Escolha o seu lado

16.08.19

Hoje peço licença para uma mensagem um pouco mais contundente a uma certa elite saudosa do mais corrupto governo na história do país e seus mais novos aliados, os petistas de ocasião. A nova classe “não sou petista, mas…” que um dia não acreditou na tentativa de derrubada do governo Temer engendrada pelos irmãos Batista, parte da imprensa e Rodrigo Janot, hoje reza a cartilha do motoboy de presidiário nos jornais e aplaude o uso indiscriminado de material impericiável oriundo de um grave crime, e tudo por apenas não gostar do atual presidente.

Em outubro de 2018, o Brasil foi convidado a dois plebiscitos sobre o lulismo e tudo que se deriva dele. A escolha entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad foi o último set de uma partida que já durava pelo menos três anos, quando os brasileiros foram às ruas, nas maiores manifestações da história, pedir democraticamente o impeachment de Dilma Rousseff. Ali, nas ruas e nas urnas, vencemos. No entanto, vencemos apenas um longo jogo em um campeonato que parece estar longe do fim. O ataque diário à Lava Jato e a desonesta insistência dos militantes na imprensa com a narrativa de que a operação, que deu nova esperança e novo sentido ao país, não passou de uma operação política nos mostra isso.

Além dos recentes ataques da bandidagem a agentes da lei e à operação que expôs os mais cinematográficos esquemas de corrupção de vários partidos, a preocupação da sociedade tem sido também com a casa que deveria zelar e aplicar nossa Constituição ao pé da letra (fria) e não como vem acontecendo em algumas ocasiões, quando ministros da Suprema Corte agem fora do seu escopo aplicando decisões, no mínimo, estranhas. Decisões que raramente são contestadas pelo colegiado e que têm deixado a sociedade um tanto apreensiva ao ver leis sendo flexibilizadas e aplicadas “de acordo com o réu”.

Alguns juristas e advogados já afirmam que o STF pode ter cruzado linhas que já indicariam uma atividade paraestatal muito preocupante. Como avançar no campo econômico e alavancar o progresso no país se hoje não temos segurança jurídica por parte da mais alta corte? O que dizer do surreal inquérito de censura a Crusoé, a inexplicável decisão do ministro Gilmar Mendes de impedir que o advogado e jornalista Glenn Greenwald seja investigado entre outros tantos twist carpados jurídicos, como a decisão de Toffoli em relação ao abastecimento de navios iranianos? Uma Suprema Corte que legisla, investiga, julga e condena. O que poderia dar errado?

Uma das histórias mais inspiradoras que ouvi quando cheguei nos EUA foi a do julgamento do “Massacre de Boston”, ocorrido em 1770, poucos anos antes da Declaração da Independência. Em resumo, um punhado de soldados britânicos, encurralados e ameaçados por uma turba de arruaceiros da colônia, acabou disparando contra o grupo matando cinco deles e ferindo outros seis. Boston era o epicentro da resistência aos colonizadores naquele momento e a cidade entrou em pé de guerra ao saber das mortes dos rapazes pelos invasores britânicos.

O povo da capital de Massachusetts queria vingança e sangue contra os red coats que tiraram a vida dos rapazes. Treze militares britânicos envolvidos no massacre foram detidos e levados a julgamento, mas os advogados da colônia sabiam que era um caso incendiário e ninguém queria ser o defensor dos réus. Um advogado de 35 anos aceitou o desafio porque considerava que todos merecem um julgamento justo e, ao final, conseguiu seis absolvições.

O jovem defensor poderia ter se tornado o homem mais odiado da América, mas acabou sendo seu primeiro vice-presidente, segundo presidente, e ainda fez seu filho presidente. John Adams é merecidamente reconhecido como um dos pais fundadores da nação e figura de destaque na luta da independência americana mesmo tendo, poucos anos antes, conseguido absolver soldados britânicos pela morte de compatriotas. Entre o aplauso fácil e a lei, optou pela segunda e seu exemplo ecoa até hoje na nação que ajudou a criar.

Como qualquer outro país, os Estados Unidos têm uma história complexa e repleta de erros, mas celebrar criminosos ou colocar narrativas acima das leis não é um dos mais comuns. Quando a lei é para todos, especialmente para os mais poderosos, uma mensagem de respeito às instituições e à ordem é enviada aos cidadãos, solidificando as bases civilizacionais que servem de alicerce para que continuem avançando. A confiança nas instituições americanas e na aplicação das leis é um dos pilares mais sólidos da maior potência mundial.

Outro ícone recente da defesa da Constituição americana foi Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte falecido em 2016. Sobre o respeito à letra fria das leis, disse: “a Constituição não é um organismo vivo, é um documento legal. Não há interpretações para a Constituição, não há flexibilidade legal, há rigidez e ordem”. Declarações como essa tirariam o sono de muitos dos atuais ministros do STF, companheiros cada vez mais criativos nas suas decisões.

Tenho John Adams, vivido por Paul Giamatti numa série inesquecível da HBO de 2007, como um dos meus heróis. Adams é o autor da célebre frase “somos uma nação de leis e não de homens”, porque conhecia a natureza falha e imperfeita dos seres humanos e acreditava no império das leis como antídoto na luta contra o crime e a desordem. Enquanto o brasileiro de bem vai fazendo as pazes com o patriotismo e começa a andar de novo de mãos dadas com algumas instituições, o STF não pode continuar flertando com o tal “jeitinho brasileiro” de interpretar as leis de acordo com o réu ou o caso.

John Adams deveria servir de exemplo a todos que estão relativizando as leis por conta de agendas políticas, passando uma das mensagens mais corrosivas e erradas para as futuras gerações que se pode imaginar, minando por tabela a já baixa credibilidade de algumas instituições brasileiras.

Sei que o ex-juiz da Lava Jato e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, representa um constrangimento adicional para que a máquina estatal não seja usada para vantagens para os amigos do rei (e amigos do amigo do pai) e é preciso tomar uma posição contra ou a favor – e agora – para proteger a população que não tem lobistas em Brasília ou parceiros nas redações militantes. Não há mais pão e circo que resolva nossa grave crise e o país precisa estar acima de ideologias e jogos políticos.

A frouxidão moral e a indignação seletiva de alguns artistas, intelectuais e sua velha (e agora nova) plateia, que se acovardaram em silêncio durante treze anos de puro desgoverno petista, não servem mais de parâmetro para uma sociedade que não acredita mais na bolha de muitos dos ex-guardiões da opinião pública vergonhosamente aliados a um cheerleader ianque de corrupto. Essa classe que pretende falar em nome dos brasileiros ainda não percebeu que está falando sozinha.

O Brasil continua em um longo e perigoso campeonato onde muitas vezes o juiz vai favorecer o adversário. E, assim como no esporte, há atualmente apenas dois lados em questão: o de John Adams ou o de Glenn Greenwald. Escolha o seu.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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