O alfabeto democrata, de JFK a AOC

19.07.19

John Fitzgerald Kennedy foi um dos presidentes mais marcantes e populares da história, não apenas por sua elegância, carisma e por ter sido um herói de guerra, mas por suas convicções e decisões políticas que mudaram, para melhor, a vida de muitos americanos. JFK era fortemente contra as políticas de cotas raciais e acreditava que usá-las para compensar qualquer discriminação era uma ideia contraproducente e nociva, principalmente para a comunidade negra americana: “Eu não acredito que podemos desfazer o passado, temos que fazer o melhor que podemos agora. Eu não acredito que cotas são uma boa ideia ou solução, somos uma sociedade diversificada demais para começarmos a nos dividir com base em raça ou cor”, declarou JFK, que hoje provavelmente seria atacado por muitos que usam a fantasia de justiceiros sociais para esconder o próprio preconceito.

Sobre impostos, Kennedy era um propulsor ardente de cortes tributários, acreditando que mais dinheiro nas mãos de todos os americanos, incluindo os mais ricos, estimularia o crescimento da economia e a geração de empregos pelo setor privado. Na política internacional, Kennedy prezava pela firmeza nos limites estabelecidos, os red lines (alô, Obama!) e acreditava na paz através do vigor e da força. Em seu discurso de posse em 1961, ressaltou a importância de um exército forte e robusto. Sobre armas, JFK não era apenas fiel defensor da Segunda Emenda Americana (direito de possuir armas) como também foi um dos oito presidentes membros da NRA (National Rifle Association).

O Partido Democrata de JFK, que já foi considerado moderado em políticas econômicas e no campo ideológico, hoje é o partido de Alexandria Ocasio-Cortez, mais conhecida como AOC, parlamentar da Câmara que representa o 14º distrito de Nova York. O partido de Kennedy que defendia um dos pilares mais fortes dos EUA, a Primeira Emenda e a liberdade de expressão, hoje celebra quando vozes dissonantes e opostas são silenciadas e tem como principal figura uma radical ativista do socialismo e militante feroz de políticas marxistas que deram certo em… bem, lugar nenhum. A clara e forte guinada do partido à esquerda é preocupante até para seus eleitores mais fiéis.

Em 2014, um dos ícones do partido de JFK, o então presidente Barack Obama, fez a seguinte declaração sobre imigração ilegal: “Somos uma nação generosa e hospitaleira, mas aqueles que entram no país ilegalmente, e aqueles que dão
empregos a ilegais, desrespeitam o império das leis e apenas mostram desprezo por quem segue a lei. (…) Precisamos de forte e intensa segurança nas fronteiras, nós simplesmente não podemos deixar que alguém entre nos EUA sem ser identificado, sem documentos, sem ser checado e furando a fila dos que estão paciente, diligente e legalmente aguardando para se tornar um imigrante legal neste país. Precisamos de mais recursos para combater a imigração ilegal e para deportar aqueles que estão ilegalmente no país”.

A ironia em 2019 está justamente nas críticas que o atual presidente americano Donald Trump recebe por declarações e políticas do mesmo porte das de Obama em 2014, vindas da barulhenta ala radical liderada por AOC, que agora conta com outras três parlamentares igualmente extremistas: Ilhan Omar (Minnesota), Ayanna Pressley (Massachusetts) e Rashida Tlaib (Michigan). O quarteto democrata, chamado de “The Squad”, tem defendido políticas de fazer JFK se revirar no túmulo, como aumento de até 70% em impostos para os mais ricos, políticas de fronteiras abertas, assistência médica com recursos federais para imigrantes ilegais, legalização do aborto em qualquer momento da gestação, além do caricato “Green New Deal” — que, entre outras políticas estapafúrdias e inatingíveis sob a falsa bandeira de proteção ao meio ambiente, visa eliminar praticamente toda a produção de eletricidade vinda de combustíveis fósseis em 10 anos. Economistas e críticos do plano afirmam que a ideia mirabolante destruiria pelo menos 3,4 milhões de empregos nas indústrias de petróleo, gás natural e carvão e dispararia a dívida pública americana. Ah, a esquerda… De roupa nova, mas com a velha mania de desconsiderar números e a matemática. Detalhes…

O quarteto democrata do momento prega que vai acabar com a antiga política (sem dar maiores detalhes da tarefa), que está lutando contra o “fascismo” (sim, a palavra é também usada nos EUA como quem troca de roupa), e que o socialismo e o almoço grátis para todos são o caminho para a América. Apesar da exposição midiática digna de Hollywood, o que poderia ser considerado positivo para o partido, as novas “meninas super poderosas” andam trazendo muita dor de cabeça para a ala mais antiga do establishment democrata, que já demonstra claramente que a proeminência das quatro mulheres não é uma tensão natural e saudável e, em vez disso, pode ser amplamente ruim para o partido.

