Adriano Machado/Crusoe"O Parlamento precisa perceber que o eleitor está de olho. A pressão hoje vem das ruas"

A escudeira do presidente

Bia Kicis, a deputada do PSL mais próxima de Jair Bolsonaro, defende Olavo de Carvalho e diz que o Centrão será punido pelas urnas se não se alinhar aos projetos do Planalto
03.05.19

Eleita deputada pelo Distrito Federal, Beatriz Kicis Torrents de Sordi estava no grupo restrito que acompanhou a apuração dos votos do segundo turno das eleições na casa de Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro. Ela também participou, animada, da festa da vitória que veio na sequência. Gravou vídeos, entrevistou os demais presentes e, depois, postou-se ao lado de Bolsonaro em suas primeiras declarações como presidente eleito em cadeia nacional. A amizade entre os dois começara quatro anos antes, quando ela passou a acumular o cargo de procuradora do Distrito Federal com as tarefas de ativista de movimentos civis ligados à direita brasileira.

Bia Kicis, como é conhecida, virou referência na militância. Ganhou ainda mais notoriedade quando passou a compor um grupo de juristas que infernizava a vida de Dilma Rousseff com sucessivos questionamentos jurídicos às medidas de seu governo. Conseguiu, por exemplo, derrubar na Justiça uma doação de 60 milhões de reais ao presidente da Bolívia, Evo Morales. Organizou ainda muitas das manifestações em Brasília que culminaram na queda da petista. Decidiu entrar oficialmente para a política e, depois de obter 86.415 votos, tornou-se uma das pontas de lança de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

Hoje, ela é a parlamentar do PSL mais próxima do presidente. Também é íntima de Olavo de Carvalho, o professor de filosofia que, a partir de seu rancho no estado americano da Virgínia, lidera uma batalha contra a ala militar do governo. A deputada evita se envolver disputa, mas se derrete em elogios ao guru, que, diz, foi o responsável pelo “despertar da nação brasileira”. Sobre o governo, ela entende que é cedo para fazer avaliações. E acredita que políticos de partidos como os do Centrão serão punidos nas urnas se não aderirem às propostas do Planalto. A seguir, os principais trechos da entrevista que a deputada concedeu a Crusoé.

Já se passaram mais de 100 dias de governo. Onde Jair Bolsonaro acertou e onde ele errou até aqui?
Todo dia ao acordar o primeiro pensamento meu é agradecer a Deus porque o presidente é Bolsonaro. Se não fosse ele, nós teríamos (Fernando) Haddad na Presidência. Imagine hoje a gente com Haddad na Presidência, o Lula possivelmente solto e o governo brasileiro apoiando um genocida como (o ditador venezuelano) Nicolás Maduro. Então eu fico muito feliz.

A que a sra. atribuiu a queda na popularidade de Bolsonaro?
Conheço pessoas que têm empresas de pesquisa e o que eles me disseram na semana passada é que, se o Bolsonaro concorresse hoje, ele ganharia do mesmo jeito e até com mais votos do que teve no ano passado. Não estão sentindo essa perda de aprovação popular. Ele continua com a mesma legitimidade, e até se fortalecendo.

Além de ter derrotado o PT, o que mais o bolsonarismo tem a mostrar?
Eu digo que esse é um ponto para não se esquecer. Quando as pessoas começam a reclamar, eu falo: “Imagine se fosse o Haddad onde nós estaríamos”. Aí você dá um choque de realidade na pessoa. Isso não quer dizer que está tudo perfeito. Claro que não! Tem muito a ser feito, mas nós temos quatro anos pela frente e são cento e poucos dias de governo. É muito pouco tempo.

A maior fragilidade do governo está na relação com o Congresso?
A relação do Executivo com o Legislativo não é fácil. Mas se fosse para ser fácil, era só ter continuado do jeito que era. Só que esta casa aqui (a Câmara) perdeu sua honradez durante muito tempo. Se curvou perante o Executivo e o Judiciário. Dificuldade todo mundo tem em início de governo, ainda mais quando você chega para mudar, para romper com as coisas que estão erradas e que dominam o sistema. Mas não, não acredito que o problema seja a articulação. O problema está no que as pessoas pensam que seja articulação política. Eu venho para sentar e conversar e, de repente, a pessoa fala: “Eu só voto se eu conseguir um cargo no ministério, isso e aquilo”. Como você conversa com uma pessoa dessas?

Como?
O Parlamento precisa perceber que o eleitor está de olho, que mudou também e não vai aceitar esse tipo de coisa. Então a pressão eu acho que não tem que vir de dentro do Parlamento mais, a pressão hoje vem das ruas. Nós temos parlamentares que já estavam aqui e que foram reeleitos e estavam acostumados a jogar de um jeito. Eles estão tendo que aprender a jogar de uma forma nova. E temos parlamentares novos de primeiro mandato, muitos como eu, que temos que aprender o jogo. Só que a gente tem que aprender o jogo novo. Queremos fazer política aqui dentro, não safadeza.

Acha que o Congresso se adaptará a Bolsonaro?
Vai dar, vai dar. Sabe por quê? Porque as pessoas têm que se adaptar aos novos tempos se elas quiserem sobreviver. Aqueles parlamentares que estão jogando dessa forma vão ter uma surpresa de ver a voz do povo fazendo uma pressão aqui dentro e essa conta ser jogada no colo deles, caso eles não trabalhem em prol do Brasil. Não adianta dizer que não tem medo das redes sociais, que não é rede social que traz voto. Os votos realmente estão aqui dentro, mas as redes sociais ajudam a colocar as pessoas que vão votar aqui dentro e ajudam a tirar aqueles que não quiserem colaborar com o Brasil.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“Temos que trabalhar o chamado Centrão porque precisamos dos votos deles”
Significa que quem não se adaptar vai sofrer na urna?
Eu não tenho a menor dúvida disso.

É possível domar o Centrão?
Temos que trabalhar o chamado Centrão porque precisamos dos votos deles. Sem eles a gente não aprova nada. Tem vários que já estão vindo, estão dispostos (a ajudar), já enxergaram que isso é bom. Querem só se sentir inseridos, poder conversar com o presidente Bolsonaro, ter uma participação nas suas bases, nos seus estados. Colaborar colocando pessoas que são alinhadas a eles nos postos, porque você não entrega políticas públicas se não tiver pessoas alinhadas. Agora, tem os outros que vão ser mais duros, que estão acostumados com a velha prática e ainda não estão convencidos que terão que abrir mão dela. Essas pessoas vão requerer um pouco mais de cuidado. Quero saber se estão dispostas a pagar o preço de terem esse jogo exposto para a população de que foram eles que impediram o Brasil de dar certo.

A sra. acredita que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alimenta essa rebelião contra o governo?
Ele é um cara que lida com todos. Faz parte do papel dele de presidente também saber lidar com essas pessoas. É uma pessoa comprometida com a reforma da Previdência. Com relação às pautas conservadoras, de costumes, a gente sabe que não pode contar muito com ele, que ele não vai ajudar nem atrapalhar. E acho também que essas pautas nós podemos deixar mais para frente, para os últimos dois anos. Vamos primeiro resolver a parte econômica. Em paralelo, vamos trabalhando as outras causas, mas não precisamos botar para votar agora.

Quais seriam essas pautas?
Queremos conter o ativismo do STF, principalmente sobre aborto. Debater o Escola Sem Partido também.

Qual é sua relação com Olavo de Carvalho?
Conheci o Olavo por intermédio do meu cunhado, que é do Escola sem Partido, e da minha irmã. Sou aluna do COF (o curso online de filosofia oferecido pelo guru). Já estive com ele nos Estados Unidos duas ou três vezes. Eu o respeito muito. Ele fez aniversário por estes dias e eu tuitei agradecendo por tudo o que ele já fez por esse Brasil. O que não quer dizer que eu concorde com tudo o que ele fale.

Ele é a grande força ideológica do atual governo?
Ele foi a pessoa que despertou os brasileiros. Ele que começou a falar de Foro de São Paulo, que eu nunca tinha ouvido falar. Foi por intermédio dele que fui entender o que era o PT, globalismo, o que está acontecendo na sociedade, nas universidades. Então como não vamos respeitar um homem desses?

Afinal, Olavo de Carvalho tem influência sobre o governo?
Claro que tem. Lógico. Ele tem muita influência. Você pode não concordar com ele, mas não pode não considerá-lo.

Que tipo de influência?
O Bolsonaro confia nele, no trabalho dele, sabe que foi ele que despertou essa nação. O Eduardo e o Carlos (os filhos do presidente) são muito próximos a ele.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“O professor Olavo enxerga coisas que depois outras pessoas começam a enxergar também”
E essa briga dele com militares?
Existe conflito? Quem sou eu para negar? Está na cara. Existe. Mas eu confio no tino político do nosso presidente. Acho que ele vai saber na hora certa para que lado ir.

De onde surge esse conflito? É disputa de espaço?
Não acredito que seja disputa de espaço. Acho que o professor Olavo enxerga coisas que depois outras pessoas começam a enxergar também. Acontece isso. De novo. Não significa que eu concorde com tudo o que ele fala. Mas não se pode tirar a razão também das coisas que ele fala.

O embate maior é com o vice-presidente, Hamilton Mourão.
O fato é que o general Mourão fez declarações contrárias à pauta do nosso presidente. A gente pode fingir que isso não está acontecendo, mas…

Concorda com Olavo quando ele diz que Mourão é conspirador?
Não acho nada disso. Não sei. Então não vou me arriscar a falar sobre isso.

E o que a sra. pensa sobre o vice Mourão?
Acho que é um homem culto, que quando veio para ser vice a gente sentiu um conforto. Falei: “Pô, imagina se vão querer tirar o Bolsonaro para colocar o Mourão no lugar. Nunca vão querer isso”. Mas gera um desconforto para a gente, sim, quando ele, por exemplo, defende bandeiras contrárias (às de Bolsonaro).

Por exemplo.
Como a liberação do aborto.

E por que ele faz isso?
Não sei. Pergunte para ele. Não vou julgar porque eu não sei. O professor Olavo tem o entendimento dele sobre isso.

Não é exagerada a influência dos filhos do presidente sobre ele?
O Carlos, falem o que for, defende o pai dele. Ah, se é por meio do Twitter, Instagram, sei que o resultado é esse: ele defende o pai.

A sra. entende que a influência dos filhos é positiva?
São as pessoas em quem o presidente mais confia. A gente não vai pedir para ele abandonar a família dele. Às vezes, podem errar um pouco a mão aqui, às vezes acho estranha uma opinião ou atitude. Mas são os filhos dele. Não adianta ninguém pedir para ele largar os filhos de lado porque ele confia nessas pessoas. Elas estão ali para protegê-lo.

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