ReproduçãoThiago Martins, o Chiclete: dinheiro de Vermelho foi para realizar "investimentos"

O quinto elemento

Um programador de computadores da capital do país, uma operação de câmbio e um estranho negócio envolvendo uma Land Rover aparecem no caminho da investigação que tenta descobrir se há mandantes por trás do roubo de mensagens de autoridades
09.08.19

Quando a Polícia Federal deflagrou a operação que prendeu quatro jovens no interior de São Paulo e os enquadrou como responsáveis pela invasão de aplicativos de mensagens de centenas de autoridades brasileiras — do presidente da República a ministros da Suprema Corte, de integrantes da Lava Jato aos presidentes das duas casas do Congresso Nacional –, a pergunta de 1 milhão de dólares permanecia sem resposta: toda a trama foi maquinada e executada pelo quarteto ou por trás dele havia, ou há, outros personagens?

A investigação, sigilosa, está em curso. Do pouco que veio a público, alguns pontos chamam atenção. Um deles tem a ver com o perfil de Walter Delgatti Neto, o Vermelho, o mais destacado entre os quatro presos de Araraquara. Golpista conhecido da polícia local, ele confessou, com certa dose de orgulho, ter sido o responsável pela execução dos ataques.

Apesar de a apuração da Polícia Federal ter reunido fartas evidências de que os acessos se deram mesmo a partir de computadores operados por Vermelho, até hoje há dúvidas se ele, que não tem conhecimento avançado de programação e é considerado um amador entre hackers, contou com ajuda de gente mais experiente na área. A outra interrogação está relacionada aos mecanismos que se moveram para que o material interceptado viesse a público: por que alguém acostumado a aplicar golpes em busca de dinheiro teria cometido um crime tão grave sem ter recebido nada em troca, como ele afirmou aos policiais?

Além dessas duas questões centrais, chamaram atenção nos documentos anexados aos autos menções a ligações de Vermelho com Brasília. Seriam, talvez, sinais da existência de conexões da ação hacker com figuras da cena política — quem sabe até com eventuais mandantes ou patrocinadores do crime. Nos últimos dias, Crusoé se dedicou a avançar sobre essa parte da história. E descobriu que, sim, é na capital da República que está a próxima camada a ser vencida pela polícia na investigação. E que, já avançando para além do quarteto, há um quinto elemento ligado ao caso.

Seu nome é Thiago Eliezer Martins dos Santos. Programador de computadores, 30 anos de idade, nos últimos tempos ele manteve contatos no mínimo estranhos com Vermelho. Desde a deflagração da primeira etapa da Operação Spoofing, há pouco mais de duas semanas, o rapaz sumiu do mapa. Chiclete, como é conhecido entre os amigos, começou a aparecer como um personagem de interesse para o caso depois que a polícia descobriu que ele e Vermelho teriam se encontrado durante uma viagem que o hacker de Araraquara fez a Brasília. Na capital do país, Vermelho foi a uma casa de câmbio para comprar dólares, numa operação realizada supostamente em parceria com Thiago. Foi Thiago quem recebeu o hacker de Araraquara em Brasília. Houve mais. Na volta para o interior de São Paulo, Vermelho pegou a estrada e levou uma Land Rover – sim, de novo há uma Land Rover no meio da história, como no mensalão e no petrolão. O carro de luxo, que novo custa mais de 400 mil reais, foi repassado a ele por Thiago. O jovem de Brasília teria vendido a Land Rover para Vermelho. O negócio é outra ponta mal explicada da relação entre os dois.

ReproduçãoReproduçãoWalter Delgatti Neto, o Vermelho, posa com dólares à mão: a PF investiga uma operação de câmbio que ele fez em Brasília
O jovem brasiliense ainda não é, evidentemente, o personagem que elucida o possível esquema montado em torno da ação hacker, mas pode ser uma peça importante para a investigação. Até agora, todo o esforço dos envolvidos estava voltado para circunscrever os atos de Vermelho e sua turma a uma iniciativa isolada cujo desfecho teria sido o repasse supostamente gratuito das mensagens ao site The Intercept, após a intermediação da ex-deputada Manuela D’Ávila, candidata a vice-presidente da República nas últimas eleições, na chapa do petista Fernando Haddad. A partir do surgimento das conexões externas do hacker, porém, o mapa da investigação vai aos poucos se abrindo.

Thiago Martins nasceu em uma família modesta. Seu pai, o sergipano Eliezer dos Santos, é capitão reformado do Exército e, assim como o filho, também tem histórico na área digital. Quando já estava na reserva remunerada, chegou a trabalhar como coordenador de redes do Ministério da Defesa. Também passou pela área de pagamentos do Exército. Juntos, pai e filho foram sócios em duas empresas. Uma delas, de informática, funcionava em um prédio de salas comerciais na Asa Norte de Brasília e fechou há três anos. A outra foi um restaurante em um shopping da cidade de Taguatinga, nos arredores da capital. O restaurante começou vinculado a uma franquia de carnes com sede em Manaus. Depois, mudou de nome e passou a integrar uma rede de fast-food de Brasília. Thiago fez todo o investimento necessário. Gastou algo em torno de 300 mil reais. Mas fechou as portas quatro meses depois, sem dar maiores explicações. Os fornecedores foram surpreendidos. A alguns parceiros, Thiago disse apenas que pretendia se dedicar à criação de tilápias e a investimentos financeiros.

