RuyGoiaba

Se o cachorro-quente no copo existe, tudo é permitido

06.09.19

Meu texto da semana passada sobre atrocidades monumentais deve ter sido o mais “colaborativo” que já publiquei na Crusoé. Leitores se lembraram de muitas outras maravilhas do Brasil, como o Monumento do Saneamento em Fortaleza (dois canões de esgoto, digamos, estilizados) e a tétrica estátua de Elis Regina em Porto Alegre, provável vingança por ela ter ousado sair do Rio Grande. Há ainda na capital gaúcha uma escultura que pretendia representar cuias de chimarrão, mas parece um aglomerado de tetas.

É claro que um povo criativo como o brasileiro não se limitaria às obras de arte representadas e resumidas pelo Cocozão de Ponta Grossa. Damos asas à imaginação — e principalmente adeus ao superego — até em momentos tão delicados quanto a escolha do nome dos filhos. Sério mesmo: deve existir, em algum lugar do país, algum concurso premiando quem conseguir enfiar mais letras K, Y e LL dobrado na certidão de nascimento de seus pimpolhos.

Mas arrisco dizer que é na culinária que o Bananão ousa mais, vai mais longe, reduz a pó qualquer noção de limite. Não se enganem: o Brasil está cheio de Palmirinhas do mal, Ritas Lobos do Mundo Bizarro, Masterchefs do terceiro círculo do inferno de Dante — gente que prova, com suas criações, que este mundo é um lugar hostil; um vale de lágrimas em que os degredados filhos de Eva gemem e choram sem omeprazol à mão, mas com sopa de sushi à vontade.

Recentemente, um jornal carioca publicou uma reportagem com o título “saiba mais sobre o novo lanche sensação”: um “cachorro-quente” sem pão, mas com os ingredientes todos atochados num copo de plástico, dando ao ex-sanduíche aquele charmoso aspecto de lixo orgânico ou de algum vômito que você emitiu num dos piores porres da sua vida. Tudo isso com a vantagem adicional de trocar o pão pelo plástico, aquele material que leva uns 400 anos para se degradar. Só vantagens: você come um troço horrível, atira o copo no mar para poluir bastante e, com sorte, ainda mata algumas tartarugas marinhas no processo.

E quem mora nas redes sociais — não é o caso de vocês, espero — já conhece a Pizzaria Batepapo do Guarujá, que levou o conceito de “pizza” a lugares que fariam o inventor da pizza se suicidar à la Renato Aragão se pudesse prever o futuro. Transcrevo do site da pizzaria: “Que tal pedir uma pizza tamanho gigante para dividir com os amigos? E que tal se viesse um bolo no meio? Ou sabor frutos do mar com uma lagosta no meio? Um panetone? Pode ser também com uma cumbuca de feijoada, um abacaxi, uma abóbora ou um frango assado.” Qualquer pessoa razoável responderia NÃO, PELO AMOR DE DEUS a todas as perguntas depois da primeira. Mas o mundo é, repito, um lugar hostil.

Há um trecho célebre de Os Irmãos Karamázov em que Ivan, o irmão ateu, conversa com o irmão religioso Aliocha e lista uma série de episódios atrozes noticiados nos jornais para depois concluir: “Não é Deus que eu não aceito, Aliocha; estou apenas lhe devolvendo, do modo mais respeitoso, o meu bilhete de ingresso”. Não tenho a menor dúvida de que Dostoiévski incluiria no seu romance a pizza de PF (prato feito, não Polícia Federal) e o cachorro-quente no copo se essas tragédias já existissem na Rússia do século 19. Se o cachorro-quente no copo existe, Deus nos abandonou: tudo é permitido.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O PCO, que um amigo gosta de chamar de Partido da Calça Operária, publicou em seu semanário uma manchete com os dizeres “Abaixo a intervenção imperialista na Amazônia!”, acusando Emmanuel Macron de querer explorar os recursos da região por meio da “propaganda ecológica do imperialismo”. O partideco, que convoca manifestações pela liberdade de Lula e chama Jair Bolsonaro de entreguista, está mais perto do que gostaria do militar que ocupa a Presidência. Ou seja: a teoria da ferradura não falha nunca.

Capa do vibrante jornal da Calça Operária. Espero que Macron leia e aprenda.

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