, Gonçalves criticou o uso da delação premiada em larga escala pelos procuradores de Curitiba. Em entrevista, comparou as prisões preventivas de empresários e agentes públicos que resultaram em delações com torturas feitas em pau-de-arara para forçar confissões. As críticas já feitas à Lava Jato, porém, não impediram o magistrado de homologar, no mês passado, a primeira delação feita por um agente público paulista, o ex-diretor do Metrô Sergio Corrêa Brasil, que denunciou um esquema de arrecadação ilícita montado na estatal para financiar partidos políticos aliados ao PSDB. Mais um sinal da confusão: embora o juiz Gonçalves tenha recebido a delação, o processo que trata dos crimes que Corrêa Brasil narra tramita em outra vara, a 3ª.

Nesta semana, como antecipou Crusoé, a força-tarefa denunciou Lula e um dos irmãos dele, Frei Chico, acusado de receber 1 milhão de reais da Odebrecht por meio de mesadas. O caso foi distribuído para uma vara diferente de todas as outras, a 7ª. Para os procuradores, a dispersão dos processos dificulta a estratégia de ação, que depende muito do perfil do julgador. A força-tarefa tem feito rodízio para despachar as ações que correm nas cinco diferentes varas e, paralelamente, trabalhar nos inquéritos em curso. Hoje, há 86 investigações abertas, muitas sobre assuntos ainda mantidos em segredo – parte dos casos tem origem nas delações de executivos da OAS e do ex-ministro Antonio Palocci. Em nota enviada a Crusoé, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, responsável pela administração das varas federais de São Paulo, defendeu o modelo. Para a presidente da corte, Terezinha Cazerta, é preciso observar o “princípio do juiz natural”. Do outro lado do balcão, entre os investigadores, há uma certeza: o nó só serve para facilitar a vida dos alvos.

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