Incendiaram a verdade

30.08.19

Depois de terem hackeado o Brasil com manchetes vazias e sensacionalistas com o fruto de um grave crime contra agentes da lei, agora atearam fogo no país em mais uma narrativa com fins políticos – os incêndios na Amazônia -, tudo em nome da aversão a um governo que erra e está longe de ser perfeito, mas conta com pessoas capacitadas e empenhadas em tentar trazer alguma melhora depois da devastação da era petista.

O mais novo charme do mercado é falar mal do Brasil. Atualmente, nosso melhor produto de exportação é vender inverdades em nome de um ego destruído pela derrota da continuação do projeto de poder do corrupto mais honesto do país. Não vou usar este artigo para mostrar gráficos de agências e jornalistas (sérios) ambientais que desmentiram toda a falácia de que os incêndios na Amazônia aumentaram vertiginosamente neste governo. Basta explorar a internet para perceber que a cortina de fumaça política que fizeram com o assunto foi maior que o verdadeiro incêndio. Fato: a questão amazônica não é simples. As queimadas ocorrem em épocas distintas e pelos mais diversos motivos, incluindo as criminosas, mas uma rápida pesquisa no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e podemos constatar que o período de maior desmatamento na Amazônia foi – balão de oxigênio para alguns, por favor! – no governo Lula. Mas isso são detalhes que atrapalham narrativas e interesses comerciais e políticos que contaram com incendiários do bom senso, como o presidente francês, Emmanuel Macron, e parte da imprensa militante das redações .

Como hoje não existe mais o monopólio da informação e qualquer notícia pode ser verificada, não é difícil encontrar vasto material que mostra que os incêndios na Bolívia, por exemplo, estão bem acima da média histórica e também contribuíram para alguns altos números de 2019, mas isso não foi levado em conta no debate, cada dia mais desonesto intelectualmente. Não é difícil encontrar também notícias sobre os incêndios de gigantescas proporções que ardem desde julho na Sibéria e que já ameaçam derreter o permafrost (espessa camada de solo congelado que armazena grandes quantidades de carbono), liberando enormes reservas de metano. A Rússia caminha para o seu pior ano de incêndios florestais, mas ainda não se viu uma hashtag “Pray for Siberia” e nem uma palavra sequer de celebridades, intelectuais, políticos ou do próprio presidente francês, que, talvez dependente do gás natural russo, prefira falar fino com Vladimir Putin. Outra falácia exportada com orgulho esta semana por brasileiros nada patrióticos e inconsequentes, e incorporada por 10 entre 10 celebridades ambientalistas que preocupadas com o planeta só voam em seus jatinhos particulares, é de que o mundo poderia sofrer um colapso num futuro próximo por falta de oxigênio, uma vez que a Amazônia seria o “pulmão do mundo”, responsável por 20% do oxigênio que respiramos.

A narrativa piromaníaca sobre o novo Nero do mundo estava até indo bem, mas faltou combinar com o russos, ou melhor, com os cientistas ambientais e estudiosos especializados na região amazônica, como Dan Nepstad, Yadvinder Malhi, Katarina Zimmer e Michael Shellenberger. Durante o transe coletivo sobre os atuais incêndios, eles jogaram um balde de água fria no alarmismo infundado – e estrategicamente plantado com propósitos políticos – e foram categóricos que a informação de que a Amazônia é o pulmão do mundo, amplamente divulgada sem a menor responsabilidade, é falsa. Michael Shellenberger, ambientalista americano que morou na Amazônia e que conviveu com o MST na região, afirma em coro com outros cientistas de que a floresta, na verdade, consome a maior parte do oxigênio que produz, disponibilizando para o planeta apenas de 1% a 6%. O cientista de sistemas da Terra Michael Coe, que dirige o programa da Amazônia no Woods Hole Research Center, em Massachusetts, também afirmou essa semana: “Há várias razões pelas quais gostaríamos de manter a Amazônia bem e saudável, o oxigênio não é uma delas”.

O ganho na polêmica sobre a Amazônia que tomou o mundo é que as pessoas começaram a se interessar mais sobre o clima, o planeta, e a prestar atenção nos reais dados de gente que entende do assunto. Os estudos e artigos que os especialistas em meio ambiente acima citados publicaram esta semana mostram, além de estudos detalhados para quem deseja se aprofundar no assunto, o óbvio daquela aula de Biologia da oitava série que os militantes da imprensa nacional e mundial fizeram questão de esquecer: os pulmões do mundo são os oceanos, sendo responsáveis por 50% a 85% do oxigênio na Terra.

