Adriano Machado/Crusoe"O primeiro grande acordo comercial que o Brasil tem de fazer depois desse com a União Europeia é com ele mesmo"

Hora do dever de casa

Marcos Troyjo, o secretário do Ministério da Economia encarregado de negociar o acordo comercial com a União Europeia, diz que o Brasil precisa aprovar as reformas para tirar o melhor proveito possível da parceria
05.07.19

Quando o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marco Troyjo, embarcou na semana passada para Bruxelas, na Bélgica, mesmo quem acompanha de perto o dia a dia da pasta não acreditava que ele poderia voltar de lá com um troféu importante. Com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o chanceler Ernesto Araújo e representantes de países que integram o Mercosul, Troyjo sentou-se à mesa com comissários da União Europeia para tentar arrematar uma conversa iniciada havia duas décadas. Deu certo. O acordo comercial entre o Mercosul e o bloco de países europeus foi anunciado na tarde da última sexta-feira, 28, ao cabo de três dias de reuniões.

Basicamente, o acerto zera tarifas e prevê a liberalização do comércio de serviços dos dois lados. A expectativa é de que, a partir do que ficou definido no texto, que ainda precisará ser aprovado pelo Parlamento Europeu, pelos parlamentos de cada país da UE e pelos congressos dos quatro países do Mercosul, só o PIB brasileiro tenha um aumento de 500 bilhões de reais em dez anos. Economista, cientista político e diplomata, Troyjo observa que, para que os resultados apareçam, e os reflexos na economia brasileira sejam os melhores possíveis, é preciso que o país faça o seu dever de casa, a começar pela aprovação da reforma da Previdência e da reforma tributária. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Por que o Mercosul demorou tanto tempo para fechar um acordo comercial com a União Europeia?
Apesar da negociação ter começado 20 anos atrás, é um erro dizer que ela durou 20 anos. Houve vários períodos em que nada avançou. E agora avançou.

Por quê?
Primeiro, vamos ao ambiente externo. O que estávamos fazendo no Brasil em termos de comércio exterior? Vendendo mais para a China. Só que vieram as crises de 2008 e 2011 e houve uma desaceleração do crescimento chinês. Além disso, outros fornecedores começaram a entrar pesado no mercado mundial. Começou, então, a haver mais competição e voltou a conversa aqui de que precisávamos diversificar nosso mercado. Ocorreu, então, mais um fenômeno: o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia). Muitos avaliaram que geraria um efeito dominó por toda a Europa. Outros, o contrário: que haveria mais coesão no bloco europeu, o que, aparentemente, aconteceu. A União Europeia, para mostrar que estava viva após o Brexit, voltou à mesa de negociação de uma forma diferente. Foi importante também o próprio ciclo de governança da União Europeia. Em breve haverá uma sucessão no comissariado europeu (os representantes do bloco em Bruxelas) e isso levou a que houvesse mais boa vontade dos comissários que ainda estão lá para fechar esse capítulo com o Mercosul.

