Adriano Machado/Crusoé

Pedra no caminho de Doria

O governador de São Paulo tenta construir um projeto presidencial para 2022, mas enfrenta dura oposição dentro de seu próprio partido
23.08.19

A reunião estava prevista para começar ao meio-dia e meia da terça-feira, 20, na sala da liderança do PSDB na Câmara do Deputados. As estrelas do encontro eram o governador de São Paulo, João Doria, e o deputado federal Alexandre Frota, ex-PSL, que seria apresentado oficialmente à bancada. Mas não havia quase ninguém na hora marcada para recebê-los. O líder do partido, o paulista Carlos Sampaio, começou então a telefonar e passar mensagem aos ausentes para que corressem até lá. Com o público reduzido, os presentes passaram para uma sala menor, de forma a não deixar transparecer que havia pouca gente. Doria e Frota chegaram e ainda esperaram meia hora para que o quórum aumentasse. Só então o evento começou: Frota foi oficialmente apresentado por seu padrinho, Doria, aos parlamentares tucanos. Apesar do esforço para chamar, às pressas, os que ainda não tinham aparecido, não foi exatamente um sucesso de público. Dos 30 deputados do PSDB, onze faltaram. Era uma evidência de que o governador de São Paulo, hoje a principal liderança do partido no país, não anda tão prestigiado entre os seus correligionários. O esvaziamento da reunião era um prenúncio do que ocorreria no dia seguinte, quando a Executiva tucana rejeitaria, por maioria, dois pedidos nos quais os diretórios paulista e paulistano do partido, liderados por Doria, pediam a expulsão do deputado federal Aécio Neves.

Os dois episódios ilustram bem que o projeto presidencial de João Doria passa por dificuldades. Enquanto, por um lado, o governador traça um roteiro de ações administrativas e políticas para conseguir chegar em 2022 com força eleitoral, por outro sobram sinais de que ele não controla o seu próprio quintal. A realidade, enfim, não tem sido compatível com suas pretensões. Quase três meses depois de conseguir colocar um indicado seu, o pernambucano Bruno Araújo, no comando nacional da legenda, Doria enfrenta uma rebelião interna que tem feito a tradicional disputa de poder entre tucanos paulistas e tucanos mineiros extrapolar os limites dos dois estados. O problema, dizem peessedebistas de diferentes partes do país, é o estilo do governador, que gosta de impor suas decisões sem antes dialogar internamente.

O convite feito por ele a Frota é um exemplo. Doria nem sequer consultou o líder da bancada, Carlos Sampaio, sobre a filiação. Avaliou com seu núcleo duro que a chegada do parlamentar, crítico de Bolsonaro e com presença ativa nas redes sociais, seria relevante para mostrar distanciamento do Palácio do Planalto e, ao mesmo tempo, ter perto de si um mobilizador na internet, área em que o presidente da República e provável adversário em 2022 tem um exército de defensores. A forma desagradou, e não demorou para que declarações pretéritas de Frota sobre o PSDB passassem a circular nos grupos de WhatsApp de integrantes da legenda (o deputado já disse, por exemplo, que o partido é uma “cambada de vagabundo e safado”). Deputados temem que a missão do ex-ator pornô seja a de vigiar a bancada a pedido de Doria, para além de adotar posições públicas a pedido do governador a despeito das opiniões dos demais parlamentares. “Ele veio para nos humilhar”, disse a Crusoé um parlamentar da sigla.

DivulgaçãoDivulgaçãoEvento com Frota: em Brasília, quórum abaixo do esperado
A forma como Frota chegou acabou dando força para Aécio Neves na reunião de quarta-feira. Doria há tempos vem defendendo a saída de Aécio, investigado em diferentes frentes pela Lava Jato, como forma de fortalecer a imagem do partido para as próximas eleições. O mineiro, ex-presidenciável, definhou politicamente após ser colhido pelas investigações. Em um dos casos, foi flagrado pedindo 2 milhões de reais a Joesley Batista, dono da JBS. Uma ala do partido teme carregar esse estigma nas próximas eleições e pressiona a cúpula por uma decisão. Até o início do ano, Aécio cogitava uma solução política, como um afastamento em 2020. Doria, porém, nunca o procurou. Preferiu tensionar e incentivou que os diretórios paulistas sobre os quais tem influência pedissem a expulsão do deputado. Não deu certo. O sentimento corporativista falou mais forte, já que muitos tucanos também estão enrolados na Justiça –alguns em situação até pior que a de Aécio. Mais do que isso, também devem favores ao deputado, em especial pela intermediação de doações para suas campanhas em eleições passadas.

