ReproduçãoA ofensiva convocada por Guaidó inflamou as ruas, mas ainda não foi suficiente para derrubar o ditador

Maduro resiste à Operação Liberdade

Tentativa de depor o ditador não dá certo. Ao que tudo indica, por uma questão do preço a pagar pelo apoio dos militares
03.05.19

Por um breve período na manhã da terça-feira, 30, parecia que a Venezuela enfim sairia do seu inferno. Um vídeo gravado antes do nascer do sol na base aérea de La Carlota, em Caracas, mostrava o presidente interino Juan Guaidó e o líder opositor Leopoldo López. Atrás deles havia soldados com uniformes verde-oliva e armados de rifles e um blindado. Como López sabidamente havia sido colocado em prisão domiciliar, sua mera presença indicava que uma parte dos militares já tinha deixado de apoiar o ditador Nicolás Maduro, para acatar as ordens dos novos líderes democráticos do país. Os dois maiores nomes da oposição estavam dentro de uma base aérea na capital do país, conclamando militares de outras regiões a derrubar o regime, em um movimento que eles batizaram de Operação Liberdade. “Hoje, as Forças Armadas estão claramente ao lado do povo e leais à Constituição. Vamos conseguir a liberdade e a democracia para a Venezuela”, disse Guaidó.

Reprodução no TwitterReprodução no TwitterJuan Guaidó e Leopoldo López (dir.): em vídeo gravado da base aérea, eles conclamaram militares de outras regiões a se juntar ao movimento
Atendendo ao chamado, cidadãos venezuelanos foram até a base aérea para se encontrar com os amotinados. De lá, seguiram caminhando para a Praça Altamira. No percurso, foram atacados por milicianos a mando da ditadura. À tarde, o ditador já afirmava que a tentativa de derrubá-lo havia sido frustrada e que 80% dos militares não tinham seguido os rebeldes. Em vez disso, eles teriam preferido deixar de fininho a base La Carlota para não criar confusão. “Quando eles viram a cara dos golpistas, saíram e os deixaram a sós. Ligaram o motor dos blindados e saíram de maneira leal e cantando bordões revolucionários”, disse Maduro mais tarde, em vídeo. Novos protestos foram marcados para o dia seguinte, mas a repressão começou logo cedo. Guaidó, então, prometeu realizar manifestações rotineiras.

Em reuniões feitas em outros países na semana anterior, diplomatas a serviço do governo interino afirmaram que Guaidó tinha apoio significativo nas Forças Armadas. Mas a verdade é que, entre os 360 mil militares do país, estima-se que apenas entre 700 e 800 aderiram à Operação Liberdade. Maduro disse que os “traidores” já estavam sendo identificados e que eles seriam desarmados. Na repressão de 30 de abril, que contou com a cena chocante de um blindado avançando contra a multidão e atropelando manifestantes, o ditador dirigiu pessoalmente as operações. Militares foram chamados para acompanhar os comandantes da Guarda Nacional Bolivariana e membros da Polícia Nacional Bolivariana. Quem não obedecesse às ordens superiores seria preso.

ReproduçãoReproduçãoBlindado da Guarda Nacional atropela manifestantes em Caracas
A maior parte dos militares calculou que apoiar Guaidó e bater de frente com o ditador de frente seria arriscado demais. Ainda assim, muitos preferiram não se envolver com a repressão, que ficou principalmente na mão dos milicianos chamados de coletivos. Tanques, aviões e helicópteros não saíram dos quartéis e bases, como aconteceu em crises anteriores. E isso mesmo em uma situação em que Maduro afirmou estar sofrendo uma tentativa de um golpe de estado, com líderes opositores gravando vídeos de dentro de uma base aérea. “No interior da Guarda Nacional, não há muita disposição para continuar reprimindo. As ações contra manifestantes por parte dos militares não estão acontecendo na mesma escala da que vimos em 2014 ou 2017”, diz o analista internacional venezuelano, Andrei Serbin Pont, diretor da Coordenadoria Regional de Investigações Econômicas e Sociais (Cries), em Buenos Aires.