Enquanto o presidente francês falava em dar “status internacional para a Amazônia” (ou “vamos socializar o seu rico quintal“), as 193 explosões nucleares francesas no Pacífico que mudaram a Polinésia para sempre e que atingiram em cheio o verdadeiro pulmão do mundo, os oceanos, são sempre ignoradas no debate. Fatos têm sido um verdadeiro incômodo para narrativas, falácias e até material hackeado e editado que ganham manchetes e espaço em jornais. Quem sabe daqui a 15, 20 anos algumas redações, juntamente com celebridades desmioladas a bordo de seus iates que não usam energia sustentável, descubram esses acontecimentos e decidam se pronunciar, mostrando os já devastadores danos ambientais causados por países como a França.

Enquanto a histeria sobre o incêndio na Amazônia tomava conta do debate público, um outro tipo de incêndio ardia nos corredores de Brasília — mas para essa densa fumaça que vinha do Planalto não houve muito espaço na mídia focada no bem do planeta. Preocupada em queimar o novo “lobo mau” dos trópicos, ela fez cara de paisagem para aquele que na planilha da Odebrecht tem apelido de time de futebol ou mesmo de incendiário. Identificado como “Botafogo” na lista da empreiteira, Rodrigo Maia, o “pai das reformas” e homem do ano de acordo com as viúvas petistas e agora peessedebistas, foi citado em conclusivo relatório da Polícia Federal que atribuiu ao presidente da Câmara os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois. De acordo com o inquérito da PF, Maia e seu pai, Cesar Maia, teriam praticado também crime eleitoral “caixa 3” (eles se superam), ao divulgar apenas informações formais das doações repassadas por empresas interpostas, quando o verdadeiro doador era o Grupo Odebrecht. Maia, coincidentemente, esteve no centro de uma recente controversa sessão na Câmara onde colocou em votação não-nominal, e na madrugada, o projeto de lei de abuso de autoridade, duramente criticado por policiais, procuradores e juízes da Lava Jato, que afirmam que a nova lei diminui o alcance e a eficiência da operação. O presidente Jair Bolsonaro ainda pode vetar parcial ou totalmente a nova lei.

Outro “incêndio” de grandes proporções ardeu nesta semana em Brasília, mas também não teve grande destaque na mídia ambientalista que estava preocupada com as girafas da Amazônia. Em outra frente do acordo de delação premiada que firmou com a Polícia Federal, Antonio Palocci, ex-ministro do governo Lula, implicou nada mais que 16 empresas e 12 políticos em transações supostamente criminosas, afirmando que todas as eleições de Lula e Dilma foram financiadas com recursos irregulares de várias empresas. Será que depois de salvarem os rinocerontes da Amazônia do fascismo incendiário do atual governo, os fiéis seguidores do “Lula livre” noticiarão que o ex-braço direito do presidiário mostra que os números do esquema chegam a mais de 330 milhões de reais, e que o PT teria recebido 270 milhões de reais em propina de diferentes empresas? Sem pressa, amigos, elefantes amazônicos têm prioridade.

A semana mostrou que nosso solo é muito rico e que há muito interesse, fantasiado de preocupação ambiental, na Amazônia. Há sérios problemas na região que é muito valiosa para o Brasil, e é importante que o governo estabeleça uma política de controle ao desmatamento com uma fiscalização rígida para ações ilegais, assim como um duro combate a ONGs parasitas com interesses escusos. Que o governo atue com os sérios dados científicos disponíveis, não caia em armadilhas da histeria infundada e que centralize as ações nas necessidades brasileiras. Às celebridades, intelectuais e políticos preocupados com o planeta e o verdadeiro pulmão do mundo – os oceanos -, que tal uma palavrinha com a China (pode ser um vídeo com fake lágrimas nos olhos e peixinhos na camisa), para sensibilizar o país campeão isolado em lançamento de dejetos plásticos nos oceanos? Você pode incluir o presidente francês e propor “status internacional” para algumas regiões da França, já que de acordo com um recente relatório publicado pela associação de defesa do meio ambiente WWF, a França é o país mediterrâneo que mais produz dejetos plásticos. Hashtag Pray for France.

Quanto ao incêndio em Brasília, do qual muitos insistem em dissipar a fumaça, só o balde de água fria da Lava Jato para tentar contê-lo, tarefa árdua em um fogo que se alastra com manobras suspeitas para que leis que restrinjam o alcance da operação sejam passadas rapidamente na calada da noite. A incendiária delação de Palocci, que não deixa dúvidas de que a maioria das carreiras políticas em Brasília foi construída sobre solo fértil derivado da queima de dinheiro público e recursos irregulares de empresas, mostra o que a Lava Jato já comprovou em diversas formas: o Brasil está em chamas há muito tempo. E a Lava Jato é a nossa única chance de não virarmos cinzas.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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