LeandroNarloch

Censura é tiro no pé

19.04.19

Os editores de Crusoé não deveriam saber disso, mas eu não tinha lido a reportagem “O amigo do amigo de meu pai” até a segunda-feira. Quando Alexandre de Moraes censurou a revista, nem foi preciso ler a matéria: todas os canais de TV e jornais concorrentes falavam sobre ela. Recebi o arquivo pdf em quase todos os grupos do WhatsApp – até mesmo naquele grupo de velhos amigos homens que geralmente é usado apenas para o compartilhamento de fotos de mulheres não exatamente vestidas e vídeos de erros engraçados em gravações de filmes adultos.

Ao censurar a reportagem, Alexandre de Moraes ajudou a difundi-la para milhões de brasileiros.

O fenômeno tem um nome: efeito Streisand. Em 2003, a cantora Barbra Streisand descobriu que um fotógrafo havia incluído uma foto aérea da mansão dela num catálogo de imagens da costa da Califórnia. Pouca gente daria atenção à imagem, pois o objetivo do fotógrafo era registrar o processo de erosão naquele litoral. Mesmo assim, Barbra processou o homem, pediu indenização de 10 milhões de dólares e exigiu que ele excluísse a imagem. A cantora não só perdeu o processo como tornou a foto popular. Até o assunto virar notícia, só meia dúzia de interessados tinha acessado a imagem; depois, foi vista por milhões de pessoas.

Há exemplos dos mais divertidos do efeito Streisand. O filme A Entrevista, uma deliciosa comédia B sobre o ditador Kim Jong-un, não teria feito tanto sucesso nem chamado tanta atenção se o governo norte-coreano não tivesse tentado impedir a exibição. Em 2014, Dilma Rousseff entrou com uma representação no TSE contra a Empiricus, que tinha publicado relatórios como “Saiba como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma”. A presidente recebeu um “não” do TSE e ainda fez o número de assinantes da Empiricus saltar de 3 mil para 30 mil.

Do mesmo modo, o Uber bateu recordes de downloads no Brasil depois que protestos de taxistas ou proibições contra o aplicativo motivavam reportagens no Jornal Nacional. Ao dar notícia, os taxistas aumentaram a exposição do concorrente em plena TV aberta. Foi assim no mundo todo. O cadastro de clientes do Uber aumentou 850% na Europa no dia 11 de junho de 2014, quando houve manifestações de taxistas em Londres, Madri e Paris. Em Istambul, no ano passado, os protestos multiplicaram por cinco os downloads do aplicativo.

Censura, hoje, só aumenta o interesse por uma novidade ou uma informação.

A presepada do ministro do STF provocou mais uma consequência não-intencional. Alexandre de Moraes disse agir para evitar a desmoralização e preservar a imagem da Suprema Corte. Mas sua atitude foi tão descabida que acabou por desmoralizar o STF com muito mais intensidade que qualquer comentário raivoso contra a corte nas redes sociais.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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