Fraga e Bolsonaro nos tempos de quartel: amizade duradoura

O padrinho

Quem é o ex-deputado de Brasília já investigado pela PGR e alvo de processos que aproximou Augusto Aras de Jair Bolsonaro
06.09.19

Um dos principais responsáveis pela escolha de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República é figurinha carimbada em investigações do Ministério Público de Brasília. Alberto Fraga, coronel aposentado da Polícia Militar e ex-deputado federal, já foi condenado em duas ações movidas pelo grupo de combate ao crime organizado da Promotoria local. Até recentemente ele era réu em uma terceira ação, por porte ilegal de arma, mas conseguiu ser absolvido.

Foi Fraga quem aproximou Augusto Aras de Jair Bolsonaro. Amigo do subprocurador há mais de quinze anos, o ex-deputado se incumbiu de levá-lo ao encontro do presidente, no Palácio da Alvorada. Nos últimos dois meses, Aras esteve pelo menos sete vezes com Bolsonaro. Na maior parte dos encontros, à noite e sem registro na agenda oficial do Planalto, estava acompanhado de Fraga.

Aras entrava no banco do carona da camionete Chrysler de Fraga. As visitas ocorriam, quase sempre, nos momentos em que já não havia mais jornalistas na portaria do palácio. Mesmo assim, Fraga orientava o procurador a se abaixar caso, de repente, aparecesse algum bisbilhoteiro interessado em ver quem estava a bordo. A ideia era manter a discrição.

A amizade de Fraga e Bolsonaro extrapola trinta anos. Eles se conhecem desde 1982. O primeiro encontro ocorreu na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, quando o então primeiro-tenente da PM do DF Fraga tinha 25 anos e Bolsonaro, primeiro-tenente do Exército, 26. Estudaram juntos por um ano.

Encerrado o curso, Alberto Fraga voltou para Brasília. Bolsonaro continuou no Rio. Eles se reencontrariam em 1994, quando Bolsonaro se elegeu deputado federal e teve de se mudar para a capital do país. No ano seguinte, ambos se cruzavam pelos corredores da Câmara. Fraga era assessor parlamentar da PM local.

Quando finalmente assumiu o seu primeiro mandato como federal, em 1999, ele se uniu a Bolsonaro em defesa de pautas como a redução da maioridade penal e a liberação de armas para todos os cidadãos. Também defenderam, juntos, pena de morte para autores de crimes hediondos.

A amizade se estreitou. Fraga está entre os poucos amigos de Bolsonaro que o visitam, com frequência, nos fins de semana no Alvorada. Por vezes, ele chega ao palácio a bordo de sua lancha particular, pelas águas do Lago Paranoá. Já até convidou o amigo para uma volta. A ideia foi prontamente reprovada pela segurança presidencial.

Agora, ao emplacar Aras no cargo que Bolsonaro classifica como “rainha” no jogo de xadrez do poder nacional, Fraga mostra força mesmo após as condenações e uma derrota acachapante na tentativa de se eleger governador do Distrito Federal. A seguir, saiba um pouco mais sobre o padrinho do homem que Bolsonaro escolheu para suceder Raquel Dodge.

Na fazenda

Longe da Câmara após quatro mandatos consecutivos, Fraga chegou a anunciar que estava de saída da política. A decisão foi comunicada depois de ser apenas o sexto na corrida pelo governo de Brasília em 2018 — ele teve 88.840 votos (5,88% dos válidos) — e de algumas tentativas frustradas de integrar o primeiro escalão do governo do amigo Bolsonaro.

Dizia dedicar-se exclusivamente à sua fazenda, na região da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, onde planta soja e milho. Afirmava até fazer planos de advogar, usar o diploma em Direito. Acreditava não ter mais chance de ocupar uma cadeira no Palácio do Planalto ou na Esplanada dos Ministérios em função das condenações em dois processos por concussão — exigência de vantagem indevida em razão do cargo ocupado.

As decisões judiciais, além de fazê-lo despencar nas pesquisas de intenção de votos — chegou a aparecer em segundo lugar—, fecharam-lhe as portas em um eventual governo Bolsonaro, apesar de, mesmo após a primeira condenação, o presidenciável do PSL afirmar haver uma vaga cativa para o amigo PM em sua administração.