Entre os amigos, Chiclete fazia sucesso. Sempre elogiado pelo talento no futebol – era um exímio atacante nas peladas semanais –, ele passou a chamar ainda mais atenção quando apareceu vestindo o figurino de empresário de sucesso. A ascensão no mundo dos negócios foi meteórica. A maioria das pessoas próximas, porém, não sabia bem de onde ele tirava dinheiro. Havia muitos bochichos. Sabendo da formação de Thiago, uma parte dos amigos chegou a especular que ele estava atuando como hacker envolvido em fraudes bancárias. Ninguém, porém, foi atrás para averiguar. O estranhamento aumentou quando Chiclete passou um período sumido. Houve até quem achasse que ele havia sido preso “por ter feito coisa errada”, conta um amigo. Depois, ao reaparecer, contou que estava trabalhando com “investimentos”.

Morador de um condomínio de classe média em Águas Claras, outra cidade vizinha de Brasília, Thiago desapareceu nas últimas semanas. Nesta quarta-feira, 7, Crusoé localizou o pai dele. Eliezer dos Santos disse que o filho estava viajando, naquele momento, de São Paulo para o Rio de Janeiro. “Meu filho é trabalhador, é direito. Ele trabalha com informática, é programador. Não tem emprego fixo. Trabalha fazendo aplicativos de bancos, desenvolvendo aplicativos para bancos”, afirmou o capitão reformado, um tanto ressabiado.

Indagado se tem conhecimento da relação de Thiago com Vermelho, o hacker preso pela Polícia Federal, Eliezer respondeu que acredita que os dois se conheceram em razão da suposta negociação da Land Rover. “(Se conheceram) Na Internet. Talvez, por motivo da venda do veículo. Teriam que se aproximar, já que ele (Vermelho) se interessou pela compra. Eles teriam que se aproximar, né?!”, afirmou o pai, que pouco depois encerrou a conversa. Ele negou que Thiago também trabalhasse com compra e venda de carros. “Que eu saiba foi só esse caso.”

Trecho do depoimento de Vermelho: depois de silenciar, ele falou sobre Thiago
Além do “negócio” envolvendo a Land Rover, os policiais estão buscando esquadrinhar a operação de câmbio feita por Vermelho na cidade. Essa parte da investigação, aliás, vem sendo tocada sob absoluta reserva. Até dias atrás, Vermelho vinha resistindo a falar sobre Thiago Eliezer. Ainda no dia 23 de julho, após ser preso em um apartamento em Ribeirão Preto e transferido para a carceragem da PF em Brasília, ele prestou o primeiro depoimento ao delegado responsável pela Operação Spoofing. Após dizer que estava disposto a colaborar com a investigação, recorreu ao direito de permanecer em silêncio em dois momentos. Justamente nas vezes em que foi perguntado sobre a relação com Thiago.

Registrou a PF na transcrição do depoimento: “Perguntado se conhece Thiago Eliezer Martins Santos se reserva ao direito de permanecer em silêncio. Que perguntado se comprou dólares a pedido de Thiago Eliezer, se reserva ao direito de permanecer em silêncio”. Nesse primeiro depoimento, o hacker ainda estava acompanhado de um defensor público de plantão que havia sido acionado pelos policiais. Nos dias seguintes, os investigadores se debruçaram sobre o material encontrado nos computadores apreendidos e esmiuçaram parte dos arquivos armazenados por ele em uma nuvem de dados, a mesma onde estavam guardadas as conversas roubadas. Com mais informações, voltaram a interrogar Vermelho no dia 30 de julho.

Desta vez, o hacker de Araraquara até abriu mão do direito de ficar calado quando foi perguntado sobre Thiago Eliezer. Ainda assim, falou muito pouco. Ele disse ter conhecido o programador pela internet por volta de dezembro de 2018. Quanto à Land Rover, afirmou ter comprado o carro de Thiago. Disse que viajou a Brasília para buscar o veículo. Vermelho contou que Thiago foi buscá-lo no aeroporto e, em seguida, o deixou no hotel onde ficaria hospedado. Não houve mais perguntas sobre a operação de câmbio. Quando a Spoofing foi deflagrada, a Land Rover estava na garagem de Vermelho.

Nesse segundo depoimento, Vermelho já estava acompanhado dos advogados Luiz Gustavo Delgado e Fabrício Martins, integrantes de uma banca desconhecida com endereço na periferia de Brasília. A entrada dos dois no caso é outro detalhe que chama atenção. Como mostrou Crusoé na edição passada, nem os parentes de Vermelho sabem explicar de onde a dupla surgiu. A ideia era contratar um defensor conhecido da família para assumir o caso. Um advogado da região de Araraquara chegou a ser destacado para tentar soltar o hacker, mas teve de recuar. O próprio Vermelho tratou de afastá-lo do caso. Preferiu ficar com Delgado e Martins.

Logo após a deflagração da Operação Spoofing, a dupla se apresentou nos corredores da PF dizendo que estava ali para acompanhar a investigação em nome de um “terceiro” interessado. Após assumirem oficialmente a defesa de Vermelho, segundo pessoas que testemunharam as conversas, os advogados passaram a dizer que teriam experiência no mercado de bitcoins — o possível pagamento do ataque com criptomoedas é uma das linhas de investigação da Polícia Federal. Enquanto as mensagens roubadas pelos hackers continuam a alimentar a mais contundente crise já experimentada pela Lava Jato desde sua deflagração, há pouco mais de cinco anos, os policiais seguem tentando saber se, afinal, há mandantes por trás da ação dos hackers. Thiago Eliezer, o Chiclete, deve conduzi-los brevemente a novos caminhos. A conexão Brasília tende a ser um passo crucial para a elucidação do caso.

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