Na tentativa de aprofundar o racha dentro das Forças Armadas venezuelanas e ajudar Guaidó, membros do governo americano deram declarações sobre Maduro estar sendo abandonado pelos  aliados próximos. Segundo o secretário de estado, Mike Pompeo, o ditador acertara tudo para fugir para Havana. Só não foi porque os russos o impediram de última hora. De acordo com o assessor de segurança nacional, John Bolton, o ministro da Defesa venezuelano, o general Vladimir Padrino López, havia até combinado com os americanos que reconheceria o governo de Juan Guaidó.

Na quinta-feira, 2, dois dias depois de Bolton fazer tal afirmação, Padrino López fez um discurso, ao lado de Maduro. “Pretendem nos comprar, como se fôssemos mercenários”, disse ele. “Causa muita indignação saber que eles pretendem romper com a honra militar, que é a coisa mais sagrada que um soldado tem, com uma oferta enganosa, estúpida, ridícula”.

ReproduçãoReproduçãoO ministro da Defesa, Vladimir Padrino, admite que ofertas aconteceram, sob o olhar de Maduro
Para cooptar os militares, a Assembleia Nacional, liderada por Guaidó, ofereceu a eles uma lei de anistia. Aqueles que contribuíssem para uma mudança de regime seriam poupados de condenações no futuro. A questão é que, para muitos deles, o fim da ditadura também significaria perda de status econômico. Os militares estão no comando das maiores empresas do país, incluindo a estatal petrolífera PDVSA. Nos planos de transição formulados pela Assembleia Nacional, o “Plano País”, fala-se em solicitar financiamento externo, estimular o mercado de capitais e abrir as empresas públicas para o investimento privado. São propostas que não poderiam conviver com militares comandando as estatais. Para eles, apoiar Guaidó significaria perder privilégios.

Hoje, os militares são a única classe que ainda vive com algum conforto, principalmente por controlar a distribuição dos alimentos. Todos os outros grupos que já tiveram algum poder político ou econômico caíram em desgraça nos vinte anos de chavismo. Hugo Chávez assumiu o poder em fevereiro de 1999. Após greves na PDVSA, em 2002 e 2003, reagiu demitindo inúmeros funcionários e técnicos. Muitos deles estavam entre os profissionais mais bem formados e bem pagos do país. A estatal então contava com 50 mil funcionários. Duas décadas depois, o quadro de empregados triplicou. Todos os que foram incorporados são gente ligada ao governo e não têm necessariamente formação para estar nos cargos que ocupam. A produção petrolífera seguiu, obviamente, na direção contrária do inchaço de pessoal. Caiu de 3 milhões de barris de petróleo por dia para 500 mil barris.

Os agricultores, por seu turno, começaram a sofrer a partir de 2001. A pretexto de realizar uma reforma agrária, fazendas e sítios foram expropriados — ou “resgatados”, nas terminologia bolivariana. Além das terras, o governo também assumiu o controle das fábricas que processavam os produtos agrícolas. Ficou com 75% da produção de café, 40% do mercado de arroz a 52% do processamento de açúcar. A produção agrícola, obviamente, despencou. A de farinha de milho, ingrediente necessário para a produção de arepas, comida típica venezuelana, caiu pela metade e o país deixou de ser autossuficiente desde 2009. No geral, a Venezuela de Maduro só é capaz de produzir um terço do que consome.

Em 1998, o país tinha mais de 11 mil indústrias. Em 2007, quando o dado foi divulgado pela última vez, eram 7 mil. Milhares de fábricas foram expropriadas. Outras deixaram de receber autorização para adquirir dólares e, assim, importar peças. Antes de Chávez, a Venezuela tinha sete fábricas grandes de automóveis: Chrysler, General Motors, Ford, Iveco, Mitsubishi, Toyota e Mack. Não sobrou nenhuma.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisNicolás Maduro discursa para militares na quinta-feira, 2: fardados têm medo de perder o controle de empresas em uma transição democrática
A Operação Liberdade termina a semana com Leopoldo López refugiado na casa do embaixador espanhol, ameaçado por uma nova ordem de prisão expedida pelos juízes bolivarianos. Ele disse que a queda do ditador é uma questão de semanas. Juan Guaidó afirmou que intervenção militar externa é a última opção para retirar o ditador do poder. Enquanto isso, Maduro pode contar com a proteção de russos e cubanos — e de cerca de dois mil generais comprados, segundo afirmou Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Se for verdade, Padrino López e suas tropas só não teriam se bandeado para o lado de Guaidó por uma questão de preço enganoso, estúpido, ridículo.

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