E a situação interna, favoreceu de que maneira?
O fator (Jair) Bolsonaro e (Paulo) Guedes foi determinante. Quais são as cinco prioridades econômicas para o Brasil neste governo? Reforma da Previdência, reforma tributária, reforma administrativa, privatizações e concessões, além de abertura comercial. E como se faz abertura comercial? Por meio de tratados internacionais, da facilitação do ambiente de negócios e de modernização tarifária. Ficou muito claro em determinado momento para nós que as razões pelas quais a gente não conseguia avançar do nosso lado nos últimos anos faziam parte do acervo do nacional-desenvolvimentismo. Estávamos negociando com a cabeça dos anos 1960. Nesse sentido, o fim do ciclo do lulopetismo no Brasil foi determinante. O término dessa coisa do Norte contra o Sul, de terceiromundismo. Aquela ideia de que o Mercosul serve para dar palpite sobre a Crimeia, sobre o Oriente Médio, sobre os fundos abutres (empresas que compram títulos de países quebrados). Deixamos isso para trás e dissemos: vamos ver se a gente consegue fechar algum acordo.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“Estávamos negociando com a cabeça dos anos 1960”
O acordo começou a ser negociado ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, no final dos anos 1990. Não é resultado desse processo mais longo?
Olha, claro que herdamos muita coisa, principalmente do governo passado (Michel Temer). Mas ainda havia muito por fazer. Praticamente todos os capítulos da negociação estavam abertos quando assumimos. O mérito pelo acordo é deste governo. Criamos um Ministério da Economia em que muitas das áreas mais protecionistas que encontraram no passado espaço na governança ficaram sem abrigo na atual configuração. Isso nos permitiu avançar. É como se a política comercial, ao contrário de todas as outras experiências que o Brasil teve, tivesse migrado para o coração da política econômica. E com outro viés. No lugar do protecionismo, a abertura. Antes, não podia fazer acordo internacional porque impactaria a política dos campeões nacionais (idealizada pelo ex-presidente Lula para incentivar financiamentos públicos a um grupo restrito de empresas). Mas é justamente uma política dessas que a gente não quer fazer. Há também um alinhamento de toda a equipe econômica e com outros ministérios, como o Itamaraty e a Agricultura.

Por que as negociações foram feitas sem grande alarde?
Negociações são assim. Não se dão à luz do dia. Mas se você olhar nos últimos seis meses, verá declarações de um lado e de outro de que estávamos mais perto do acordo. Uma das negociadoras europeias chegou a dizer que avançamos nesses quatro meses mais do que nos últimos 20 anos.

Qual foi o papel da Argentina nesse processo?
Essencial. A Argentina teve uma ascensão brutal no final do século 19. De 1875 até 1910, a Argentina cresceu mais do que a Califórnia. Mas, de 1875 até 2015, não teve nenhum governo liberal. Cresceu pouco. Foram 140 anos de protecionismo, peronismo, patrimonialismo. E, de repente, tem um governo liberal (o do presidente Maurício Macri). E ela teve de correr atrás também um pouco do prejuízo reputacional. É um país que deu calote, nacionalizou empresas.

Quando, na prática, os efeitos do acordo chegam para a população?
Muito rápido. A economia é fundamento, situação concreta, mas também é criação de expectativa, aquilo que está por acontecer. Quanto mais sustentável é essa expectativa, mais ela impacta a decisão dos atores que atuam na economia. O país passa a representar um elo naquilo que é um dos motores de tração do sucesso econômico dos últimos 30 anos: as cadeias globais de produção. Mais investimentos significam mais emprego e renda. Mas, veja, acordos internacionais não são uma panaceia. Se você não melhora as condições de competividade internas, pode ocorrer um fenômeno que alguns especialistas chamam de paradoxo mexicano.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“No caso da relação com os Estados Unidos, a relação comercial dos dois países está muito abaixo de onde deveria estar”
O que seria esse paradoxo?
O México fez o Nafta (acordo bilateral com os Estados Unidos) no começo dos anos 1990 e, depois, fez quase 50 acordos com outros países. Mas não fez as reformas internas. Por isso, acho que o primeiro grande acordo comercial que o Brasil tem de fazer depois desse com a União Europeia é com ele mesmo. Por meio de reformas institucionais. Se fizer a reforma da Previdência, a economia aos cofres públicos será equivalente a anos e anos de superávit comercial. Se simplificar a estrutura tributária, a sua capacidade de competir internacionalmente vai melhorar a vida do cara aqui.

Quais os próximos acordos em vista?
O próximo é com o grupo de países formado por Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein. Depois deles, estão em negociação acordos com Canadá, Coreia do Sul e Japão.

