RuyGoiaba

Seu umbigo não interessa a ninguém

09.08.19

Quando Noël Coward (1899-1973) completou 70 anos e foi entrevistado pela revista Time, o entrevistador pediu desculpas ao veterano do teatro inglês: “Espero que o senhor não esteja se entediando com todas essas entrevistas, tendo de responder às mesmas perguntas de sempre sobre si mesmo”. O ator respondeu: “De modo algum. O assunto me fascina”.

Se você não conhece a figura, oh leitor ignaro, serei bonzinho e pouparei seu trabalho de googlar: além de ator, Coward foi dramaturgo – escreveu ótimas comédias de costumes, na linha de Oscar Wilde –, diretor, cantor, compositor de letras geniais e até agente do Serviço Secreto inglês na Segunda Guerra. E era citado como influência por gente como Laurence Olivier e Frank Sinatra. Ou seja: um sujeito com pleno direito à imodéstia.

Penso em Noël Coward — para não pensar em Leonardo Da Vinci e ficar ainda mais deprimido — toda vez que a tentação do umbiguismo me assalta. O umbiguismo é essa fascinação por si mesmo, tão extraordinária quanto injustificada, não correspondida pelo resto da humanidade e associada ao total desinteresse por qualquer coisa que não seja espelho. Todos os dias, quando acorda, o umbiguista roots renova sua surpresa por continuar sendo ele mesmo, a coisa mais linda (e talvez a única) que Deus pôs na Terra, e não outro mané com um mínimo de noção, um superego que funciona etc.

No mundo do Instagram e das redes sociais, que dão a cada usuário um palquinho para seu one-man show, os umbiguistas proliferam como gremlins sob uma ducha. Alguns até produzem coisas: escrevem, cantam, tocam etc., tudo em variados tons de lixo. Como Noéis Covardes do Mundo Bizarro, às vezes dominam mais de uma dessas incompetências e usam as redes para esfregá-las na cara dos amigos e seguidores. Outros apenas se dedicam à arte de serem eles mesmos, com o máximo de estrépito, 24 horas por dia – ter uma obra, mesmo horrorosa, sempre dá algum trabalho; por que não pegar um atalho e ser a obra?

O umbiguismo explica parte considerável da soi-disant literatura brasileira contemporânea – e explica também por que boa parte dela não sobreviveria se a Mercearia São Pedro fosse bombardeada com napalm, providência urgente que infelizmente ninguém toma. A verdade é que, no Bananão, faltam empreendedores interessados em explorar o ramo da antiajuda: autores que louvem as delícias da desistência, os prazeres da repressão emocional, a grande arte de ficar quieto quando ninguém pediu sua opinião. E que, na ausência de mães para realizar essa tarefa, deixem bem claro que o seu umbigo, além de porcamente lavado, não interessa a mais ninguém.

Se isso não funcionar, pode ser que os próprios umbiguistas depurem a humanidade a cada vez que algum deles morre ao tentar fazer uma selfie no penhasco. Não percamos as esperanças — às vezes a natureza cuida.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Do alto de meus poderes de déspota esclarecido nesta coluna, decidi decretar empate técnico entre duas goiabices. Primeiro, Jair Bolsonaro se comparando a Johnny Bravo (“a campanha acabou para a imprensa. Eu ganhei! A imprensa tem que entender que eu ganhei. Eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, porra!”) como se isso fosse algo positivo – qualquer um que tenha visto o desenho do Cartoon Network sabe que o personagem é um idiota bombado. Mas deve saber fazer flexões direito, ao contrário do outro JB.

A segunda, evidentemente, é o Supremo Tribunal da Farofa se mobilizando às pressas para evitar que Sua Lulidade fosse transferida de Curitiba para Tremembé, num país em que 41,5% dos presos (mais de 330 mil, segundo o CNJ) não têm nem condenação em primeira instância – mas também não têm um STF pra chamar de seu. Como diria George Orwell, todos os animais são iguais, mas Lula é um animal muito mais igual que os outros.

O Johnny Bravo do Planalto, de onde somos governados pelo Cartoon Network

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