Shealah Craighead/The White HouseDonald Trump trabalha para colar nos democratas o rótulo de esquerdistas

Começou a corrida

Os primeiros lances já dão o tom do que vem pela frente na disputa pela Casa Branca: Donald Trump dobra a aposta na polarização e busca enfraquecer os democratas acusando-os de radicalismo
19.07.19

As próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos, no ano que vem, caminham para ter a maior participação da história do país. Cerca de 156 milhões de americanos devem ir às urnas, bem mais do que os 139 milhões que votaram em 2016. A expectativa se deve ao aumento da população jovem e de imigrantes naturalizados e ao recrudescimento da polarização política. Para cada americano que quer manter Trump na Casa Branca por mais quatro anos, outro quer impedir isso de qualquer jeito.

A seu favor, Trump é o candidato que mais aparece nas redes sociais, na televisão e nos jornais impressos. Também é o que mais arrecadou dinheiro. Já juntou 105 milhões de dólares, quase quatro vezes mais do que obteve o candidato democrata líder em arrecadação, Pete Buttigieg. Trump ainda tem um partido coeso em torno dele e uma economia em boa fase. O desemprego de 3,7% é o mais baixo em cinco décadas. Na última pesquisa de opinião da Rasmussen Report, o atual presidente comemorou uma aprovação de 50%, maior até do que a de Barack Obama, que no mesmo período de mandato tinha 45%.

Entre os democratas, o cenário está pulverizado. O mais moderado e centrista dos candidatos é Joe Biden, que foi vice de Obama. Ele está à frente nas pesquisas dentro do partido não por méritos próprios ou por suas posições ideológicas, e sim porque é tido como o que mais tem chances de bater Trump. Ainda assim, a confiança em Biden vem caindo. Em abril, 56% dos democratas entendiam que ele era o mais forte para enfrentar o presidente. O número já caiu para 42%.

Sem concorrentes de peso, Trump tem adotado duas estratégias. A primeira é a de animar sua base eleitoral. A imigração e a fronteira com o México, temas relevantes na eleição de 2016, seguem na pauta. Depois de ter a verba para construir um muro na fronteira barrada pelo Congresso, Trump declarou emergência nacional em fevereiro e destinou fundos para a obra. Nas últimas semanas, ele tentou incluir no censo americano uma pergunta sobre a cidadania das pessoas, mas foi impedido pela Suprema Corte. Uma alteração nas regras para pedir asilo, feita na semana passada, deve reduzir as levas de imigrantes da América Central. Desde a terça-feira, 16, só pessoas que já solicitaram refúgio em outro país e tiveram o pedido recusado podem se asilar nos Estados Unidos.

Reprodução/NBCReprodução/NBCAs deputadas do “Squad” ao pedir o impeachment de Trump
A segunda estratégia de Trump é a de enfraquecer os democratas fazendo com que eles provem do próprio veneno. No domingo, 14, Trump publicou no Twitter: “Muito interessante ver as democratas ‘progressistas’ do Congresso, que vieram originalmente de países cujos governos são uma catástrofe total e completa, falando em voz alta para o povo dos Estados Unidos, a maior e mais poderosa nação da Terra, como nosso governo deve ser administrado. Por que elas não voltam e ajudam a consertar os lugares totalmente quebrados e infestados de crime de onde vieram?”.

Trump não citou o nome de ninguém nem falou em raça ou cor. Um dia depois, na noite da segunda, um grupo de quatro deputadas democratas conhecido como “The Squad” (“O esquadrão”) convocou uma coletiva de imprensa. “O presidente se apoia no racismo, na divisão e no sentimento anti-imigração para consolidar seu poder”, disse Alexandria Ocasio-Cortez, cuja mãe é porto-riquenha. “Com este ataque abertamente racista, Trump busca apenas desviar a atenção. Essa é a agenda dos nacionalistas brancos”, disse Ilhan Omar, cuja origem é a Somália.