Até os paulistas se rebelaram contra Doria. “Vocês vão fazer todo mundo odiar São Paulo”, disse aos gritos a vice-presidente do PSDB, deputada Bruna Furlan, ao conterrâneo Orlando Morando, prefeito de São Bernardo do Campo e porta-voz de Doria na reunião a portas fechadas que arquivou o pedido de expulsão de Aécio. Morando era minoria. Dos 34 presentes, apenas ele e mais três apoiavam a punição. Revezavam-se no entra e sai da sala para passar as informações para o governador. A certa altura, ficou combinado que o debate fosse adiado para que Doria não perdesse. Mas, surpreendentemente, foram deputados paulistas que lideraram a rejeição da proposta e optaram por levar a decisão adiante naquele mesmo dia. O líder do partido, Carlos Sampaio, quase foi deposto pela maioria por defender Doria.

As queixas vão além. O governador quer punir a deputada federal Tereza Nelma, de Alagoas, por ter votado contra a reforma da Previdência. Parlamentares tucanos dizem ser uma contradição. O próprio Frota, seu novo emissário na bancada, se absteve na mesma votação. Reclamam ainda do slogan “Novo PSDB” formulado pelo empresário Paulo Marinho, outro ex-bolsonarista recém-filiado ao partido, que também reformulou a logomarca da legenda. Doria adorou o desenho. Mas não pediu a opinião dos correligionários. O resultado disso tudo é um caldo político interno altamente desfavorável ao governador, que se coloca cada vez mais abertamente como candidato ao Planalto nas próximas eleições presidenciais. A questão que os próprios tucanos levantam é a seguinte: se ele não consegue sequer controlar o próprio partido, como conseguirá comandar o país? Até Bruno Araújo, seu aliado, dá sinais de cansaço. “Ele põe uma coisa na cabeça e é difícil tirar”, disse a um interlocutor. Araújo, vale lembrar, teve o ápice de sua carreira no governo Michel Temer, como ministro das Cidades. Indicado por quem? Por Aécio Neves.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressAécio: Doria prometeu tirá-lo do caminho, foi derrotado no primeiro round, mas não desistiu
Doria leva adiante seu projeto sem considerar as dificuldades internas. A ofensiva contra Aécio parte da ideia de que, sem uma faxina interna pós-Lava Jato, o partido não chegará a lugar nenhum. Além disso, o governador pretende usar São Paulo como vitrine para suas pretensões nacionais. Em um momento em que a questão ambiental coloca o país no centro das atenções do planeta, ele assumiu a promessa de despoluir completamente o rio Pinheiros até o final de seu mandato. A expectativa é entregar já em 2021 uma parte do rio despoluído e conceder as margens para a exploração privada, seja com transporte de cargas e passageiros, seja mediante a instalação de áreas de lazer e esporte para a população. No plano internacional, quer inaugurar escritórios comerciais do governo de São Paulo. Em viagem à China em agosto, abriu uma representação do estado em Xangai. Em março do próximo ano, promete inaugurar outro, desta vez em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Doria aproveita essas viagens para se aproximar ainda mais do empresariado. Para a China, levou uma comitiva de mais de 30 — e não só de São Paulo. Na volta, fez questão de espalhar aos quatro cantos que a viagem rendeu 24,8 bilhões de dólares em investimentos para o estado nos próximos 10 anos, dos quais 20 bilhões de reais só para a área de infraestrutura. Nos próximos meses, o governador irá ao Japão e à Alemanha. Ele também procura dedicar sua gestão à segurança pública, área que Jair Bolsonaro também tem como bandeira. E não esconde que gostaria de ter Sergio Moro como companheiro de chapa.

Como disputa o mesmo campo político que o presidente, Doria tenta diferenciar-se dele, procurando fazer um contraponto no estilo. Vende-se como um político de centro, mas no fundo se considera de uma direita mais moderada, liberal na economia e nos costumes. Como tática, a tendência é que mantenha com o Planalto uma relação ora de proximidade, ora de distanciamento. Ele avalia que um rompimento político definitivo pode prejudicar o financiamento, pelo governo federal, de alguns projetos no estado, em especial os de infraestrutura. O plano, porém, pode ruir se ele não conseguir baixar a poeira dentro de seu próprio partido. Seu jeito mandão já fez algumas vítimas, chamadas internamente de “os cadáveres de Doria”. Basicamente, gente que já o ajudou no passado, mas que agora não serve mais. Geraldo Alckmin é o caso mais vistoso: foi quem bancou sua candidatura a prefeito de São Paulo, em 2016. Dois anos depois, quando Alckmin concorria ao Planalto, ele abraçou o voto “Bolsodoria” e abandonou o padrinho em plena campanha. Já tentando dissipar os efeitos negativos que o rótulo de traidor pode lhe causar, especialmente entre potenciais aliados de outros partidos que enxergam com reservas sua forma de fazer política, Doria convidou Alckmin para um almoço no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Olhando para o futuro, ele tenta acertar as contas com o passado, mas também precisa ajustá-las no presente. Especialmente dentro de sua própria casa.

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