Em um vídeo com aliados, em sua casa, no Rio de Janeiro, divulgado em 23 de outubro de 2018, Bolsonaro anunciou Fraga como coordenador da bancada governista, com status de ministro. Diante da repercussão negativa, o então presidente eleito escreveu em suas redes sociais que os ministérios não teriam condenados por corrupção. “Anunciarei os nomes oficialmente em minhas redes. Qualquer informação além é mera especulação maldosa e sem credibilidade”, escreveu.

Fraga não foi para o governo, mas pôs gente sua lá. Até que, em janeiro, sofreu outro golpe. Chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz exonerou Bruna Brasil Fraga, filha do ex-deputado, do cargo de assessora da Secretaria Especial de Relações Institucionais da Secretaria de Governo da Presidência da República. Ela recebia 9.926 reais.

O pai contrariado não passou recibo de derrotado. Um dia após a demissão da filha, ele publicou nas suas redes sociais uma foto dele e Bolsonaro jovens, na Escola de Educação Física do Exército, com a legenda: “Recordar é viver! Queiram ou não, essa amizade é de longo tempo! Selva!”.

Propina baixa

O deputado derrotado sempre demonstra indignação com as decisões judiciais que lhe tiraram votos. O ex-parlamentar jura inocência e fala em perseguição política, apesar de interceptações telefônicas realizadas com autorização judicial flagrarem uma conversa dele com representantes de cooperativas de micro-ônibus em que o assunto é propina.

No diálogo, gravado em 2009, Fraga, então secretário de Transporte do governo de José Roberto Arruda, questiona interlocutores sobre o valor dos repasses ilegais. Fraga reclama de receber menos que um de seus assessores. Do outro lado da linha, segundo o MP, estava um representante do político junto às cooperativas.

“Agora tá explicado, as coisas acontecendo e eu com cara de babaca aqui, entendeu? E o cara (refere-se ao assessor), você veja, o cara ganhou com isso aí, o que é que acontece? Ele, ele ganhou muito mais dinheiro, vamos dizer assim, do que o próprio secretário”, disse Fraga. “Deitou e rolou”, respondeu o intermediário. “Deitou e rolou. É por isso que o Arruda, constantemente, me dá uma ‘espetada’”, devolveu Fraga. Coisa estranha.

O dinheiro, segundo os investigadores, era propina. Propina paga pelas cooperativas no processo de substituição das vans por micro-ônibus em Brasília, conforme consta da denúncia do MP acolhida pela Justiça. O grupo recebeu mais de 800 mil reais. O valor — supostamente reajustado a partir da queixa de Fraga — foi pago em três parcelas, de acordo com as investigações. Uma das cooperativas envolvidas conseguiu o que queria após entregar a primeira parte do valor a um motorista de Fraga, condenado com o chefe pela prática criminosa.

“Juiz ativista LGBT”

As duas condenações de Fraga foram assinadas pelo juiz Fábio Francisco Esteves, da Vara Criminal e Tribunal do Júri do Núcleo Bandeirante, cidade-satélite de Brasília. Após saber da primeira sentença, Fraga, na condição de candidato a governador, afirmou, em público, que a decisão foi tomada por um juiz “ativista LGBT”.

A menos de duas semanas do primeiro turno, Esteves condenou o então deputado a quatro anos, dois meses e vinte dias de prisão, em regime inicial semiaberto. Em fevereiro último, veio a segunda condenação por concussão, com pena de seis anos e oito meses de prisão em regime semiaberto. Em ambos casos cabe recurso, por isso o deputado continua em liberdade.

Em abril, enquanto aguardava um convite do presidente e amigo Bolsonaro para ocupar cargo no governo, Fraga sofreu outro revés. Fábio Esteves acatou recurso do Ministério Público do DF e aumentou a pena do ex-deputado na primeira denúncia por concussão. Com isso, a punição passou de quatro anos e dois meses de prisão para cinco anos de reclusão, em regime semiaberto.

Arma apreendida

O ex-deputado federal conseguiu uma vitória na Justiça, em fevereiro, quando desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal o absolveram da acusação de porte ilegal de arma. Policiais civis de Brasília apreenderam, em 2011, em um flat às margens do Lago Paranoá que seria de propriedade do ex-deputado, um revólver Magnum calibre .357, de uso restrito das Forças Armadas. Os agentes encontraram ainda seis projéteis para a arma e outros 283 de uso restrito, bem como 1.112 balas de uso permitido.

