Adriano Machado/CrusoéMoro: oposição organizada no Congresso e "bolas nas costas" dentro do governo

Artilharia contra Moro

O ex-juiz da Lava Jato experimenta os percalços da política e a sabotagem do Congresso. Será que ele aguentará o jogo pesado de Brasília?
03.05.19

Abril foi o mês em que o ministro da Justiça, Sergio Moro, mais fez política em toda sua vida. Em seu gabinete, no quarto andar do imponente prédio vizinho ao Palácio do Planalto, o ex-juiz da Lava Jato recebeu três dezenas de deputados — para se ter uma ideia, entre janeiro e março, a média foi de dez por mês. Também em abril Moro se encontrou com três ministros do Supremo Tribunal Federal, entre eles o presidente da corte, Dias Toffoli, e participou da cerimônia em comemoração aos 30 anos do Superior Tribunal de Justiça. Ainda tentando se adaptar ao novo figurino, o ministro almoçou no Itamaraty e foi ao encontro de mais de 4 mil prefeitos que se reuniram em Brasília. Com o chefe, o presidente Jair Bolsonaro, ele teve ao menos quatro audiências oficiais.

A agenda vitaminada mostra, à primeira vista, que o prestígio e a empolgação do mais popular ministro de Bolsonaro permanecem em alta. Mas o tête-à-tête com figuras que vão desde o baixo clero do Congresso até a cúpula do Judiciário também revela o esforço hercúleo que ele vem fazendo para angariar apoio e tentar, assim, superar uma série de derrotas que Brasília, com sua conhecida antipatia à Lava Jato e à própria figura do ex-juiz, lhe tem imposto nestes primeiros meses de governo. Os petardos vêm de todos os lados e, mesmo entre os mais próximos, uma pergunta ressoa: será que ele resistirá ao jogo pesado?

O Congresso é, de longe, o lugar de onde vem a maior parte dos ataques. A principal proposta de Moro, o pacote anticrime, que ele levou pessoalmente à Câmara dos Deputados em 6 de fevereiro, deveria completar três meses de tramitação na próxima semana. Mas até hoje não registrou qualquer avanço efetivo. Por decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o pacote foi parar em uma espécie de terceira divisão das propostas que correm na casa. Está sendo discutido por um grupo de trabalho formado por parlamentares de pouca expressão. Pior: o Palácio do Planalto não moveu uma palha para que a história fosse outra.

Além disso, a proposta já chegou sofrendo derrotas. Primeiro, foi desidratada. Temas importantes como a criminalização do caixa 2, que constava da versão inicial do pacote, acabaram apartados. Depois, por decisão de Rodrigo Maia, aos projetos de Moro foi anexada uma outra proposta de mudanças na legislação criminal, apresentada ao Congresso em 2018 pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Já estava claro, ali, o esforço do grupo que comanda o Congresso para limitar o poder de fogo — e a visibilidade — de Moro. “Não é segredo que ele não é uma pessoa benquista no Congresso”, disse a Crusoé, sob a condição de anonimato, um destacado parlamentar que opera contra Moro nos bastidores.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéMoro tem se mostrado leal a Bolsonaro, mas as notícias do Planalto nem sempre lhe são favoráveis
A mensagem é clara. O grupo anti-Moro entende que ele, enquanto juiz, atuou contra a política. E agora não seria hora de os políticos que outrora ele alvejou contribuírem para seu sucesso como ministro. As próximas etapas da tramitação do pacote anticrime tendem a reforçar os sinais da oposição que o ministro sofre no Congresso. O grupo de trabalho criado por Maia só deve concluir a tarefa de analisar as propostas em 14 de setembro. Só depois o pacote poderá seguir para uma comissão especial, que ainda terá dois meses para deixar os projetos em condição de serem votados no plenário da Câmara. Não faltarão, nesse trajeto, mais ataques a Moro. Vencidas essas etapas, a batalha recomeça no Senado.

