RuyGoiaba

Por um Godzilla intimista

31.05.19

Quem acompanha os cadernos culturais – essa coisa duplamente em extinção, tanto “cadernos de jornais” como “cultura”– sabe que às vezes há um curioso descompasso entre a expectativa do crítico (de filmes, séries, discos, shows etc.) e a do próprio público. Ninguém vai ver Vingadores: Ultimato esperando uma Ilíada, por exemplo. Mas, volta e meia, há quem critique o filme pelo que ele NÃO se propôs, em momento nenhum, a fazer. É meio como não se conformar com o pessegueiro por ele não dar pitangas.

Recentemente, a Folha publicou uma crítica de Godzilla 2 cujo título dizia que o filme não passava de um “vale-tudo de titãs gigantescos”. Bom, quer-me parecer que o público pagante espera exatamente ver o monstrão dando porrada em outros monstros e, quem sabe, destruindo Tóquio pela milésima vez — não um Godzilla introspectivo, em crise existencial, filmado lindamente em preto-e-branco. É um filme para quem brincava de briga de dinossauro de plástico quando era criança; deixa esse povo curtir uma briguinha de dinossauro com efeitos especiais e orçamento de 200 milhões de dólares.

A única coisa que contratos com o consumidor têm de cumprir, e isso obviamente vale para consumidores de produtos culturais, é prometer X e entregar X, não Y. Quem contrata a NET e recebe a programação da Igreja da Dona Creuza de Xiririca da Serra tem todo o direito de reclamar, mas há quem goste da segunda e até pague por ela. E tá tudo certo. O que não faz sentido é crítico reclamar que a igreja de Xiririca da Serra não exibe a CNN.

De todo modo, essa história me deu ideias para um projeto antigo que chamo de Grande Enciclopédia das Ideias Erradas – no caso, um livro de ficção, não a história dos governos brasileiros nos últimos séculos. Um Godzilla dirigido por Ingmar Bergman, com paisagens escandinavas, crise conjugal, o monstrão brigando com a parceira (Liv Ullmann) e cortando os pulsos. Um episódio de Teletubbies dirigido por Quentin Tarantino. A Metamorfose – O Musical, com Gregor Samsa, a barata que canta, fugindo de chinelos dançantes gigantescos.

As possibilidades são quase infinitas. Na verdade, tenho uma ideia nessa linha que espero sinceramente conseguir emplacar algum dia, obtendo fama e fortuna no processo: um reality show chamado Extreme Miscasting, só com atores escalados nos papéis mais inadequados possíveis. Para o primeiro episódio, pensei em Evandro Mesquita interpretando Getúlio Vargas. O segundo pode ser Ricardo Macchi, o eterno Cigano Igor, em absolutamente QUALQUER papel.

Só digo uma coisa: vocês, capitalistas do Brasil, não sabem o que perdem não me financiando (bem típico do desprezo que este país devota aos seus criadores). Fiquem aí nesse seu pobre mundinho sem Godzilla intimista.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Até anteontem, o prêmio parecia ter sido assegurado pelo par perfeito Jair Bolsonaro/Carlos Alberto de Nóbrega. Tenho certeza de que Bolsonaro se sentiria muito à vontade entre figuras arquetípicas do humor tosco nacional, como o corno, a boazuda e a bicha escandalosa (já vem até com bordão, talquei?). Cazalbé, por sua vez, seria talvez um primeiro-ministro mais adequado que Rodrigo Maia e poderia governar do banco d’A Praça É Nossa.

Mas eis que, ontem, Abraham Weintraub chegou atropelando com seu vídeo de Gene Kelly dizendo, de guarda-chuva em punho, que está “chovendo fake news”. Pode ser que o ministro da Educação também estivesse tentando se proteger de golden showers. Faço votos para que, no próximo vídeo com guarda-chuva, Weintraub incorpore Mary Poppins e saia voando.

Marcos Corrêa/PRMarcos Corrêa/PRBolsonaro e Cazalbé, “juntos e shallow now”; só senti falta do Tiririca nessa foto

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