Uma Lava Jato incomoda muita gente

05.07.19

O circo de horrores a que o Brasil foi submetido esta semana não foi para amadores. Numa das salas de comissões da Câmara em Brasília, deputados denunciados em esquemas de corrupção e protegidos pelo (desa) foro privilegiado interpelavam o ministro da Justiça, Sergio Moro, para que ele “desse explicações” sobre as supostas mensagens trocadas entre ele e procuradores, e obtidas ilegalmente por um site militante. Durante horas, assistimos a membros do parlamento brasileiro que estão em listas de propinas da Odebrecht interrogarem uma das figuras-símbolo da brilhante Lava Jato, para que continuem tocando o disco arranhado de que Lula, o bandido condenado em três instâncias mais inocente do país, foi julgado com parcialidade e condenado sem provas. Por pouco não ouvimos os gritos da verdadeira questão de ordem dessa turma: “Soltem meu corrupto favorito!”, “Abaixo a Lava Jato! Pelo direito de roubar em paz!”.

Uma rápida pesquisa no Google mostra a longa lista de empresários e políticos de diferentes partidos atingidos e os números inacreditáveis da operação que levantou o Brasil das cinzas. Cinco anos depois de seu início, a força-tarefa ainda mostra muito combustível para continuar indo atrás de quem usurpou o país, e aí fica fácil entender o constante ataque. A Lava Jato saiu do imaginário de quem há anos (e bote anos nisso) testemunha diariamente a falência do estado e a falta do mínimo que os altos impostos deveriam proporcionar. Se não fosse a atuação dos agentes da operação que já é referência no mundo no combate à corrupção, ainda estaríamos reféns de condutas inescrupulosas, ineficiência, desvio de (muito, muito) dinheiro e a certeza da impunidade. O sonho dos brasileiros é um pesadelo para quem, por um projeto de poder, arruinou a educação, a saúde, a infraestrutura, o crescimento econômico e as chances do Brasil de passar da pecha de país corrupto à nação respeitada no cenário político mundial.

Sou contra a criação de heróis e vejo o hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, como um funcionário público que cumpriu brilhantemente, como poucos no país, suas obrigações como agente da lei. Sua conduta deveria ser a regra e não a exceção. O nível pobre e rasteiro de parlamentares (ou parlamentáveis) que usam um blefe sem provas de um jornalista militante – que até agora só deu foras e nada de furos – só mostrou uma histeria infantil de uma oposição, essencial em toda democracia, despreparada, imatura e que escancara o total desapego às pautas relevantes para o Brasil, ao priorizar a defesa da bandidagem. Os ataques e calúnias a uma figura respeitada pelos cidadãos e mencionada internacionalmente como exemplo na magistratura apenas fere ainda mais a já desgastada imagem de um Congresso que precisa focar nas reformas importantes e não nessa chicana panfletária e inútil.

Glenn Greenwald, dono do site que anuncia há semanas “uma bomba contra a Lava Jato e Sergio Moro”, mostrou no último lote das supostas mensagens que pode trocar e depois “corrigir” nomes de procuradores e revelar mensagens com datas no futuro. Até agora, o material não passou por nenhuma perícia técnica para constatar sua veracidade e o que foi mostrado até aqui é chocante: agentes da lei aplicando – pasme! – a lei. Nenhum diálogo mostrou ilegalidades ou mesmo a tão sonhada parcialidade por parte de Sergio Moro, mas deixa explícito o hackeamento criminoso e que o site pode violar qualquer parte dos arquivos, acrescentando, eliminando e editando nomes, frases e datas.

Em outra sala na Câmara dos Deputados em Brasília, não muito distante do show de horrores da CCJ e da hipocrisia da deputada petista Maria do Rosário, que “ordenou” Sergio Moro a “olhar nos seus olhos” e “ter dignidade”, Antonio Palocci, o homem forte de Lula, confirmava à CPI do BNDES a participação do ex-presidente em empréstimos escusos para a Odebrecht e da “decisão política” do agora inquilino da Polícia Federal em Curitiba de usar o BNDES para financiar campanhas eleitorais de países alinhados ao PT. O ex-fiel escudeiro de Lula também confirmou que o condenado favorito de Glenn Greenwald teve papel decisivo no gigantesco esquema de corrupção no banco que distribuiu 500 bilhões de reais em empréstimos a governos amigos e empresas companheiras. Você teve que voltar e ler o valor de novo? É isso mesmo, 500 bilhões de reais, e só no BNDES. Por enquanto.

Uma das minhas duras atividades nos Estados Unidos é a explicação diária e tradução dos fatos políticos do Brasil. Essa semana não tive vida fácil. Além de explicar o BNDES aos americanos, como explicar o valor de 500 bilhões de reais para “campeões nacionais” ou que, para viabilizar a concessão desse assombroso volume de recursos a outros governos e empresários amigos, o governo petista alterou regras de avaliação de riscos e garantias para poder violá-las e poder encaixar uma armação para beneficiar ditaduras africanas? O motoboy de corrupto na imprensa até tinha um bom plano com as tais mensagens para tentar fazer Lula parecer um pobre coitado vítima do malvadão Sergio Moro (e mais outras duas instâncias), mas faltou combinar com o Palocci.

Enquanto o ex-ministro de Lula e antigo pilar do Partido dos Trabalhadores confessava o roubo bilionário do partido de Maria do Rosário e Gleisi Hoffmann, petistas e seus asseclas satélites continuavam tentando convencer quem ainda tinha estômago para assistir à sessão da CCJ de que o verdadeiro ladrão era o juiz que prendeu o ex-presidente Lula, e que a operação que em mais de 60 fases já se estendeu a 45 países e atingiu mais de 100 políticos em 14 partidos persegue o insuspeito, inofensivo e virtuoso Luiz Inácio. Homem bom, só não vê quem é fascista, roubava em paz e não importunava ninguém. Tempos obscuros esses da Lava Jato em que crimes são cometidos e não se pode mais nem se esconder da Justiça.

Como um panfleto de fofocas, a operação para derrubar Moro e tentar acabar com a Lava Jato nasceu morta e desde então é mantida por aparelhos que só não são desligados pela esperança  dos anões políticos e insignificantes em Brasília. Em um país onde pelo menos um em cada três membros do Congresso responde a algum processo criminal, não é difícil entender por que a Lava Jato continua incomodando tanta gente. O cúmplice de hackers, detestado por Democratas e Republicanos na América, quer normalizar o crime como arma de militância política e vai carregar grande parte da imprensa brasileira para onde sua relevância vive aqui nos EUA, no limbo. Glenn Greenwald vendeu um pastel de vento e agora percebe que o país não o comprou.

A minha torcida é para que essa força-tarefa que tanto insistem em abafar, orgulho nacional e o grande balão de oxigênio para um povo que andava moribundo mas que sempre acreditou no estabelecimento do império da lei, estenda-se e alcance também o esporte brasileiro, cruelmente usado como ferramenta poderosa e voraz nos esquemas de corrupção dos governos petistas. Que a operação que trouxe o orgulho de ser brasileiro de volta possa mostrar o quanto esse partido nefasto usou o esporte para fins inescrupulosos. Que sejam expostos dirigentes, federações, ex-atletas e até jornalistas esportivos que entraram de cabeça em narrativas políticas e esquemas corruptos, sempre sob a proteção da certeza da impunidade. Uma Lava Jato incomoda muita gente. Duas Lava Jatos…você sabe. Que venham mais faniquitos e indignações tão verdadeiros e eficazes quanto os ataques de festim a essa operação. Avante, Lava Jato!

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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