U. Detmar/STFO prédio do Supremo: caberá ao plenário chancelar (ou derrubar) a decisão de Toffoli

Um ponto (muito) fora da curva

Em diversas decisões tomadas nos últimos dez anos, os membros do Supremo foram firmes em defender o direito à liberdade de expressão e de imprensa. O deslize se deu, curiosamente, quando a reportagem envolvia o presidente da corte
19.04.19

Órgão máximo do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido, nestes anos de regime democrático, um dos garantidores da liberdade de imprensa no país. Em diversos momentos da história recente, seus membros tomaram decisões que derrubaram a censura a veículos da imprensa tradicional, sites e blogs. Um julgamento histórico da corte tem norteado várias decisões para derrubar a censura a publicações. Trata-se do entendimento firmado na sessão plenária do dia 30 de abril de 2009. Nesse dia, por maioria, o tribunal entendeu que a Lei de Imprensa, implementada em 1967, durante o regime militar, não é compatível com a Constituição de 1988, que restabeleceu a democracia no país.

Desde então, o entendimento é o de que a liberdade de expressão e de imprensa devem ser garantidas, evitando-se ao máximo a intervenção do Judiciário. O plenário da corte ainda voltou a tratar do tema em outros dois julgamentos emblemáticos, entre eles o das biografias não-autorizadas, em 2015. Nos dois casos, manteve-se o entendimento de que as intervenções da Justiça contra divulgação de notícias e informações devem ser a exceção — tais medidas só devem ser consideradas em casos drásticos que envolvam crimes como, por exemplo, acusar uma pessoa inocente de ser pedófila.

Ironicamente, o presidente do STF, ████ ███████, ao anunciar no dia 14 de março a abertura de um inquérito para apurar a suposta divulgação de notícias falsas, ameaças e calúnias contra integrantes do STF, fez uma defesa enfática da liberdade de imprensa. “Tenho dito sempre que não existe estado democrático de direito, democracia, sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre. Este Supremo Tribunal Federal sempre atuou na defesa das liberdades e, em especial, da liberdade de imprensa, em vários de seus julgados”, afirmou no plenário. Foi nesse mesmo inquérito que, um mês mais tarde, o ministro █████████ ██ ██████, escolhido a dedo por ███████ para conduzir a investigação, determinou a censura a Crusoé.

O histórico de manifestações e de decisões dos integrantes da corte mostra o quanto o embargo destoa do que tem sido a tônica do tribunal, responsável por resguardar a Constituição. A seguir, algumas das declarações mais contundentes já proferidas pelos atuais ministros do Supremo.

 

█████████ ██ ██████

“O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional.”

“No estado democrático de direito, não cabe ao poder público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, – como pretendido nos dispositivos impugnados – no controle do juízo de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação de programas humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.”

(Trechos do voto no julgamento sobre a utilização de sátiras e montagens com os candidatos durante as eleições, ocorrido em junho de 2018)

 

CÁRMEN LÚCIA

“Afirma-se que a questão posta diz com liberdade de expressão. Aprendi que liberdade é expressão! A liberdade expressa-se, porque o que não se pode expressar é carente de liberdade. A censura é a mordaça da liberdade, E quem gosta de mordaça é tirano. Quem gosta de censura é ditador. Censurar é repreender, desaprovar. Não vale por conta desta contrariedade impedir-se que o outro se expresse.”

“Abusos, repito, podem acontecer e acontecem, mas em relação a qualquer direito. Na espécie vertente, a interpretação dos dispositivos civis, quanto a biografias, que têm função social de relevo para o conhecimento da história e o seu encaminhamento, o que não me parece constitucionalmente admissível é o esquartejamento das liberdades de todos pela censura particular. O querer de um ser humano, importando a sua dignidade, há de ser protegido pelo Direito. Mas o Direito não existe para Robinson Crusoé. Quando chega o Sexta-Feira e a comunicação se estabelece, nesse momento a ciranda começa. ‘Cala a boca já morreu’. Isso a Constituição da República garante.”

(Trechos de votos nos julgamentos sobre o uso de sátiras, em 2018, e sobre a liberação de biografias não autorizadas, em 2015)

 

CELSO DE MELLO

“A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do estado, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.”

“Vê-se, pois, que a crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na condução dos negócios de estado, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão de abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, à possibilidade de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo, tal como pude decidir em julgamento monocrático proferido nesta Suprema Corte.”

(Trechos do voto no julgamento sobre a Lei de Imprensa, concluído em 30 de abril de 2009)

 

████ ███████

“Ressalte-se: toda a lógica constitucional da liberdade de expressão e da liberdade de comunicação social aplica-se aos chamados ‘blogs jornalísticos’ ou ‘jornalismo digital’, o que resulta na mais absoluta vedação da atuação estatal no sentido de cercear ou, no caso, de impedir a atividade desempenhada pelo reclamante, como se tem na espécie.”

(Trecho de decisão proferida ao analisar um recurso de um jornalista que recebeu uma determinação da Justiça estadual do Mato Grosso do Sul para retirar seu blog do ar, devido a críticas que fez contra membros do Ministério Público do estado)

 

GILMAR MENDES

“Esta Corte já afirmou que há um sobrevalor tutelado pela Constituição quando está em jogo a liberdade de imprensa, não só como direito individual, mas até como um direito marcante do próprio processo democrático. A crítica aos governos e aos agentes políticos é, portanto, um elemento fundamental da própria democracia.”

