RuyGoiaba

Me engana que eu gosto

17.05.19

Já que a coluna da semana passada falou dos jornalistas (meus semelhantes, meus irmãos) que engolem qualquer coisa, trato hoje de um episódio em que eles fizeram a lição de casa, ainda que tenha demorado um pouquinho. Nesta semana, repórteres do Estadão descobriram que Joana d’Arc Félix de Sousa, química cuja história de superação da pobreza serviria de base a uma produção da Globo Filmes, falsificou seu diploma de “pós-doutorado em Harvard”.

Visualmente tosco, o diploma havia sido enviado pela professora a jornalistas que conversaram com ela em 2017. O Estadão ouviu a administração da universidade (Harvard não emite certificados de pós-doutorado) e um professor que supostamente assinava o documento (a assinatura não era dele, que jamais vira Joana em toda a vida). Confrontada, a química alegou que o diploma era para uma “encenação de teatro” (sic) e que ela não havia contado isso porque “não falou mais” com o jornalista. Também admitiu que não havia ingressado na universidade aos 14 anos, como disse em várias entrevistas e palestras.

Até que saísse a reportagem do Estadão, porém, Joana conseguiu enganar muita gente – e não apenas a atriz Taís Araújo e os demais envolvidos em seu futuro filme. No ano passado, recebeu um prêmio de personalidade que “faz a diferença” em cerimônia no Copacabana Palace. Entrevistada, falou de seu ingresso na universidade “aos 14 anos”, de sua “entrada em Harvard” aos 25 e de como fez jovens largarem a vida de prostituta e de traficante. Só faltou dizer que curava leprosos, fazia paralíticos andarem e caminhava sobre as águas.

Esse relato de uma vida de milagres digna da Legenda Áurea, aparentemente, passou batido por muita gente que a entrevistou ou ouviu em eventos sem que ninguém franzisse as sobrancelhas. Por quê? Porque o “me engana que eu gosto” é nosso estado natural, e nós adoramos – você também, não venha querer bancar o cético agora – “histórias de superação”, gente cuja vida chegou ao happy end depois de superar pobreza, racismo e mil outros obstáculos. Fatos são tristes, enfadonhos, irritantes; mil vezes uma narrativa redonda, bonitinha.

É por isso que há um ramo da publicidade dedicado ao storytelling, que consiste em contar uma história atraente e não raro mentirosa para que a gente se sinta irresistivelmente impelido a comprar sorvete. É por isso também que fake news costumam funcionar. Se juntar fake news e storytelling, você acredita até que um corrupto e lavador de dinheiro é pai dos pobres. Milhões acreditaram.

Joana d’Arc, a do diploma, é café pequeno. Na eleição do ano que vem, estaremos todos prontos para – mais uma vez – arejar o elenco de velhos vigaristas e depositar nossa confiança em picaretas novos.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O vídeo de Jair Bolsonaro abraçando um fã de ascendência asiática e perguntando “tudo pequenininho aí?” comprova, mais uma vez, que elegemos um tiozão do churrasco para a Presidência. Aliás, consigo perfeitamente imaginar o presidente puxando o parabéns numa festa de aniversário e cantando a versão pornô (“é pica, é pica, é rola, é rola” etc.). Para manter a metáfora churrasqueira: é bom Bolsonaro começar a prestar atenção na batata dele, que está assando.

Mais 15 segundos de vídeo e Bolsonaro diria algo como “abre o olho, japonês”

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