FelipeMoura Brasil

A farsa

16.08.19

Ampliar o escopo de uma decisão para camuflar um objetivo específico é um truque político praticado sem cerimônia por Dias Toffoli e Rodrigo Maia.

Sobre a rediscussão da execução provisória da pena, a ser pautada para o plenário do Supremo Tribunal Federal, o atual presidente do STF declarou:

“É bom que se diga que não é o ex-presidente Lula que está em julgamento, como muitos acham. O Supremo não vai decidir se solta ou não o ex-presidente nesse processo. O que será analisado é uma questão constitucional abstrata que vai dizer se é possível ou não prender alguém sem justificativa após a condenação em segunda instância ou se devemos aguardar o trânsito em julgado.”

É bom que se diga que, em entrevista à repórter Luiza Muzzi, do Portal O Tempo, publicada no Youtube em 28 de fevereiro de 2016, Toffoli se dizia desde sempre defensor da execução da pena antes de eventuais recursos ao STJ e ao STF: “Eu sempre tive comigo que não era necessário aguardar o recurso especial junto ao Superior (Tribunal) de Justiça nem o extraordinário junto ao Supremo Tribunal Federal.”

Em 5 de outubro daquele ano, o STF autorizou a prisão em segunda instância (em razão dos crimes cometidos, claro; não de outra “justificativa”, como no caso de prisão preventiva durante a fase de investigação), mas Toffoli votou contra o início da execução da pena, contrariando a própria posição declarada sete meses antes.

O que aconteceu de relevante entre fevereiro e outubro? Lula, o ex-presidente responsável pela indicação de Toffoli ao STF, foi indiciado pela Polícia Federal em 26 de agosto de 2016 por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no caso do tríplex, que resultaria na condenação do chefão petista em três instâncias pelos dois primeiros crimes e em sua prisão após a decisão do TRF-4 em segunda.

Lula nunca foi uma questão abstrata para Toffoli. Ele é um padrinho de carne e osso, cuja prisão o ministro ainda tentou evitar em 4 de abril de 2018, ao dar um voto vencido a favor da concessão de habeas corpus preventivo pedido pela defesa.

Já Rodrigo Maia reiterou o que antecipou a mim no Pânico, da Jovem Pan, em 5 de julho de 2019: que o projeto dos senadores Renan Calheiros e Roberto Requião contra 37 ações que poderão ser consideradas abuso de autoridade, quando praticadas para prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, é “mais democrático”, pois abrange todos os servidores públicos: “restrito apenas a juízes e promotores, ia parecer alguma revanche de alguém contra outro poder. E não é isso que nós queremos”.

O truque é praticamente confessado: não querem que o projeto pareça aquilo que é – uma revanche de parlamentares investigados e aliados de presos contra a Lava Jato.

Sob o comando de Maia, o “Botafogo” do departamento de propina da Odebrecht, a Câmara então aprovou covardemente o texto-base em regime de urgência e votação simbólica, sem contagem das mãos erguidas em contrário, nem registro de quais deputados votaram a favor da punição de policiais, procuradores e juízes que ousam combater a corrupção, investigando, processando, algemando e prendendo políticos.

Resultado: enquanto o Novo vai ao STF tentar anular a votação, Jair Bolsonaro sofre pressão popular para vetar o projeto de lei, embora seu partido, o PSL, tenha sido um dos signatários do requerimento de urgência para votá-lo, e seu filho investigado, Flávio, tenha votado a favor da versão aprovada em 26 de junho no Senado, que alcançava exclusivamente magistrados e membros do Ministério Público.

O relator da matéria, deputado Ricardo Barros (PP), contou que houve acordo com o governo para que o presidente vetasse apenas o trecho que considera crime de abuso de autoridade, com pena de 6 meses a 2 anos de reclusão, usar de algemas quando o preso não apresentar resistência à detenção – coincidentemente, o único ponto do projeto criticado por outro filho de Jair, Eduardo Bolsonaro, no Twitter, na manhã seguinte.

Toffoli e Maia camuflam os objetivos específicos de soltar Lula e de blindar a classe política ampliando o escopo das decisões. Bolsonaro, se não vetar o conteúdo abusivo do texto, ou se vetar apenas um ou dois pontos para fazer média, terá de camuflar em pragmatismo político sua leniência paternal com a retaliação às forças da lei, ou assumir um discurso contra “abusos” à moda Renan, afetando ponderação.

Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

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