Não é uma contradição não ter nada em vista com os Estados Unidos, o declarado grande parceiro geopolítico do presidente?
Se você pegar o discurso do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional e no parlatório no dia da posse e algumas declarações dele desde então, verá que ele repete à exaustão: “Vamos fazer negócios com qualquer parte do mundo, sem viés ideológico”. No caso da relação com os Estados Unidos, além da conexão e empatia entre os presidentes, a relação comercial dos dois países está muito abaixo de onde deveria estar. O teto é muito mais alto, ainda mais se considerar que são as duas maiores democracias do Ocidente e as duas maiores economias do continente. Então, o que está ocorrendo é uma espécie de busca do tempo perdido em relação aos americanos, que é muito importante para os dois lados. Aliás, ao aprimorar a relação com os Estados Unidos, você dá mais incentivos que se afine ainda mais a relação com os europeus, e vice-versa.

Não é no mínimo curioso que o acordo tenha sido fechado por um chanceler que é crítico do globalismo?
Sinceramente, não tenho acompanhado muito a teoria de relações internacionais. O que posso dizer é que todos que participaram dessas negociações têm uma bússola muito importante que é a busca do interesse nacional. O que não significa nacionalismo. É interesse nacional.

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  1. Grande Marco Troyjo , pessoa qualificada, competente , eficiente. Nos dá orgulho termos agora no ministério uma pessoa desse estirpe 👏👏👏👏👏👏👏

  2. Caio Junqueira, qual a contradição do chanceler em ser crítico ao Globalismo ? Você não está confundindo com Globalização, está ? Assista os vídeos do Olavo sobre o tema pra não fazer pergunta vazia.

  3. Claramente o entrevistador não sabe diferenciar globalização de globalismo. Fico contente por finalmente termos alguém competente numa função tão importante.

  4. Excelente entrevista! Há muita expectativa sobre esse acordo! Agora vamos torcer para o pateta francês não jogar água no nosso chope...

  5. Pelo entrevistado, ótima a entrevista ! Pelo entrevistador, lamentável !!! A última pergunta revela muita ignorância sobre o tema "globalismo", este se refere a tentativa de 'governo mundial', não de abertura de mercados......oras bolas !!!!

    1. Pensei o mesmo, Divino Souto. O entrevistado, talvez com humildade, revelou desconhecer o que chamou de "teoria de relações internacionais", evitando tecer comentários. Já o entrevistadoR apenas com a pergunta mostrou sua TOTAL ignorância sobre o assunto. Globalismo nada tem a ver com Globalização!

  6. Este acordo somente será benéfico se a reforma tributária for rápida e contundente, tirando o tributo da cadeia produtiva e dando igualdade de condições principalmente para as pequenas empresas.

  7. Melhor resposta: "sinceramente, não tenho acompanhado muito a teoria de relações internacionais". Ou seja: que se dane o chanceler, ele que vá brincar de ideologia no parquinho de areia antialérgico hahahah

  8. Parabéns ao Paulo Guedes ao compor sua equipe. Excelente a perspectiva que nos abre! Dá até nausea ao lembrar dos agentes petistas que nos representavam...

  9. agora, com essa equipe pragmática, sem esse viés corrupto petista, o Brasil deslancha apesar desse centrão. reformas urgente em todos os seguintes, educacional, etc..

  10. Alguém precisa salientar e definir muito bem a diferença entre globalização (em ação desde as Grandes Navegações) e o globalismo.

  11. Muito bom! O Brasil precisa crescer economicamente e gerar empregos. Os acordos são sempre bem vindos, conquanto que o Brasil faça seu dever de casa.

  12. Agora é repatriar nosso “capital intelectual” para que este agregue valor às nossas riquezas naturais gerando imposto para ser revertido em benefícios para a nossa sociedade e a esta, um pouco mais politizada, caberá a tarefa de acompanhamento do resultado.

  13. O acordo saiu porque já estava na hora de sair e devido à competência desta equipe de negociadores. Certamente não foi pelas pataquada do confuso ministro Ernesto.

  14. Sensacional! É outra coisa quando se tem gente competente e eficaz nos cargos estratégicos do Brasil. É qualificada, fala idiomas, trabalho bem e tem dois chefes que dão liberdade para agir ... Top !! Este é o Novo Brasil, eficaz !!!