Um juiz condenou Fraga pelo crime em 2013, quando ele estava sem mandato e não gozava do foro privilegiado. O magistrado sentenciou o político a pagamento de multa e quatro anos de prisão, convertidos em prestação de serviço comunitário. A condenação foi mantida em segunda instância, em 2014. Fraga recorreu da decisão e, quando foi eleito deputado federal, em 2015, o processo passou a tramitar no Supremo Tribunal Federal. Em maio do ano passado, o ministro Dias Toffoli enviou o processo para a Justiça de Brasília. A mudança foi resultado da restrição do foro privilegiado.

Ao anular as duas decisões, os desembargadores aceitaram a alegação dos advogados de Fraga que uma resolução recém-baixada pelo Exército sobre posse de armas resultava na absolvição do crime, porque a norma deveria retroagir em benefício do réu.

“Apanhar como homem”

Em maio de 2015, Fraga foi criticado por atacar as mulheres. Ele incendiou o plenário da Câmara durante a discussão de duas medidas provisórias que mudavam as regras de concessão do seguro-desemprego e dificultavam o acesso à pensão por morte. Para ele, “mulher que bate como homem tem que apanhar como homem também”. Um grupo de deputadas protestou contra ele em plenário. Uma delas pediu ao Supremo a abertura de investigação contra o então deputado por incitação à prática de crime e ameaça. Ele também foi acionado no Conselho de Ética da Câmara, que arquivou a representação.

O mandato de deputado federal voltou a estar ameaçado após ele espalhar em rede social notícia falsa sobre Marielle Franco, a vereadora do PSOL morta em março de 2018 no Rio de Janeiro. Três dias depois do crime, Fraga publicou no Twitter uma mensagem espalhando rumores de que a vereadora era ex-mulher de um traficante de drogas e que teria relação com o tráfico. Ele escreveu: “Conheçam o novo mito da esquerda, Marielle Franco. Engravidou aos 16 anos, ex-esposa do Marcinho VP, usuária de maconha, defensora de facção rival e eleita pelo Comando Vermelho. Exonerou recentemente 6 funcionários, mas quem a matou foi a PM”.

Instaurada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, a ação que poderia resultar na cassação do mandato do parlamentar foi arquivada em maio de 2018.

Tropa de elite

Fraga se voltou contra um dos filmes brasileiros de maior sucesso de bilheteria na história. Em maio de 2010, ele roubou a atenção do plenário da Câmara dos Deputados para reclamar de Tropa de Elite 2, que escolheu o codinome de “deputado Fraga” para nomear o rival do Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura.

O parlamentar pediu ajuda do então presidente da Casa, Michel Temer, para encaminhar à Procuradoria da Câmara um pedido de análise do roteiro, que trazia uma cena em que o “deputado Fraga” prestava depoimento no Conselho de Ética sobre suposta participação nas milícias do Rio de Janeiro. “Sou o artista desse filme, mas, o pior, o cidadão coloca que o deputado Fraga será o antagonista, ou seja, o bandido do filme, que vai lutar contra o Capitão Nascimento, contra as milícias assassinas”, bradou o deputado ao microfone, em tom de desespero.

Apesar da confusão, Fraga nem havia assistido a Tropa de Elite 2. O filme não tinha entrado em cartaz. Diogo Fraga, o político representado no filme, foi inspirado, na verdade, em Marcelo Freixo, então deputado estadual no Rio de Janeiro.

Na vida real, Fraga e Freixo, agora deputado federal pelo PSOL, são adversários. Freixo faz oposição ferrenha a Jair Bolsonaro. E Fraga, aos 63 anos, espera se livrar dos processos a que responde para ocupar um cargo de peso no governo do amigo. Nesta quinta-feira, logo após o anúncio de Aras pelo Planalto, ele sumiu. Seguindo a orientação de amigos para sair de cena, pegou o carro e foi para a fazenda. A pessoas próximas, ele tem dito que teme virar vidraça novamente. Agora, por ser o padrinho do futuro procurador-geral da República.

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