A guerra do Planalto
O que antes eram apenas críticas de bastidores, somadas a estocadas sazonais e cifradas nas redes sociais, virou guerra. Por três dias seguidos, Carlos Bolsonaro, o filho do meio do presidente da República, disparou freneticamente contra o vice-presidente, o general Hamilton Mourão. O 02 expôs claramente que a desenvoltura de Mourão incomoda e é vista com desconfiança pelo núcleo familiar do presidente. A impressão é de que o vice quer substituir o titular. Por mais que tenha se esforçado para não demonstrar publicamente sua inquietação, Mourão se irritou com as críticas.
Tudo começou no sábado, 20, quando um vídeo do escritor Olavo de Carvalho com ataques à ala militar do governo, que tem em Mourão seu principal representante, foi postado no canal de Jair Bolsonaro no Youtube – as redes do presidente, já não é mais segredo para ninguém, são administradas por Carlos. Na manhã seguinte, o vereador redobrou o esforço para difundir a mensagem de Olavo. O vídeo foi apagado no início da noite do domingo. Mas as poucas horas em que esteve no ar foram suficientes para acirrar os ânimos.
Parlamentares do PSL e militares com assento no Planalto fizeram fila para reclamar com o presidente da postura de Carlos Bolsonaro. Pediram que ele contivesse o 02. A reclamação parecia ter surtido efeito. Na noite de domingo, o vereador anunciou que começaria uma “nova fase”, “longe de todos que de perto nada fazem a não ser para si mesmos”. “O que me importou jamais foi o poder. Quem sou eu neste monte de gente estrelada?”, ele postou no Twitter. A “gente estrelada” a que Carlos se referia eram justamente os generais.
O 02 também postou, como mais uma evidência do que considera ser um movimento calculado de Mourão para se contrapor ao pai, a imagem do programa de um evento para o qual o vice fora convidado, nos Estados Unidos, a propósito dos 100 dias de governo. O texto dos organizadores era crítico a Bolsonaro e dizia que Mourão “emergiu como uma voz de razão e moderação”. Foram sete postagens, ao todo, com petardos contra o vice. Em outra, o filho do presidente escreveu: “Estranhíssimo seu alinhamento com políticos que detestam o Presidente.” Nessa, ele se referia ao discurso adotado por Mourão logo após surgir a notícia de que o ex-deputado Jean Wyllys, do PSOL, deixaria o país.
Os ataques de Carlos Bolsonaro foram endossados por seu irmão mais novo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o 03 afirmou que o 02 estava apenas reagindo a “isso tudo que salta aos olhos” e que as declarações do vice causam ruído. O mais moderado entre os três filhos políticos do presidente, o 01, optou pelo comedimento: a Crusoé, o senador Flávio Bolsonaro disse que não gostaria de jogar “gasolina na fogueira”. “Me poupe, irmão.”
A fogueira já não precisava de mais gasolina. Mourão, nos bastidores, dava sinais claros de descontentamento. Não só com Carlos, mas com o próprio Jair Bolsonaro. Segundo interlocutores, o vice ficou especialmente irritado ao ler notícias de que o presidente estaria incentivando os ataques. Na terça-feira, o vice se queixou diretamente a Bolsonaro. Acordou cedo e chegou à reunião ministerial no Palácio da Alvorada antes dos demais ministros para conversar com o presidente sobre o assunto. Ficou combinado que haveria um esforço conjunto para evitar mais confusão. Dali em diante, os dois fizeram questão de dizer que os ataques eram “página virada”.
Apesar do esforço de pacificação de parte a parte, Bolsonaro, de novo, evitou fazer críticas ao filho. Disse que tem conversado com Carlos e que “nem sempre” fica satisfeito, mas ponderou que o 02 tem liberdade de falar e que continuará “colaborando” na gestão de suas redes sociais. Olavo de Carvalho recebeu um puxão de orelhas.
Hamilton Mourão, sentado à direita do presidente, mostrou-se resignado com a situação. “Todo mundo tem direito a emitir sua opinião. Não é porque o Carlos é filho do presidente que ele tem que ficar de bico calado. Se ele não gosta de determinadas coisas, de determinadas ações minhas, ele tem o direito dele de expor. E a partir do momento em que eu me predispus a participar do jogo político, eu estou para ser criticado. Já falei para vários colegas que eu, na profissão que exerci por 46 anos e o Bolsonaro por 15, a gente não podia ser aplaudido, mas também não podia ser vaiado. Agora tem gente que me aplaude e tem gente que me vaia. Faz parte do jogo”, disse Mourão.
Perguntado por Crusoé se avaliza ou incentiva as críticas do filho ao vice, Bolsonaro respondeu: “Pode ter certeza que eu converso com ele (Carlos), e nem sempre eu fico satisfeito. E ele, como o general disse aqui, tem liberdade de falar”. E há algo na postura do vice que o incomoda? “Olha só. Ele (Carlos) tem o direito de falar, pô. Até a esposa dele (Mourão), que está em casa super apaixonada, reclama, pô. Mas, ao contrário do meu filho, eu não critico nem elogio”, disse o presidente.
A despeito da operação para tentar a pacificação, e da promessa de Bolsonaro de que o filho deverá entrar em uma fase mais serena, o 02 não pretende parar com os ataques. A estratégia é constranger Mourão, deixando cada vez mais claro que ele age contra o que pensa Bolsonaro. “A gente quer fazer ele se tocar e ver que ele está atropelando e indo contra o governo Bolsonaro”, Crusoé ouviu, sob a condição de anonimato, um membro do clã. A bandeira branca, aparentemente, está longe de ser hasteada.
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