RuyGoiaba

O Cocozão de Ponta Grossa é a cara do Brasil

30.08.19

A história do Brasil é pródiga em agressões estéticas e coisas que você, infelizmente, não consegue desver. E isso não tem nada a ver com a pobreza do país. Pelo contrário: em geral, quanto mais dinheiro, maior o talento do brasileirinho endinheirado para ser cafona com opulência. Mas sempre senti falta, nos livros de história, de um capítulo dedicado aos monumentos horrorosos do Bananão — essas expressões do nosso eu profundo, cuja única crítica possível é aquela feita todo dia pelos pombos.

Não é exclusividade do Brasil, evidentemente: todo mundo se lembra daquele busto de Cristiano Ronaldo no aeroporto de Funchal, na ilha da Madeira, que era mais parecido com um biscoito Trakinas do que com o craque português. E às vezes a gente importa horrores de outros países, como o Monumento Solarius, presente do governo da França que está às margens de uma rodovia do Distrito Federal e ganhou o gracioso apelido de Chifrudo.

Mas nada supera a estatuária brasileira. Enquanto em Roma você tropeça nas obras do Bernini, aqui na zona sul de São Paulo a gente é visualmente agredido pela lindeza que é a ESTAUTA do Borba Gato no meio da avenida Santo Amaro — inexplicavelmente preterida em favor do Cristo Redentor num concurso para escolher as novas sete maravilhas do mundo.

Se você se deslocar para a zona oeste, poderá contemplar no deserto de concreto que é o Memorial da América Latina aquela medonha mão de Oscar Niemeyer “com o mapa do continente a escorrer sangue”. Uma coisa bem “as veias abertas da América Latina” (que, depois da reforma ortográfica, ficaram iguaizinhas às VÉIAS abertas da América Latina), sabe como é?

O Twitter de um amigo jornalista, brasileiro radicado na Alemanha, chamou a minha atenção para as maravilhas do Paraná nesse departamento. Existem em Curitiba, por exemplo, uma estátua do papa João Paulo 2º que ficou a cara do imperador Palpatine de Guerra nas Estrelas e, no centro histórico da cidade, um monumento que consiste em uma cabeça de cavalo minando água pela boca, conhecido como o Cavalo Babão do Largo da Ordem.

E também existiu, pelo menos até 2009, a mais autoexplicativa de todas essas estátuas: o Cocozão de Ponta Grossa. A revista Vice conta a história dessa obra que redefiniu o conceito de “cagada monumental”: instalada em 2004 pelo prefeito petista Péricles de Holleben Mello, a estátua pretendia ser uma homenagem às formações rochosas da cidade, com uma haste de oito metros sustentando uma escultura “inspirada nos arenitos de Vila Velha”. A intenção era que o formato se assemelhasse a uma araucária: o resultado, para a alegria dos moradores, foi um tolete num palito em versão gigante (vide a foto abaixo).

Cinco anos depois, o Cocozão foi destruído por um incêndio, alegadamente não intencional: alguém da prefeitura foi retirar abelhas e marimbondos da obra e acabou colocando fogo no toletão. Por razões que são difíceis de compreender, ninguém em Ponta Grossa se empenhou na reconstrução do monumento. Pois bem: é chegada a hora de reparar essa injustiça.

O brasileiro precisa se identificar com os monumentos que contam a história de seu país e embelezam suas praças públicas, e o Cocozão de Ponta Grossa é não apenas a cara do Brasil como uma síntese da sua história — especialmente no governo de um presidente que fala de cocô quase toda semana. Se eu fosse filmar uma versão brasileira de La Dolce Vita, do Fellini, a primeiríssima cena seria um helicóptero levando embora o Cristo Redentor para instalar o Cocozão triunfante no topo do Corcovado. Shit happens.

Reprodução/Facebook/Cocozão de Ponta GrossaReprodução/Facebook/Cocozão de Ponta GrossaCocozão de Ponta Grossa (2004-2009), o mais injustiçado dos monumentos

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A GOIABICE DA SEMANA

No fim de semana, Eduardo Bolsonaro anunciou no Twitter que estava estudando para a sabatina do Senado, caso seja indicado pelo presidente e pai para o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Citou um canal do YouTube e, especificamente, o “episódio que trata da nossa independência passando por Leopoldina, Bonifácio e Princesa Isabel” — embora não se saiba bem qual teria sido a participação de Isabel (neta de dom Pedro 1º nascida quase 25 anos depois da proclamação da independência) nesse processo.

É bonito ver o 03 encarando um SUPLETIVÃO para fazer bonito na sabatina. Sugiro ao governo fazer um Telecurso Rio Branco e fechar o instituto lá.

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