RuyGoiaba

Palavras que valem por mil imagens

11.04.19

O grande acontecimento dos últimos dias – talvez das últimas décadas — foi terem conseguido captar pela primeira vez imagens de um buraco negro à inimaginável distância de 55 milhões de anos-luz deste planetinha. Trata-se de algo formidável sob qualquer aspecto: como disse o astrofísico Rodrigo Nemmen ao Estadão, “é como se você colocasse uma caneca na superfície da Lua e fotografasse esse objeto daqui da Terra”.

Foi necessário reunir dados dos radiotelescópios de oito observatórios espalhados pelo mundo e armazenar uma imagem que, informa a Folha, tem peso equivalente a “5 milênios de músicas MP3 tocando ou selfies tiradas por 40 mil pessoas ao longo de toda a vida”. A muito jovem Katie Bouman (29 anos!), uma das cientistas responsáveis pelo processo, foi fotografada com o montão de discos rígidos necessários para gravar a imagem do buraco negro, em uma versão “século 21” da cientista da computação Margaret Hamilton ao lado da pilha de códigos que ela escreveu para ajudar a levar os astronautas à Lua.

Ciente de tudo isso, não consigo deixar de achar que a foto resultante parece capa de álbum de alguma banda grunge dos anos 90, como o Soundgarden – e de um disco não particularmente bom. É um pouco como se você subisse uma montanha, com toda a cansativa preparação que as escaladas requerem (e que nunca fiz, já que reluto até em subir a um teleférico), para encontrar lá em cima uma versão 360° do descanso de tela do Windows do computador da sua tia-avó.

No fundo, é uma prova da insuficiência da imagem para transmitir essas grandes experiências (e, sim, sei que estou puxando a brasa para a minha sardinha, já que vivo de escrever e não de filmar ou fotografar). Sem toda a explicação – em palavras — do que é um buraco negro e dos incríveis esforços envolvidos em conseguir fazer uma imagem do fenômeno, a foto vira “a capa do disco grunge”. A própria viagem à Lua foi uma epopeia digna de Homero, mas as imagens dos primeiros astronautas, desprovidas do contexto, mostram basicamente uns caras com roupas engraçadas dando pulinhos em um terreno arenoso.

Uma das minhas frases favoritas de Millôr Fernandes é a resposta dele ao velhíssimo clichê da “imagem que vale por mil palavras”: “Tenta dizer isso sem palavras”. Com todo o respeito aos fotógrafos e pintores, ainda não inventaram nada mais expressivo que a palavra para tentar dar conta da amplitude da experiência humana (conseguir são outros quinhentos). Sim, incluindo aquelas piadas sobre “buraco negro” que dão vontade de desaprender a ler.

Reprodução/Flora GrahamReprodução/Flora GrahamKatie Bouman e seus discos rígidos (à esq.); Margaret Hamilton e seus códigos

*

Imaginem que um humorista alinhado à esquerda – Gregório Duvivier, por exemplo — xingue Jair Bolsonaro no Twitter (“miliciano”, “assassino”, algo assim). Bolsonaro envia uma notificação para que ele apague os tuítes. Duvivier faz um vídeo esfregando a notificação no saco e devolvendo-a ao Planalto por Sedex. O presidente abre processo por injúria, e uma juíza decreta a prisão do humorista.

Vocês, que estão aplaudindo a sentença de prisão de Danilo Gentili, fariam exatamente igual se os sinais ideológicos dos personagens fossem invertidos?

(A pergunta é retórica. Não precisam responder.)

***

A GOIABICE DA SEMANA

Já falei muito mal do general Mourão por aqui, antes de ele receber o que parece ter sido o melhor media training do Universo e se tornar uma espécie de “fada sensata” do governo Bolsonaro. Mas me sinto obrigado a citar aqui uma fala de uns dias atrás sobre seu apoio à construção de um muro entre os EUA e o México: “O presidente Bolsonaro já disse que apoia; se ele declarou, eu também apoio. Estou que nem um paraquedas com ele, estou com ele e não abro”.

Ou seja, se Bolsonaro se esborrachar no chão, Mourão vai junto. Só não consegui decidir se a frase é muito goiaba ou muito genial.

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