Se ao final tudo der certo, o ministro só deverá ver o pacote virar lei em 2020. Não faz muito tempo, como alternativa aos empecilhos impostos pela Câmara, ele até se articulou para que a tramitação começasse pelo Senado, mas na prática a ideia pode não surtir efeito. Seriam duas propostas semelhantes aprovadas nas duas casas, o que demandaria, ao fim e ao cabo, a adaptação dos textos e um acerto entre deputados e senadores para definir o que seria mantido — algo raro de ocorrer.

A mais recente ofensiva do Congresso sobre Moro envolve o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o órgão oficial de inteligência financeira que tem por atribuição monitorar transações suspeitas de lavagem de dinheiro. Logo no início do governo, Jair Bolsonaro autorizou a transferência da estrutura, desde sempre subordinada à área econômica, para a alçada de Moro. Era uma maneira de fortalecer a pasta e dar mais instrumentos para o ministro lançar sua prometida ofensiva contra a corrupção e o crime organizado. Agora, ao tratar da medida provisória que reorganizou a Esplanada, deputados e senadores ameaçam tirar o Coaf de Moro e mandá-lo de volta para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes.

Hoje, manter o conselho no Ministério da Justiça é a principal batalha do ex-juiz. Esse foi o assunto de muitas das conversas que ele teve com parlamentares nas últimas semanas. Em uma delas, com o líder do DEM, Elmar Nascimento, ocorrida na última terça-feira, Moro desabafou. “Ele pediu ajuda. Falou que empoderou o órgão e que ele é importante para o combate ao crime organizado, ao tráfico, às quadrilhas internacionais, pois por meio dele consegue descobrir todo o fluxo financeiro dessas organizações”, afirmou o deputado. “Disse também que se criou um estigma sobre ele de que ele é contra a política, mas que na verdade ele é contra bandidos”, emendou.

Para além da discussão em torno do Coaf, congressistas discutem a possibilidade de rever a decisão de Bolsonaro de também deixar sob a guarda de Sergio Moro, juntamente com a pasta da Justiça, a área de segurança pública do governo. Em se confirmando essas mudanças, seria uma grande derrota para o presidente, mas uma derrota ainda maior para o ministro, o alvo maior da ofensiva.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéRodrigo Maia nem sempre aparece como tal, mas é o lider da oposição ao ex-juiz no Congresso
Todos os movimentos contra Moro guardam relação direta com o seu papel na Lava Jato. O próprio Rodrigo Maia — ele mesmo investigado pela operação — costuma dizer em rodas restritas que o personalismo do ministro ajuda a aprofundar o abismo existente entre ele e a classe política. Ele não se esquece do dia em que Moro foi pessoalmente ao Congresso levar o pacote anticrime. Repete que viu ali uma tentativa do ministro de ganhar holofotes em uma semana em que o assunto principal deveria ser o envio da proposta de reforma da Previdência. Em março, depois de se sentir cobrado por Moro em uma conversa sobre a tramitação do pacote, o deputado o atacou. “Eu sou presidente da Câmara, ele é ministro, funcionário do presidente Bolsonaro”, disse.

Um dos poucos a apoiar abertamente a agenda de Moro no Congresso, o senador Márcio Bittar, do MDB do Acre, resume a má vontade de Brasília com o ex-juiz: “Ele não tem bancada, não é do meio político e sendo quem é não facilita. Representa alguém que prendeu políticos. Não é um personagem agradável para a maioria no Congresso. Contrariou muitos interesses”.

Se uma parte importante das adversidades vem do Congresso, Sergio Moro também tem levado algumas “bolas nas costas” — para usar um termo que ele próprio empregou recentemente ao falar do período em que era juiz — do próprio Palácio do Planalto. São vários os episódios em que Jair Bolsonaro e seu entorno deixaram o ministro exposto. O primeiro deles ocorreu em janeiro, quando foi publicado o decreto que flexibilizou a posse de armas. As sugestões de Moro para o texto foram ignoradas. Em seguida, após sofrer pressão das redes sociais, Bolsonaro ordenou que Moro recuasse da nomeação da cientista política Ilona Szabó para uma vaga de suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

No pacote anticrime, em nenhum momento o presidente ou seus auxiliares defenderam enfaticamente que a proposta tramitasse com celeridade no Congresso. E, quando vieram, as manifestações sobre a ameaça dos parlamentares de retirar poderes de Moro foram contraditórias. Sobre o Coaf, por exemplo, Bolsonaro chegou a admitir a possibilidade de o conselho sair da superestrutura do Ministério da Justiça. Ele recuou depois, mas nada garante que o cenário não possa mudar novamente. Nesta semana, mais dois episódios colocaram Bolsonaro e Moro em rota de colisão. No domingo, o presidente foi ao Twitter negar que tivesse prometido dar ao ministro o poder de escolher o próximo procurador-geral da República — historicamente, ministros da Justiça são decisivos da escolha. No dia seguinte, ao falar para uma plateia de representantes do agronegócio, o presidente prometeu encaminhar ao Congresso uma proposta para isentar de punição proprietários rurais que atirarem em invasores. Moro, que não gosta da ideia, não havia sido ouvido. Indagado sobre o assunto horas depois, ele disse que preferia não falar sobre o assunto.

Agência CâmaraAgência CâmaraMoro entregando o pacote anticrime ao Congresso: aprovar as medidas é prioridade para o ministro, mas falta apoio
Se comparada à energia dispensada em favor da agenda de Paulo Guedes, a outra estrela da Esplanada, a atenção dedicada pelo núcleo do governo aos planos de Moro é, ao menos por ora, residual. Tão necessária quanto o pacote anticrime, a reforma da Previdência é tratada como prioridade única, apesar de as mudanças no sistema de aposentadorias serem muito mais impopulares do que um pacote que promete combater a corrupção, enfraquecer o crime organizado e reduzir os índices de violência.

Interlocutores de Jair Bolsonaro dizem que, embora seja positivo para o governo, o pacote anticrime não recebe o mesmo tratamento do Planalto porque, considerada a rejeição a Moro no Congresso, bombar ainda mais o ex-juiz poderia colocar em xeque a própria aprovação da reforma da Previdência. Soma-se isso a percepção de que não agrada a Bolsonaro a ideia de dividir a ribalta com seus “superministros”. Embora tema as consequências políticas de um eventual pedido de demissão de Moro — fora do governo, o ex-juiz não teria dificuldades em arrumar um novo emprego com remuneração infinitamente superior à de ministro –, sempre que pode o presidente bate o pé para dizer que ele é quem manda, deixando clara a mensagem de que sombras não são bem-vindas.

Quem convive com Moro relata que ele se mostra resignado com as tais “bolas nas costas”. Entende que, apesar delas, é preciso resistir — e também insistir nas tentativas de colher algumas vitórias na nova posição. A despeito das dificuldades, ele acredita que conseguirá aprovar ao menos uma parte de seu pacote anticrime, o que lhe daria reconhecimento. Depois, não havendo outros sobressaltos, poderia assumir uma das vagas a serem abertas no Supremo Tribunal Federal ainda durante o governo Bolsonaro.

Indagado por Crusoé sobre as dificuldades desses quatro meses na nova função, Moro afirmou acreditar que está no “caminho certo”. Disse ele: “Estamos trabalhando firme para melhorar a gestão da segurança pública no país. Temos estatísticas oficiais mostrando a redução da criminalidade. Não soltamos rojão porque ainda é preciso avaliar se é uma tendência ou é algo episódico. Houve o isolamento de lideranças do PCC. A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal estão trabalhando intensamente e sem amarras. Também estamos trabalhando para melhorar a segurança nas fronteiras. No mais, são políticas que demoram um tempo para rodar. Não é uma questão simples. Os desafios são muito grandes, mas estamos no caminho certo”.

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