“A norma aplicada pelo juízo reclamado dirige-se primeiramente aos agentes públicos envolvidos no processo judicial e no inquérito policial. A eles cabe o dever de guardar sigilo e de preservar a identidade e a imagem do colaborador. Se os meios de comunicação vierem a ter acesso a tais informações, não pode o estado, previamente, proibir a divulgação, sob pena de censura prévia.”

(Trechos de decisão de junho de 2016 que acolheu o recurso da revista Veja, que havia sido proibida pela Justiça Federal de São Paulo de divulgar o nome e a imagem do delator Alexandre de Oliveira Romano)

 

LUÍS ROBERTO BARROSO

“Nós temos uma história de desrespeito à liberdade de expressão que começa na certidão de nascimento da nação brasileira, quando o padre Manuel Aires de Casal mandou cortar vários trechos da carta de Pero Vaz de Caminha que considerou indecorosos. A partir dali veio uma certa tradição de intervenção estatal na liberdade de expressão, da qual não nos livramos até hoje e em relação à qual, eu devo registrar a nosso crédito, o Supremo Tribunal Federal tem tido um papel importante, quando não decisivo, para superar esta cultura censória que se manifesta muitas vezes, inclusive, por intervenção judicial.”

“O exercício dos direitos políticos, o exercício dos direitos sociais e o exercício dos direitos individuais não podem prescindir da livre circulação de informações, para que as pessoas possam exercê-los esclarecidamente e até para que possam ter consciência dos seus próprios direitos.”

(Trecho do voto no julgamento sobre a utilização de sátiras e montagens com os candidatos durante as eleições, ocorrido em junho de 2018)

 

LUIZ EDSON FACHIN

“É certo que a matéria jornalística publicada possui relevância informativa, consentânea com a publicidade e a transparência que devem reger atividades e atos de candidatos e parlamentares. A vedação da veiculação das informações enseja dano irreparável a esse virtuoso controle público e popular.”

(Trecho de decisão de fevereiro de 2017, que acatou um recurso do site Brasil Post contra decisão da Justiça de primeira instância que mandou retirar as citações a um deputado em uma reportagem sobre fichas-sujas)

 

LUIZ FUX

“Vedar a publicação de matérias ao argumento de que não comprovadas a contento suas alegações pode gerar indesejável chilling effect (efeito inibidor) na mídia, que passaria a ter de se comportar como verdadeira autoridade policial na busca da verdade material.”

“Parece-me assente, por conseguinte, que as circunstâncias concretas deveriam sujeitar a delegada a um maior nível de tolerância à exposição e escrutínio pela mídia e opinião pública, e não menor. É dizer, seu cargo público é motivo para que haja ainda maior ônus argumentativo apto a justificar qualquer restrição à liberdade de informação e expressão no que toca a sua pessoa e o exercício de suas atividades públicas.”

(Trecho de voto no julgamento realizado em junho de 2018 de um recurso movido por um jornalista que teve uma publicação crítica à delegada Erika Marena, que atuou na Lava Jato, retirada de seu blog pela Justiça do Paraná)

 

MARCO AURÉLIO MELLO

“Evidentemente, é preciso aceitar até mesmo a revelação, considerados homens públicos, no sentido abrangente, de aspectos ligados à vida privada. A incolumidade do perfil do homem público não é a mesma do cidadão comum. A privacidade do cidadão comum é diversa da privacidade do homem público.”

“Presidente (do STF, na ocasião era o ministro Ricardo Lewandowski), havendo – vou repetir – conflito entre o interesse individual e o coletivo, a solução, sopesando-se valores, está em dar-se primazia, em dar-se predominância, ao interesse coletivo, e este – pelo menos falo, porque, repito, leio apenas as biografias não autorizadas – é o dos cidadãos em geral.”

(Trechos de voto no julgamento sobre biografias não autorizadas)

 

RICARDO LEWANDOWSKI

“Eu penso que os problemas da democracia hoje, e no mundo todo, no campo da informação, são basicamente dois. Em primeiro lugar, como já agora acaba de demonstrar o ministro Luiz Fux, nós temos a disseminação generalizada de fake news, que não raro vêm revestidas sob a forma de sátira – e todos nós que fomos presidentes do TSE, em época de eleição, verificamos isso. As sátiras, não raro, revestem-se de fake news ou veiculam fake news. Em segundo lugar, a mim me parece que o segundo grande problema é a instalação de um pensamento único, hegemônico, que só pode ser combatido mediante a garantia da livre circulação de opiniões. Para mim, portanto, senhora presidente, a prática da democracia está indissoluvelmente ligada à liberdade de expressão, porém necessariamente associada ao pluralismo de ideias e à divisão de mundo.”

(Trecho de voto no julgamento de junho de 2018 sobre o uso de sátiras a candidatos nas eleições)

 

ROSA WEBER

“Mostra-se substantivamente incompatível com o estado democrático de direito a imposição de restrições às liberdades de manifestação do pensamento, expressão, informação e imprensa que traduzam censura prévia.”

“A Constituição veda, não somente ao poder público, mas também ao particular, a interferência nas liberdades de manifestação e de expressão mediante o emprego de artifícios institucionais, como a licença e a censura prévias, que atuem no sentido de delinear o seu conteúdo.”

(Trechos de voto no julgamento sobre biografias não autorizadas, em junho de 2015)

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