RuyGoiaba

Isso a mídia não mostra!

23.08.19

Era uma vez uma treta entre os gileaditas e os efraimitas – a Bíblia está cheia delas. Os primeiros tomaram as passagens do rio Jordão; os segundos, disfarçados, tentavam passar pelos primeiros. Mas os gileaditas tinham uma manha para identificar os inimigos, que era dizer a eles: “Fala shibboleth” (“corrente”, em hebraico). Os efraimitas, que eram um misto de Lula com Cazuza ou Luís Carlos do Raça Negra, só conseguiam pronunciar sibboleth. E se ferravam: “42 mil efraimitas foram mortos naquela época”, segundo conta o texto do livro dos Juízes (vocês veem que era de fato uma treta de dimensões bíblicas – e que falta fazia ter um bom fonoaudiólogo por perto).

Com isso, shibboleth, que em português ganhou a ridícula grafia “xibolete” — parece nome de grupo de axé –, passou a significar um uso da linguagem que seja distintivo de um determinado grupo: pode ser uma palavra, um modo de falar ou mesmo uma crença em comum. Também nessa cloaca que é a política brasileira existem shibboleths, à esquerda (“estadunidense” em lugar de americano, “presidenta”, “Lula livre”) e à direita (“Bolsomito”, emoji de arminha, olho verde-e-amarelo chorando — os exemplos são inúmeros).

Mas há uma frase que já foi uma espécie de shibboleth de esquerda e está democraticamente disseminada por retardados de todos os matizes: “Isso a mídia não mostra!”. Hoje, é impossível alguém ver nas redes sociais uma hashtag do tipo #Globolixo e saber de cara se ela está sendo promovida por bolsonaristas ou petistas. É a velha e boa teoria da ferradura — quando as pontas esquerda e direita do calçado favorito dessa turma se encontram.

E, em quase 30 anos nesta indústria vital que é a fábrica de salsichas do jornalismo, eu nunca, repito, NUNCA vi um só caso de “isso a mídia não mostra” que a imprensa não tenha mostrado. Dias atrás, um cretino solene do Twitter falou das queimadas em Rondônia, condenou o “silêncio total” da “grande mídia” e disse que a morte da Amazônia “não será televisionada” (sim, o sujeito é um imbecil com internet que se acha um Gil Scott-Heron). Naturalmente, não adiantou esfregar na cara do fulano reportagens do G1, da Globo e do UOL sobre o assunto. Se fulaninho não viu enquanto estava muito ocupado enfiando o sorvete na testa, a mídia NÃO mostrou e pronto.

Vamos deixar bem claro: se você soube de uma notícia – mas notícia de verdade, não “mamadeira de piroca” ou “vacinas provocam autismo” –, mesmo que tenha sido por meio do esgoto que é o grupo de WhatsApp da sua família, é porque alguém da maldita “mídia” (que hoje se limita cada vez menos à chamada “grande imprensa”) foi lá, apurou e colocou no ar ou no papel. Sei que você prefere viver num mundo em que mamadeira de piroca ou “sequestro fake” na ponte Rio-Niterói — sim, escreveram isso nas redes sociais — são verdades. Mas faça o favor de ostentar essa burrice o mais longe possível de mim.

No mais, pega no que a mídia não mostra e balança.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Levado por João Doria ao PSDB, Alexandre Frota logo em seguida apareceu no Roda Viva, aquele programa da TV Cultura que não tem nenhuma, mas nenhuminha mesmo, interferência do governo paulista. O mais engraçado foi ver entrevistadores circunspectos perguntando ao deputado e ex-astro da Brasileirinhas se ele “acredita em partidos”. Os caras acham que estão conversando com um Max Weber, que vai mandar um “A Política como Vocação” ali no improviso? Tinham que ter perguntado “e aí, Frota, qual é o negócio?” para ele responder “o negócio é comer cookie e bruschetta”. Aí sim.

Reprodução/TV CulturaReprodução/TV CulturaAnos atrás, “Frota no centro da roda viva” teria um significado bem diferente

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