  15. Na primeira entrevista que assisti desse secretário tive Boa impressão. Após esta entrevista ficou ainda melhor. Parabéns.

  16. Podemos criticar o presidente de várias coisas menores, mas temos que reconhecer que o time é o melhor que já tivemos nos ministérios, além de deixa-los a vontade para administrar as sua responsabilidades. Parabéns!

    1. Concordo totalmente! Em seis meses nenhum escândalo de desvios de verbas, etc

    1. Parabéns, e obrigada, Marcos Troyjo! Sempre o admirei pelo saber mas também por sua coragem e tomadas de posição!

  17. O Paulo Guedes montou um timaço! Esse Marcos Troyjo é extremamente capacitado e eficaz. Aliás, o Bolsonaro montou um grande de time de ministros que tiveram a autonomia para montar seus igualmente belos times. Se o congresso reconhecer isso, o Brasil vai longe!

    1. Muito bom ver que os negócios já estão fluindo .Parabéns para quem trabalhou para que o acordo se concretizasse!!!!

  18. Que entrevista! Como é reconfortante ver cargos públicos ocupados por quadros técnicos da melhor qualidade! Nos dá uma esperança de que o país tenha um futuro melhor pela frente... Parabéns, secretário Marcos Troyjo!

  19. Excelente conquista para o Brasil. Graças às mudanças políticas no país, que só não são melhores por conta do ambiente no Congresso ainda infestado de corruptos ou favorecedores da corrupção. E, é evidente, faz-se necessário sempre lembrar que esta mudança política ocorreu devido ao "efeito lava-jato". Mas há muito ainda por fazer. Por que não Lava-BNDS?

  20. Bolsonaro conseguiu montar uma excelente equipe. Vamos vencer este campeonato! A nação brasileira precisa desesperadamente desta Vitória.

    1. O que atrapalha o sucesso do Brasil de Bolsonaro e Paulo Guedes é a turma corrupta do Congresso, acostumada à corrupção do "só votar se receber algo em troca"...

  21. O jornalista, ao criticar sutilmente o Ministro do Exterior, demonstrou que não sabe que existe uma diferença entre globalismo e globalização. Qualquer adolescente que acessa os sites de direita sabe a diferença, mas a imprensa continua presa aos conceitos acadêmicos ultrapassados.

  22. Fico muito otimista a cada pronunciamento da equipe de governo em qquer área. Todos demonstram extrema competência e objetividade nos pronunciamentos, onde todos conseguem entender. Isso devemos ao nosso presidente.

  23. Tanta coisa boa acontecendo, e o que se alardeia são os bate-bocas de sempre. É preciso que se crie uma Massa Crítica positiva. Basta de baixarias e pessimismo.

  24. Excelente matéria e entrevista. Finalmente vamos negociar com o mundo evoluído e não bagaceiras subsubdesenvolvidas. Xô socialismos!

  25. O maior sentimento que tenho quanto abre-te governo e sua equipe ministerial, chama-se esperança. E isso do ponto de vista econômico transformasse em expectativa e é o gatilho para a expansão de investimentos, abertura de novos negócios e consequentemente emprego e renda. O Brasil, se conseguir expulsar os comunistas/socialistas/progressistas dos cargos importantes surfara uma onda de crescimento JAMAIS vista na nossa história. E petebas, vcs terão que nos aturar por mais 20 anos, no mínimo.

  26. É muito confortante ler a entrevista do Sr. Marcos Troyjo. Seu profundo conhecimento da arena mundial empresta às suas palavras um contexto de segurança e garantia de resultados. A luta contra o patrimonialismo, grave doenca que aniquilou grande parte dos países sul-americanos, a abertura definitiva do comércio internacional e, principalmente, a visão de que o estado não pertence a alguns e sim a todos, são dados que permitem imaginar que o Brasil entra numa nova fase. Parabens.

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