Comando Militar do NorteQuantidade de focos de incêndio em 2019 ainda está longe das máximas de anos anteriores

As chamas da discórdia

As medidas anunciadas pelo Planalto podem até reduzir o número de focos de incêndio, mas o governo ainda está devendo um plano para conter o desmatamento na Amazônia
30.08.19

Da base aérea de Porto Velho, em Rondônia, duas aeronaves C-130 Hércules decolam diariamente com cerca de 12 mil litros de água para apagar as labaredas de fogo na floresta. Outras quatro foram enviadas para a região Norte com o mesmo fim. Em Altamira, no Pará, a tarefa é executada por helicópteros Super Cougar que carregam compartimentos capazes de transportar, por vez, 8 mil litros d’água. Uma semana após o decreto de Garantia da Lei e da Ordem Ambiental, novecentos homens das Forças Armadas, da Força Nacional de Segurança Pública, do Corpo de Bombeiros e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, já atuavam em nove estados da Amazônia Legal para combater incêndios e crimes ambientais.

Os resultados devem ser sentidos em breve. “A presença do estado em diversas regiões e a comoção nacional produzida pelas queimadas devem provocar uma redução drástica dos incêndios em uma ou duas semanas”, diz o engenheiro florestal Mauro Armelin, diretor-executivo da ONG Amigos da Terra. “Imagino que mesmo quem já tinha autorização para riscar um fósforo agora vai pensar duas vezes antes de fazer isso.” Na quarta-feira, 29, o governo federal proibiu queimadas em todo o país por sessenta dias, em mais uma tentativa de apagar as labaredas de uma crise que fez o Planalto correr para resolver.

A diminuição das chamas deve ser um alento para um ano que começou mal. Desde janeiro, o programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, detectou 85 mil focos ativos de incêndio no país. O número ainda é baixo se comparado às altas históricas anuais, que passaram de 300 mil focos ativos em 2002, 2003, 2004, 2005, 2007 e 2010. Como o pico da temporada de seca costuma ser em setembro, o valor registrado pelo Inpe este ano ainda teria muito a aumentar. Como o decreto presidencial prevê o uso das Forças Armadas até o dia 24 de setembro, ainda há esperança de que o pior pode ser evitado.

Ministério da DefesaMinistério da DefesaForça Nacional de Segurança chega à Amazônia: em ação até o final de setembro
Os incêndios, contudo, são um sintoma de um problema recorrente. Na Amazônia, as queimadas que ocorrem entre agosto e setembro são consequência do desmatamento que já foi feito entre abril e junho. Grileiros, fazendeiros e pecuaristas derrubam a floresta na primeira metade do ano e deixam os tocos e galhos em um canto do terreno. Como é caro remover esse material para outros lugares, eles costumam esperar a época da seca, como agora, para queimar o que sobrou.

Se o governo não baixar a guarda contra os incêndios, aqueles que destruíram a mata terão que encontrar outro destino para os restos de árvores. “Eles podem vender para alguma carvoaria, para uma usina de biomassa ou para uma secadora de grãos. Também podem simplesmente largar essa madeira lá, abandonada, para ela se decompor naturalmente”, diz Tiago Reis, especialista em política ambiental e em ciências do uso do solo e pesquisador da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.

Para saber ao certo qual foi a área desmatada este ano, será preciso aguardar a divulgação, no ano que vem, dos números do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite, o Prodes. O programa tem um índice de confiança próximo a 95%. Toda a grita dos últimos dias ocorreu por causa de informações de outro sistema, também do Inpe, o Deter. Mas sua função principal não é a de medir o desmatamento, mas a de orientar a fiscalização do Ibama.

Ministério da DefesaMinistério da DefesaHelicóptero Super Cougar lança água sobre o fogo na floresta em Altamira, no Pará
Pelo Prodes, pode-se constatar que os anos em que ocorreu maior desmatamento foram os de 1995 e 2004, quando derrubaram mais de 25 mil quilômetros quadrados de florestas. Há uma conexão entre esses anos e o atual. Os maiores desmatamentos ocorreram em períodos de transição de governo, quando as políticas ambientais ainda não estão afinadas. Nesses períodos, os grileiros entendem que têm mais liberdade de ação por causa das trocas na máquina governamental.

O desmatamento apurado em 1995, por exemplo, foi um reflexo do que aconteceu nos dois anos anteriores, durante o governo de Itamar Franco. “Como toda atenção estava no Plano Real, o estado acabou se ausentando da Amazônia”, diz Mauro Armelin, da Amigos da Terra. A eleição de Jair Bolsonaro no ano passado reativou a sensação de que a máquina pública seria novamente desestruturada.

Quem contribuiu para jogar mais lenha na fogueira este ano foi o presidente francês, Emmanuel Macron. Na segunda-feira, 26, último dia do encontro do G-7 em Biarritz, no sul da França, ele ventilou a possibilidade de se buscar um status internacional para a Amazônia. “A verdade é que associações, ONGs e atores internacionais, inclusive jurídicos, questionaram em diversos anos se era possível definir um status internacional para a Amazônia”, disse o francês. “É uma questão real que se impõe, se um estado soberano tomar medidas concretas que obviamente se opõem ao interesse de todo o planeta.” O governo francês também publicou uma nota dizendo que não aprovaria o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, cuja negociação durou vinte longos anos.

No Brasil, a frase do francês foi amplamente considerada como uma afronta à soberania nacional. “A Constituição brasileira garante a proteção do meio ambiente e nenhum presidente pode ir contra isso”, diz o procurador José Luiz Souza de Moraes, professor de direito internacional da Universidade Paulista, a Unip. “Se algo assim acontecer, então o problema deverá ser resolvido pelo nosso direito interno.”

ReproduçãoReproduçãoO presidente francês, Emmanuel Macron: Merkel o colocou em seu lugar
Em poucos dias, as declarações de Macron viraram cinzas. Uma promessa de ajuda de 20 milhões de euros para os países da Amazônia foi recusada pelo Brasil. Um vídeo de uma reunião do G-7 mostrou a chanceler alemã, Angela Merkel, colocando Macron no seu devido lugar. Sentada ao redor de uma mesa com os demais líderes do grupo de países mais ricos do mundo, Merkel apenas comunica ao anfitrião o que será feito, sem perguntar sua opinião: “Anunciei para ligar para ele (Bolsonaro) na próxima semana para ele não ficar com a impressão de que estamos trabalhando contra”, sentenciou Merkel.

Foi um momento oportuno para lembrar que é a Alemanha, afinal, o motor da Europa. “Ao acenar para Bolsonaro, Merkel defendeu os interesses do seu próprio país. As empresas alemãs estão interessadíssimas em ampliar o comércio com o Mercosul porque poderão exportar mais produtos com tecnologia intermediária”, diz Renato Flôres Júnior, diretor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas.

Com a fumaça se dispersando, o governo brasileiro deverá ser mais cobrado para traçar um plano para impedir a destruição da floresta em anos futuros. Afligido pelas críticas que vieram com as queimadas, Bolsonaro culpou as ONGs e os sistemas de monitoramento por satélite pelo desastre. No ápice das discussões acaloradas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi internado no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Em tom de brincadeira, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, disse que foi um caso de “estresse ambiental”.

Na próxima sexta-feira, 6 de setembro, Bolsonaro se reunirá com presidentes de outros países da Amazônia em Leticia, na Colômbia. O objetivo, segundo o presidente, é discutir uma política única de preservação e desenvolvimento sustentável na região. Espera-se que, até lá, os ânimos já tenham esfriado.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO