LeandroNarloch

Culparão o capitalismo pela miséria na Venezuela

03.05.19

A crueldade de Nicolás Maduro impressiona e revolta, mas socialistas desastrosos como ele são figurinhas até enfadonhas de tão repetidas no último século. A tragédia que a Venezuela vive hoje já aconteceu diversas vezes: é sempre a mesma história de revolução, miséria e tirania, com uma ou outra nuance.

Ao tomar o poder, o revolucionário socialista coletiviza fazendas, proíbe o lucro, nacionaliza bancos e companhias. Sente-se capaz de planejar uma sociedade completa a partir de suas ideias tiradas de livros. Mas acaba quebrando o sistema de produção de comida e de produtos básicos: se não há certeza de que será possível lucrar com uma empresa, as pessoas não empreendem. O dinheiro foge, as prateleiras se esvaziam.

Che Guevara, quando ministro da Indústria de Cuba, não entendia por que o país vivia a falta até de pasta de dente. “Era preciso fazer fila para comprar tudo, papel higiênico, sabonete. Na padaria, não tinha pão”, conta, sobre o Chile de Salvador Allende, a bióloga Celia de las Mercedes Morales Ruiz, que vive no Brasil desde 1973.

Nos casos mais leves, o desabastecimento provoca piadas sobre a falta de papel higiênico (comuns em Cuba, na Venezuela e na Alemanha Oriental). Nos piores, resulta em crises de fome que matam milhões, como na China e na Etiópia (onde o ditador Mengistu Mariam, como Maduro, agiu sob influência de Fidel Castro).

No livro Ciclos fatais, o advogado Geanluca Lorenzon detalha o passo a passo comum a quase todas tragédias socialistas. Para sobreviver durante o desabastecimento, os cidadãos apelam para o mercado negro. Na Moscou dos anos 1970, o mercado ilegal fornecia frutas frescas, calças jeans ou cigarros americanos, carros e apartamentos. Na Venezuela de hoje, nada se encontra nos supermercados, onde o preço é tabelado, mas pelas ruas é possível obter arroz, farinha ou açúcar.

Como ninguém se interessa em produzir, o regime passa a obrigar a população a trabalhar sob correntes. Nas fazendas coletivas da China, as pessoas eram identificadas por números e ficavam sem refeições se o diretor considerasse que elas não trabalharam direito. “O importante é destacar o dever social do trabalhador e castigá-lo economicamente quando não o cumprir”, disse Che Guevara em Cuba. E a Venezuela, em 2016, editou uma lei que permitia o governo convocar cidadãos para o trabalho rural.

Quando fica claro que o sistema é um fiasco, a população se revolta. Surgem fotos dramáticas de manifestantes enfrentando tanques e blindados – como na Praça da Paz Celestial, na China, em Praga ou esta semana em Caracas.

Nesse ponto, porém, o tirano já ultrapassou o ponto de retorno. Autor de tantos crimes, sabe que se deixar o poder não sobreviverá nem viverá em liberdade. Sua única opção é insistir na tirania até onde conseguir. Muitas vezes consegue, pois a população, faminta e desesperada, não tem força para organizar a resistência – preocupa-se antes de tudo em não morrer de fome. E assim o fracasso econômico prolonga a ditadura.

Fora do país, a história também se repete. Intelectuais de esquerda explicam o fracasso da experiência socialista com as mesmas desculpas. A “queda no preço do cobre”, utilizada para explicar o fiasco do governo Allende, renasceu hoje como “a queda no preço do petróleo”, para suavizar a culpa de Maduro pelo caos. E o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos – a velha desculpa para a miséria de Cuba – vem sendo repetida sobre a Venezuela.

O que também deve se repetir são os cenários e debates depois da queda de Maduro. Daqui a alguns meses ou anos, fábricas vão se instalar na Venezuela para aproveitar os salários baixos que venezuelanos famintos toparão receber. Como na China, será o começo do fim da pobreza por ali. Mas a esquerda dirá:

– Vejam só o que faz capitalismo! Como explora e empobrece os trabalhadores!

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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