LeandroNarloch

A beata do aquecimento global

09.08.19

Em 1212, crianças partiram da Alemanha e do norte da França para conquistar a Terra Santa. Um pequeno profeta, líder do grupo, arrebanhava seguidores prometendo converter os muçulmanos pacificamente. Não se sabe muito bem como a Cruzada das Crianças terminou – a maioria delas desapareceu; outras teriam chegado a Gênova, onde, depois de muito esperar o mar secar para poderem andar até Jerusalém, foram vendidas como escravas a mercadores do norte da África.

Eis aí uma figura comum na história: a criança santa, o menino pastor, mais virtuoso e comprometido com a fé ou a ideologia que os adultos. Sua pureza e comprometimento encantam; suas profecias e reprimendas assustam. Havia figuras assim na luta armada contra a ditadura militar – como o garoto que só se dava o direito de pensar em sexo “depois da revolução”.

Greta Thunberg é a criança santa de 2019. Ganhou fama em agosto do ano passado, quando se recusou a ir à escola para protestar contra o aquecimento global em frente ao parlamento sueco. Chama adultos de imaturos por não serem capazes de admitir a mudança climática, encanta multidões de fiéis ao insistir que é preciso deixar de conversa e tomar atitudes urgentes contra o efeito estufa.

Muita gente já comparou a luta contra o aquecimento global a uma religião. Há uma visão do apocalipse, um pecado original (a emissão de carbono) e um sacrifício que precisamos fazer para evitar o fim do mundo.

Greta diz basear-se em estudos científicos e nas conclusões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Mas é difícil não ver uma matriz religiosa na sua visão de mundo, no seu alarmismo e nas atitudes que ela defende.

O Apocalipse, para a jovem ativista, é um fato certeiro. Acredita estarmos vivendo a sexta grande extinção em massa – semelhante a aquelas que ceifaram 90% das espécies do planeta. Com ela é preto ou branco: ou paramos de emitir carbono ou a espécie entrará em extinção. “Não há áreas cinzentas quando o assunto é a sobrevivência”, disse numa palestra do TED Estocolmo. “Ou seguimos como uma civilização ou não seguimos.”

Há pouca ciência nisso aí. Climatologistas ainda discutem qual a real sensibilidade climática da Terra – quanto a temperatura subirá se a concentração de carbono dobrar. O tal apocalipse não ocorreria de um dia para o outro: a civilização teria tempo para adaptação. E não há consenso de que a tragédia já começou. Um estudo do ano passado não enxergou aumento nos furacões nos Estados Unidos desde 1900. Por enquanto, o que se vê é que nunca tão poucas pessoas passaram fome e se envolveram em guerras.

Mas o que Greta Thunberg sugere para evitarmos o apocalipse? Uma intolerância típica do Antigo Testamento com as bilionárias empresas poluidoras dos países ricos. Como uma puritana, Greta defende uma vida mais austera e humilde, sem luxos, embalagens e carrões. Vai viajar aos Estados Unidos num veleiro porque é contra os poluidores motores a jato. Costuma repetir que as autoridades dos países ricos precisam deixar de lado a “viabilidade política” e impor medidas radicais contra a poluição.

Bem, acontece que, em democracias, é preciso pensar na viabilidade política. É preciso convencer eleitores e seus representantes – gente em geral com opiniões e preocupações das mais diversas. Difícil acreditar que os trabalhadores, mesmo escandinavos, concordarão com a quantidade de sacrifícios necessária para zerar (sim, zerar, não só diminuir) as emissões de carbono até 2025, como Greta defende.

Se o aquecimento global se revelar de fato uma “ameaça existencial” (termo do momento), vai exigir soluções racionais e realistas. E não pequenos profetas com ideias sonháticas.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO