Prefeitura de Manaus

Alckmin e o “espectro da derrota”

Arthur Virgílio Neto, ex-senador e atual prefeito de Manaus, acredita que o PSDB está a caminho de uma fragorosa derrota nas eleições presidenciais. Vencido ao tentar disputar o posto de candidato, ele critica as práticas do partido
08.06.18

Arthur Virgílio Neto, 72 anos, é um raro exemplar de tucano rebelde. Com carreira política iniciada no Amazonas, ele sempre se manteve muito longe do diretório paulista do PSDB, que desde a fundação do partido, em 1988, dá as cartas no jogo interno. Mesmo assim, conseguiu alçar voos altos. Eleito deputado federal, chegou ao posto de líder do governo Fernando Henrique Cardoso, de quem também foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Veio a era Lula e, já senador, foi uma das vozes mais eloquentes da oposição, especialmente no escândalo do mensalão. Mesmo no período em que torpedeava Lula, esteve na contramão do partido – uma parte significativa dos tucanos entendia que, dada a alta popularidade do petista, não era um bom negócio atacá-lo frontalmente. O então senador amazonense discordava.

Arthur Virgílio chegou a prometer “uma surra” em Lula. Depois, perdeu duas eleições, para governador em 2006 e para o Senado em 2010. Ficou sem mandato. Mas, conforme o lulopetismo dava sinais de enfraquecimento, começou a ressurgir. Elegeu-se prefeito de Manaus em 2012 e foi reeleito quatro anos depois. No ano passado, decidiu enfrentar a máquina tucana, controlada por São Paulo, e tentar ser o candidato do partido a presidente da República. Propôs prévias. Foi ignorado. Hoje, ele assiste à estagnação de Geraldo Alckmin nas pesquisas e, mais uma vez, é voz incômoda: fala abertamente dos problemas que atravancam a candidatura do correligionário e prevê mais um resultado ruim para o PSDB nas urnas em outubro. “Alckmin tem o espectro da derrota”, diz ele nesta entrevista a Crusoé.

Por que Geraldo Alckmin não decola?
Porque não passa segurança. Quando ele fala, não se caracteriza bem como candidato de centro. Fica uma miscelânea. Às vezes passa impressão que é de centro-esquerda. O plano econômico é o melhor, mas, como dirigente do partido, na hora do vamos ver na reforma da Previdência, por exemplo, ele deu uma baqueada. Ele aceitou fechar questão (decisão partidária que impõe a todos parlamentares votarem de uma mesma maneira) e, depois, disse que não ia punir ninguém que desobedecesse. É uma brincadeira. Com fechamento de questão, é preciso impor sanções a quem desrespeitar a decisão. Ele não foi firme. Então, até que ponto vale a sua defesa de reformas se, na prática, isso não fica tão claro assim? Dá para dizer que ele é reformista, com força reformista, com ênfase reformista? Não dá para dizer isso. Tem também o fato de que já foi testado e não foi bem. Em 2006, teve menos votos no segundo turno do que no primeiro. Mas o principal é que a gente percebe que ele não consegue passar confiança para as pessoas. Vejo que o partido não se mexe em favor da candidatura dele com entusiasmo.

A questão ética virou um problema difícil de enfrentar no PSDB?
Sim. O partido deveria ter punido quem se envolveu em casos de corrupção. Quando fica evidente que o comportamento de um filiado foi ilegal e causou danos à imagem do partido, e há indícios e as provas são robustas, tem que haver punição. O que não pode é o partido fingir que tem uma comissão de ética cujos membros nem se sabe quem são, ou cujos membros são compadres do acusado. Um partido como o PSDB precisa pensar na sua sobrevivência, em  retomar a sua respeitabilidade. Precisa ser muito duro com quem infringe a lei. Não pode ter uma comissão de ética que não funciona. A do PSDB parece a Comissão de Ética do Senado, em que você chega lá absolvido de antemão. Isso tudo leva para baixo um partido. Isso tudo influencia na votação do Geraldo.

O surgimento do nome dele na Lava Jato pesa nesse processo de difícil decolagem?
Pesa, sim. Se bem que isso está já meio diluído, porque está ficando quase chique (aparecer na Lava Jato). Se o sujeito não estiver envolvido num negócio desses, até perde o status hoje em dia (risos). Mas, sem dúvida, isso pesa contra ele.

Como o senhor enxerga os casos que envolvem o senador Aécio Neves e o ex-governador Eduardo Azeredo, que está preso?
O Azeredo foi envolvido naquilo pelo (ex-ministro de Lula e ex-vice-governador de Minas) Walfrido dos Mares Guias e pelo (ex-senador) Clésio Andrade, dois espertalhões. Azeredo é tão ingênuo que uma vez disse isso a ele e ele ficou um mês sem falar comigo. Foi vítima da absoluta falta de controle sobre quem o rodeava. Como governador, ele era mais uma rainha da Inglaterra do que outra coisa. Uma vez cheguei com ele para uma visita ao Marcos Coimbra, do Vox Populi. Eu já era conhecido na época. O segurança interfonou e disse “estão aqui  Arthur Virgílio e um tal de Eduardo”. Ele era governador de Minas.

E o caso de Aécio Neves?
O caso do Aécio foi falta de compostura dele. Ele faltou com decoro na medida em que foi pedir dinheiro (a Joesley Batista). Ele podia pedir para o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que é muito rico e certamente emprestaria para ele. Agora, pedir para o Ricardo Saud? Para o Joesley? Aécio faltou com decoro, se envolveu com as pessoas erradas e foi promíscuo na relação dele.

Aécio deveria ter saído do PSDB?
O partido deveria tê-lo punido se tivesse uma comissão de ética funcionando. Uma punição de censura, suspensão ou expulsão. O que é absurdo é não fazer nada. Nada. Simplesmente nada. Nada vezes nada.

O senhor está dizendo que a complacência é um complicador para o PSDB?
Claro. Mesmo os adversários, mesmo os petistas, tinham respeito pelo PSDB. Podiam falar qualquer coisa. Que os tucanos eram esnobes, que gostavam de conversar em francês, gostavam de bom vinho. Isso tudo podiam falar, mas todos tinham admiração pela atuação dos tucanos no Parlamento. Todos respeitavam o partido, consideravam o partido íntegro, com pessoas de bem, que tinham um projeto de país, de nação, vocacionado para disputar o poder. Tanto que disputou a Presidência por duas vezes e venceu. Perdeu outras quatro, mas sempre foi ao segundo turno. O partido sempre se colocou como a principal alternativa. Aquele que merecia a atenção de amplos setores, de quase 50% dos eleitores, mesmo diante de um semideus como era o Lula.

Quando ocorreu a guinada que desviou o PSDB desse caminho?
Acho que foram algumas guinadas. Primeiro, o partido foi ficando muito tolerante com as mazelas internas. Segundo, começou a ficar muito afeito a cargos e nomeações, e então foi perdendo sua característica básica de um partido que tinha voto, mas não era pendurado em cargos. O partido foi aos poucos perdendo densidade. A gente nem notava. De repente, o PSDB caiu num buraco com as denúncias contra o Aécio, com as sucessivas denúncias contra o próprio candidato do partido (refere-se de novo a Alckmin). E ninguém se revolta. Todo mundo acha natural, diz que o advogado vai resolver. Isso ocorre em todos os partidos, mas se esperava que com o PSDB fosse diferente.

O PSDB caiu, então, na vala comum dos partidos envolvidos em denúncias de corrupção?
Os partidos foram perdendo a indignação e o PSDB perdeu juntamente com eles. Ninguém fica indignado mais. Sai denúncia pesada, cabeluda e ninguém fica espantado. Como se a acusação fosse de ter o nariz feio. Não, vamos falar francamente: trata-se de envolvimento em negociatas. Isso é muito grave e resulta em perda de voto e substância eleitoral. E quem não tem substância eleitoral não pode aspirar ao poder. E quem não aspira ao poder não tem chance de por em prática o seu programa. E quem não põe em prática o seu programa termina perdendo o contato com o seu projeto de país. O PSDB sempre foi considerado um partido que deveria se aproximar mais do povo porque estava mais perto das elites intelectuais, o que era uma verdade. Mas deixou de ser isso para ser um partido muito parecido com os demais inclusive nessa coisa de apreço a cargos, de transferir reforma para depois da eleição e depois da eleição esperar a outra eleição. Estamos engasgando o futuro das próximas gerações.

Adriano Machado/Crusoé“Alckmin  não consegue passar confiança”, diz Virgílio (Adriano Machado/Crusoé)
O PSDB agiu corretamente ao aderir ao governo Temer?
Aderir ao governo Temer em um primeiro momento foi mais do que justo porque o partido não podia deixá-lo assumir no meio da confusão toda sem apoio. Sempre coube ao PSDB esse papel moderador. Então, no começo se justificava o apoio. Depois, com as denúncias, ficou injustificável. O partido deveria ter se retirado e garantido os votos para as reformas, e não fugir das reformas como fugiu. Não assumiu as reformas como suas. Trabalhava também aquelas táticas sutilmente obstrucionistas. Não de obstrução clara, mas de inventar que não dava para votar em tal data e, nesse empurra, ficamos sem reforma da Previdência e o partido vai pagar um alto preço por isso. Cada ano de atraso significa um preço muito alto a ser cobrado das novas gerações e de todos nós. O partido não podia ter se misturado a quem temia perder voto com a reforma da Previdência. Vai perder voto com a reforma da Previdência? Então que se perca. Vai ganhar voto? Então que se ganhe. Mas não pode entrar nessa cultura dos partidos brasileiros em que os políticos começam a prostituir o seu mandato para obter outro mandato.

O senhor defende que Alckmin seja substituído por outro candidato a presidente?
Conhecendo Alckmin como eu conheço, ele jamais vai renunciar.

Fala-se em trocar Alckmin por João Doria. O que acha disso?
A essa altura, trocar pelo Doria significaria muito malabarismo. Acho que o partido vai mesmo de Geraldo Alckmin.

E conseguirá atrair aliados?
Há um ressentimento contra o PSDB. Vários partidos declaram não ter simpatia pela aliança com os tucanos. O PSDB não está confortável nesta eleição.

Caminha para perder?
Não vejo nada de mais em perder. Perder pode ser o recomeço, pode purgar as suas mazelas, entender que precisa mergulhar para valer no povo. Precisa ter povo. Você não realiza um projeto se o partido não tiver uma relação com o povo. Não precisa ter demagogia e populismo. É você falar a mesma linguagem. O PSDB protagonizou o principal feito da história econômica brasileira dos últimos 50 anos, que foi o Plano Real. E deixaram essa herança para o Lula. Não dá para trocar de cara ou ter várias caras. Os partidos trocam muito de cara. Tem partido que já está no próximo governo, embora não se saiba quem será o presidente. Já encontrou uma fresta para entrar e instalar-se, como fazem as baratas.

O PSDB corre risco de virar essa espécie de “partido-barata”, como o senhor diz?
O PSDB não tem essa marca. Mas que tome cuidado para não virar um desses partidos que entram por uma fresta e, em pouco tempo, começam a pedir ministérios e não sei o que mais, até que governo cai por causa deles.

O controle demasiadamente paulista não atrapalha em uma campanha nacional?
Quando eu disse que eu pretendia disputar as prévias contra o Geraldo, apontei isso numa reunião em que eu era o único não-paulista. Houve um episódio curioso. Na convenção, um deputado de Minas quis subir ao palanque e foi barrado por uma sargentona. Ele falou “só vou abraçar um amigo meu ali, eu não sou paulista, eu sei que não posso ficar ali em cima”.

Atrapalha ou não?
Isso acaba limitando a visão de país que se precisa ter numa campanha nacional. Eu digo onde atrapalha. Você tem cientistas fantásticos aqui na Amazônia, por exemplo. E aí, até para opinar sobre Amazônia, eles recorrem a alguém da USP. Eles não conseguem raciocinar fora de São Paulo. A equipe é majoritariamente paulista. Há uma visão paulicêntrica. E como conquistar o coração do Brasil com um equipe formada só por paulistas? Uma vez disse a uma pessoa da qual não vou citar o nome, uma pessoa que não atravessa um bom momento: “Você pensa que São Paulo é o centro do mundo? Não é verdade. O centro do mundo é Nova York”. Paris é um lugar onde já morei, onde me sinto bem. Mas não vou dizer que é a capital do mundo porque não é. O resultado são derrotas em várias eleições.

Edilson Rodrigues/Agência SenadoPara Virgílio, Aécio deveria ter sido punido pelo PSDB (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Há como sair dessa bolha?
Tudo indica que essa bolha vai estourar. O PSDB precisa, talvez, de uma derrota eleitoral para perceber que existe Brasil e para perceber que candidato que não é forte no Norte, Nordeste e Centro-Oeste não vai a lugar nenhum. Tem um cálculo matemático infalível. Se você tem 40% do total de votos do estado de São Paulo, isso representa apenas 9% do total de votos do Brasil. E Alckmin está com 16% em São Paulo. Neste momento, (Jair) Bolsonaro está na frente no estado que foi governado por Alckmin. E ele confessa publicamente que não vai bem no Nordeste e que teve problema no Norte. Não sei se para me cutucar, mas disse ter problema no Norte, especialmente na capital do Amazonas.

O senhor vê semelhança entre o Alckmin de 2006 e o de 2018?
O candidato não é o mesmo. O de 2006 estava mais bem posicionado. Vinha com a fama de grande gestor. Eu mesmo abri o peito para apoiá-lo e tinha muito orgulho. Perdemos por diferença de dezoito pontos. Teve aquela tolice de vestir roupa de carteiro (alusão ao episódio em que Alckmin vestiu camisa com símbolos das estatais para sinalizar que não as privatizaria). Virou o primeiro turno com quatro pontos atrás do Lula. Poderia ter continuado avançando e partido para cima do PT. Mas, ainda assim, não foi uma derrota vergonhosa. Com aquele candidato dava orgulho de trabalhar.

E o de hoje?
O de hoje chega desgastado. Ele não consegue resolver a própria equação paulista. Lá ele tem dois candidatos ao governo. É um momento difícil. Eu vejo  em torno dele o espectro de derrota, o espectro de “vou perder”, com todas as consequências disso. Candidatos a governador, a senador, a deputado não gostam, é claro, de candidato a presidente perdedor.

O senhor votará nele?
Claro que meu voto e meu trabalho serão pelo candidato do meu partido. Por mais desgostoso que eu esteja com o PSDB. Mas não é o fim do partido. E eu não sairei do PSDB.

O senhor não tem mágoa por ter sido preterido na disputa?
Sinceramente, não, porque não tinha ilusão. Eu queria apenas dar uma acordada no partido e parece que não gritei o suficiente. Queria fazer o partido mergulhar no Norte, no Nordeste. Mostrar que existe vida inteligente fora de São Paulo. Propus ao Alckmin dez debates em todas as regiões. Em algumas, mais de um debate. Depois reduzi para cinco debates. Depois, para um e ele não aceitou. Pedi votação com todos os filiados e urna eletrônica. Ele não queria. Depois acabou sendo nomeado. Acho que hoje deve estar arrependido.

Por quê?
Será que ganhando de mim, nas prévias, ele não sairia mais legitimado? Ele teria percorrido todo o país discutindo os problemas brasileiros. Teria que se informar melhor, e eu também, sobre cada região. Seríamos recebidos com ampla divulgação pela imprensa, pelas televisões, pela internet. Isso tudo poderia ajudar a projetar uma imagem mais nacional.

Os tucanos paulistas dizem em seus convescotes privados que o senhor é maluco. O senhor é maluco?
É incrível, né? Parece que as pessoas que sonham merecem ser chamadas de malucas. Sou um maluco que foi secretário-geral do PSDB por três anos, líder do governo Fernando Henrique, ministro. Maluquice para mim é você não saber ganhar uma eleição por dar ela como vencida. É não saber tornar viável outra vez um partido que teve um passado brilhante.

Quais são as suas apostas para o segundo turno?
Hoje vejo Ciro (Gomes) e Marina (Silva) disputando o direito de enfrentar o Bolsonaro.

O que acha deles?
O Ciro, se beliscar o eleitorado do Lula, vai ao segundo turno e com chance de ganhar. Fala bobagem, mas é um bom orador. Queria ver o Ciro exposto a um debate. Queria ver como ele reage sendo apertado. Ele é primário. O programa dele é do tempo do onça. É puro século 20. É puro nacional-desenvolvimentismo. Coisas superadas, ultrapassadas. Aí você vai para o outro lado da contradição. O Bolsonaro diz frases terríveis, mas na orientação econômica já está com outro discurso. Segue um economista como o Paulo Guedes, uma figura de grande quilate. Não sei o que o Paulo Guedes viu nele, mas resolveu encampar essa candidatura, que era totalmente vazia, e Bolsonaro ficou menos assustador. Marina tem boa orientação econômica.

O senhor foi um dos principais opositores ao governo do PT. Como vê os petistas hoje?
Vejo o PT imobilizado. Parece manada de caititu, aquele porco-do-mato muito agressivo que atropela todo mundo. Se você atirar no líder da manada, eles ficam andando em volta até morrer. Os petistas estão empenhados em manter o El Cid deles. Querem o Lula, ainda que morto, montado num cavalo para assustar os adversários.

Que legado o governo Temer deixará?
Muita confusão na área política e alguns acertos na área econômica. Mas com a área política atrapalhando a área econômica. Não sei se se poderá falar em legado.

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