Nancy Pelosi, a líder dos democratas na Câmara dos Representantes, saiu para defender o grupo e chamou as quatro deputadas de “nossas irmãs”. No plenário da casa, os deputados aprovaram uma condenação aos comentários do presidente. Um democrata, Al Green, entrou pela terceira vez com um pedido de impeachment na terça, 16, mas a iniciativa não prosperou.

A consequência prática do tuíte de Trump foi unir os democratas. Até então, Pelosi andava às turras com o esquadrão. Ela, que tem 79 anos, entende que insistir no impeachment não dará em nada, uma vez que os republicanos são maioria no Senado. Pelosi também tem tentado manter o partido mais ao centro, longe das novatas de viés socialista e que cultivam políticas identitárias a favor das minorias, negros e mulheres.

“O esquadrão diz o tempo todo que elas odeiam as pessoas brancas e que odeiam os homens. Esse tipo de atitude pode até pegar bem entre os ativistas, mas fará com que o partido perca a eleição. Para ganhar, é preciso apelar para a maioria, na maioria dos estados”, diz o cientista político americano Michael Munger, da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

Ao aglutinar os democratas em torno das deputadas radicais, Trump foi quem se saiu melhor. “Alguns chegaram a desdenhar o presidente porque ele acabou unindo os democratas, mas talvez essa tenha sido justamente a intenção dele”, diz o especialista em relações internacionais Carlos Gustavo Poggio. “Essas deputadas têm forte rejeição na população e Trump está conseguindo colar a imagem de radicalismo delas em todo o partido.”

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisBiden, que foi vice de Obama: ele é moderado, mas o radicalismo do esquadrão o atrapalha
O presidente também tem frisado que integrantes do esquadrão são antissemitas. Não é uma acusação sem cálculo. Ilham Omar já publicou mensagens nas redes sociais atacando o lobby israelense. Ela e Rashida Tlaib, de origem palestina, apoiam o movimento que pede um boicote a Israel. Alexandria Ocasio-Cortez já comparou os centros de detenção de imigrantes a campos de concentração nazistas, relativizando o Holocausto.

Seguindo a toada, Trump tem destacado o socialismo dos rivais. O termo pode até ser apreciado entre os mais jovens, mas desagrada os mais velhos que conhecem a História. Só 47% dos americanos dizem que aceitariam um presidente socialista. Alexandria Ocasio-Cortez, de 29 anos, se considera socialista e se recusa a censurar a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. “Acho que essa é uma questão absolutamente complexa. Estou muito preocupada com o intervencionismo dos Estados Unidos na Venezuela, e eu me oponho a isso”, disse Alexandria em março. Dois dos pré-candidatos democratas com boas chances eleitorais, Elizabeth Warren e Bernie Sanders, também se consideram socialistas.

As quatro deputadas do esquadrão não estão competindo nas primárias da eleição presidencial. Mas suas bravatas raramente são contestadas pelos demais. Pesquisas de opinião também mostram que os democratas estão se inclinando mais à esquerda. Temas como serviço médico gratuito para todos e a extinção dos agentes de fronteira têm ganhado corpo entre suas fileiras. Dois terços dos democratas acham que o governo deveria regular mais as empresas privadas. Em 1994, só metade pensava assim.

Além da língua solta e do gosto pelo enfrentamento, as soldadas do esquadrão são ágeis nas redes sociais e têm atraído a atenção da imprensa. A chance de elas moldarem o Partido Democrata no futuro é grande. Na terça, 16, Joe Biden ressaltou que as deputadas não são a maioria do partido. Elas seriam a exceção, e não a regra. Mas a voz de Biden, de 76 anos, está se esvaindo com o tempo. “Os democratas poderiam ganhar facilmente as eleições escolhendo um candidato entediante, competente e centrista”, diz Munger, da Universidade Duke. “Mas eles também podem não fazer isso.”

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