MarioSabino

E lá fui eu parar na PF outra vez

19.04.19

Na última terça-feira, dia 16 de abril, apenas 24 horas depois de ser intimado pelo ministro Alexandre de Moraes, eu me apresentei ao delegado da Polícia Federal escolhido para conduzir o inquérito sigiloso e inconstitucional aberto para intimidar a imprensa (a história de que serve para apurar fake news e ameaças ao STF nas redes sociais é conversa para boi dormir. Pegaram uns coitados ao acaso). Foi a quarta vez na minha carreira profissional que me vi convocado a comparecer diante de um delegado pelo fato de ser jornalista. Na primeira, em 2008, fui à mesma Superintendência da PF em São Paulo, como redator-chefe da Veja, para sair de lá como o único indiciado no caso do dossiê dos aloprados. Contei essa história aqui, há menos de um mês. Em 2016, Lula também quis me levar para uma delegacia, sob a acusação de que O Antagonista era uma associação criminosa. Nossos advogados conseguiram evitar essa ignomínia. Em 2017, Wagner Freitas, presidente da CUT, foi outro a querer que um delegado me interrogasse. A tentativa foi novamente abortada.

É perturbador que um jornalista, pelo fato de exercer a sua profissão, seja intimado a ir quatro vezes à polícia, na vigência de um regime democrático. Tendo a crer que sou um recordista no Brasil. O delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes não soube dizer aos meus advogados em qual condição eu estava ali: se de investigado, testemunha ou, sei lá, colaborador. Ele afirmou ainda que, por ser sigiloso, desconhecia o teor exato do inquérito a meu respeito. Sim, você leu certo: o delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes disse não ter ideia sobre o que estava sendo investigado a meu respeito. Se é que eu era investigado, claro.

Eu, no entanto, sei que não há objeto de investigação nenhum. Apenas quiseram calar a boca dos jornalistas da Crusoé e de O Antagonista que ousaram fazer reportagens sobre ministros do Supremo Tribunal Federal. Como não conseguiram – e nem conseguirão, se o Brasil realmente for uma democracia digna de tal nome –, o inquérito teratológico ampliou a sua ousadia autoritária, com Alexandre de Moraes prestando-se ao papel vexaminoso de censor da Crusoé e de O Antagonista.

Dias Toffoli e Alexandre de Moraes nutrem a ilusão de que irão destruir a Crusoé e O Antagonista, acusando-me de estar à frente de sites que não são jornalísticos, mas destinados a produzir notícias falsas contra o Supremo Tribunal Federal, em conluio com procuradores da Lava Jato e militares golpistas – ambos os veículos financiados por gente escusa do mercado financeiro. A ideia agora, pelo que depreendo, é tentar provar que não sou jornalista, embora tenha 35 anos de carreira e seja sócio-fundador de O Antagonista, que tem 15 milhões de leitores únicos por mês, e da Crusoé, a primeira revista inteiramente digital do país, que conta hoje com 72 mil assinantes.

Dias Toffoli mostrou que seguirá o caminho de tentar nos desqualificar e criminalizar, em entrevista ao Valor. Ele disse que orquestramos narrativas inverídicas para constranger o Supremo às vésperas de uma decisão sobre a prisão de condenados em segunda instância, o que seria obstrução de administração da Justiça. Respondi no jornal que o único constrangimento causado ao Supremo se dá pelo comportamento abusivo de Dias Toffoli, que está abolindo o devido processo legal, com o seu inquérito inconstitucional.

No dia seguinte, a Crusoé publicou que Dias Toffoli simplesmente mentiu ao Valor. Porque a reportagem foi publicada na quinta-feira, dia 11, “o julgamento estava marcado para o dia 10, um dia antes de ela ser publicada, mas já havia sido adiado seis dias antes, no dia 4, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. E nem sequer havia sido marcada uma nova data. Alem disso, o documento da Odebrecht em que se baseou a reportagem foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril — após o julgamento ter sido adiado, portanto”. Pergunto-me se Dias Toffoli mentiria assim diante do delegado da Polícia Federal que tomou o meu depoimento.

O presidente do Supremo Tribunal Federal também disse ao Valor que a Crusoé e O Antagonista não são imprensa livre, mas “imprensa comprada”. Respondi no jornal que não recebemos mesada e que Dias Toffoli não está imune a processo por calúnia.

Dias Toffoli e Alexandre de Moraes imaginavam que nós nos acovardaríamos porque teríamos rabo preso. Nós não nos acovardamos porque não temos o rabo preso. Eles imaginavam que não teríamos apoio dos grandes jornais e das emissoras de rádio e TV. Nós tivemos o apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Todos perceberam que a ameaça não era apenas contra nós, mas contra a liberdade de imprensa. Eles imaginavam que nós mentíamos sobre a nossa imensa base de leitores. Nós temos uma imensa base de leitores, que podem não concordar com todas as nossas opiniões, mas sabem que somos honestos e transparentes. Os nossos ganhos são financiados por publicidade, jamais estatal, e assinaturas. Em 2018, finalmente consegui recuperar o dinheiro que gastei das minhas economias, enquanto procurávamos viabilizar comercialmente O Antagonista. Eles imaginavam que não contaríamos com o apoio de juristas e entidades de classe. Nós tivemos o apoio de juristas e entidades de classe.

A censura foi levantada, mas não sei até que ponto os demais ministros do Supremo Tribunal Federal deixarão essa alopragem correr solta. Sugiro modestamente que contenham Dias Toffoli e Alexandre de Moraes (o despacho que levantou a censura que não era censura, por exemplo, tem pegadinhas). A pretexto de salvaguardar o Supremo, a dupla só fez afundar ainda mais a imagem do tribunal como guardião da Constituição. São eles, portanto, que ameaçam a corte. Sem o Supremo Tribunal Federal, não há democracia. Assim como não há democracia sem liberdade de imprensa, o que significa o direito de criticar e fiscalizar todas as instituições, inclusive o STF. E, não canso de repetir, a liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a exercemos. Se tiver de voltar à PF, direi isso ao delegado.

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