Nancy Pelosi, 79 anos, líder dos democratas na Câmara e uma das vozes mais antigas e sólidas do partido, percebeu que o americano médio não vai comprar a narrativa progressista extrema e anda com motivos de sobra para suas dores de cabeça com as novas queridinhas da mídia. Além de trocar farpas nas redes sociais e em recentes declarações com Ocasio-Cortez, Pelosi viu ser divulgada esta semana uma pesquisa do grupo Axios, publicação mais à esquerda no espectro político, que mostra que os swing voters (eleitores indecisos que podem votar para qualquer partido e que normalmente decidem as eleições) não gostam de legisladores excessivamente progressistas, aprofundando uma divisão pública dentro do atual partido. A pesquisa mostrou que 69% dos participantes são contra o socialismo, 74% sabem quem é Alexandria Ocasio-Cortez, mas que apenas 22% têm uma posição favorável a ela.

No caso de Ilhan Omar, outra ambiciosa e radical voz do quarteto, os números são ainda mais preocupantes para Pelosi e os democratas. Omar tem dado declarações perturbadoras e condenadas até por líderes do partido, algumas
inacreditavelmente antissemitas e contra Israel, outras acusando os EUA — nação que acolheu sua família, em 1992, vinda de um campo de refugiados da África Oriental e que lhe concedeu cidadania cinco anos mais tarde — de sustentar políticas racistas. Declarações mais graves da representante de Minnesota na Câmara mexeram em feridas americanas apartidárias, quando, em uma palestra, a parlamentar tentou diminuir a importância e o significado dos
ataques terroristas às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001. Omar, na pesquisa da Axios, foi reconhecida por 53% dos participantes, mas apenas 9% declararam ser favoráveis a ela.

A pergunta do momento é: será que não seriam apenas vozes jovens e sem importância no cenário político americano? Esse é o problema que anda preocupando os democratas. O cenário mais amplo não mostra apenas números ruins e isolados de um grupo jovem e pequeno. As ramificações e consequências dos atos e declarações das imaturas e radicais parlamentares não estariam preocupando os democratas se elas não estivessem consumindo todo o oxigênio do partido com tanta exposição e, pior, pautando os principais candidatos democratas à corrida presidencial americana com políticas que não condizem com os eleitores moderados. Em 2018, por exemplo, esses mesmos eleitores que votarão em 2020 para presidente deram um voto de confiança aos democratas na retomada da Câmara (Midterms), votando em parlamentares que defendiam uma boa briga contra a atual administração republicana, mas que tinham discursos moderados, pautados pela saudável, orgânica e normal alternância de poder na política americana.

A pulsante economia e os baixíssimos números de desemprego não são hoje os únicos pontos favoráveis para uma possível reeleição de Trump. A nova esquerda americana, com um discurso radical, muitas vezes antiamericano e com muita visibilidade, se tornou a mais recente preocupação para os líderes mais antigos do partido Democrata. O partido de JFK que apostou em corte de impostos para impulsionar a economia, o partido de Bill Clinton que equilibrou o
orçamento com o “Balanced Budget Act”, em um trabalho brilhante com os republicanos no Congresso, o partido de Barack Obama que segurou com firmeza os lemes da nação na crise de 2008, que deportou milhares de imigrantes ilegais e reforçou o discurso de segurança nas fronteiras, está sob nova administração e a nova agenda não é mais econômica ou voltada para reformas necessárias que afetam a vida dos americanos.

Quando JFK foi eleito pelo Partido Democrata em 1960, suas políticas eram consideradas comuns e populares, e enquanto o nome John Kennedy é até hoje reverenciado pelos democratas, o mesmo não acontece com as políticas
adotadas por ele. Se Kennedy estivesse vivo, a qual partido ele pertenceria no espectro político de hoje? Ronald Reagan, 40º presidente dos Estados Unidos, que foi democrata durante a maior parte de sua vida e se elegeu por dois
mandatos pelo Partido Republicano, disse em várias ocasiões: “Eu não deixei o Partido Democrata, o Partido Democrata me deixou”. O mesmo vale para eleitores que, apreensivos, assistem a um verdadeiro show de extremismo da ala mais jovem do partido. Se os democratas não corrigirem o radical curso de suas atuais porta-vozes, se continuarem com a vazia agenda de ataques ad hominem a Trump e até a candidatos democratas como Joe Biden, considerado um moderado, e sem apresentar reais propostas para o país, a possível reeleição de Trump em 2020 pode estar mais próxima do que se imagina.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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