RuyGoiaba

O rock é um emprego para velhos

03.05.19

Toda vez que há um show internacional no Brasil, um dos meus principais critérios para escolher se gasto ou não os suados caraminguás que a Crusoé me paga –aliás, parabéns aos meus bravos colegas da revista pelo aniversário de um ano– é a velhice do artista. Compro o ingresso sempre que for considerável o risco de ele morrer e nunca mais voltar a se apresentar no país, nem mesmo como assombração: os mortos não recebem cachê, afinal.

Fiz isso com gigantes do jazz como Sonny Rollins – que veio para o TIM Festival em 2008 e continua por aí, aos quase 90 anos — e Ornette Coleman, que morreria cinco anos depois de sua apresentação em São Paulo, em 2010; dois grandes shows. E tenho feito o mesmo com roqueiros velhos: Paul McCartney (quase 77 anos), que “dispensa apresentações”, e Robert Fripp (quase 73), que se tudo correr bem estará por aqui com o King Crimson em outubro.

Ou seja: o rock morreu, mas passa bem. Fora o nicho da molecada indie que ainda gosta de fazer barulho com guitarras, é música de velho – Tom Jobim, que morreu (velho) há quase 25 anos, já o chamava de “música do tempo do meu avô”. Toda hora algum roqueiro recebe o título de sir, e a própria existência de um Rock & Roll Hall of Fame mostra o quanto o gênero virou peça de museu.

(E os números comprovam esse caráter de nicho: numa plataforma como o Spotify, Kanye West tem 10 milhões de ouvintes mensais a mais que os Beatles. Quem manda nas paradas dos EUA é o hip hop; no Bananão, o neosertanejo e suas variantes engolem os roqueiros.)

Antigamente, pelo menos os astros do rock faziam o favor de morrer ali pelos 27 anos (ou até antes, como Ian Curtis, do Joy Division); nas últimas décadas, só Kurt Cobain e Amy Winehouse se empenharam em manter essa tradição. Depois que o roqueiro passou dos 27, geralmente ele não morre mais: Iggy Pop e Keith Richards estão por aí para comprovar. É ótimo do ponto de vista de quem quer ver os caras vivos e produzindo, mas torna ainda mais ridícula a ideia de que esse mundo de senhores de idade continue sendo “rebelde”, antiestablishment.

Chegamos à situação descrita por Ray Davies, dos Kinks (outro roqueiro britânico que virou sir), no início dos anos 70: “I might even end up a rock and roll god, it might turn into a steady job”. Ser “deus do rock and roll” hoje se tornou um emprego estável — ainda que seguramente bem mais divertido do que ser servidor público aposentado com a mesma idade.

E é por isso que eu gosto do estilo: porque sou velho e porque, assim como os roqueiros que raramente saem dos três acordes, também não aprendi nada com o passar das décadas. Long live rock and roll.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Com a agitação na Venezuela, deputados como Carla Zambelli e o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança se mostraram muito animados – nas redes sociais — com a perspectiva de ir para uma guerra (diferentemente dos generais brasileiros, que entendem do riscado e sabem dos riscos de brancaleonismo).

Ou a turma acha mesmo que guerra é tipo uma passeata pelo impeachment com uns tirinhos a mais – embora eu reconheça a expertise da família do deputado em FUGIR de guerras — ou é muito corajosa no Twitter, o que é igualzinho a ser muito rico no Banco Imobiliário. Mas tomara que os valentões me desmintam e se apresentem para ser bucha de canhão: o Brasil só tem a ganhar.

Reprodução/Fair FilmReprodução/Fair FilmParecem os parlamentares brasileiros prontos para a guerra contra a ditadura venezuelana, mas é Brancaleone (Vittorio Gassman) com seu incrível exército

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