Adriano Machado/CrusoéInfluência em baixa às vésperas da nova prisão: o petista é até ouvido pelos companheiros, mas poucos seguem o que ele diz

O ocaso de Dirceu

A melancolia do outrora todo-poderoso chefe petista nos dias que antecedem a sua volta à prisão
11.04.19

Chefe do mensalão, expoente do petrolão e condenado a mais de 30 anos de prisão, o ex-ministro José Dirceu vive seus últimos e melancólicos dias de liberdade antes do certo retorno à cadeia.

A influência no PT, o partido que ajudou a estruturar e a chegar ao poder, se esvaiu. As vendas do livro no qual apostou para pagar suas contas ficou aquém das expectativas. Sua festa de aniversário, em março, foi esvaziada. Os companheiros de partido mais próximos até tentam agradá-lo, com conversas frequentes, mas ele já não é mais nem a sombra do que foi no auge da era petista no poder. As alegrias que vem tendo são poucas, como a provocação de mau gosto que seu filho, o deputado Zeca Dirceu, fez há duas semanas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, ao dizer que ele era “tchutchuca” com os abastados do país.

A volta à prisão é iminente. Em breve, ele será recolhido à penitenciária da Papuda, onde já esteve por uma longa temporada. O retorno ao cárcere se dará provavelmente em maio, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgará seu último recurso em uma ação da Lava Jato na qual ele é acusado de receber 2,1 milhões de reais em propinas decorrentes de um contrato da Petrobras com uma fornecedora de tubos.

Esse é apenas mais um entre vários processos a que o ex-todo-poderoso ministro petista responde por sua participação no petrolão. Nesse caso, foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A pena é de onze anos e três meses de prisão.

Dirceu está solto desde junho de 2018, graças a uma iniciativa do atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, seu ex-subordinado no PT e no governo Lula. Àquela altura, Toffoli integrava a Segunda Turma da corte e decidiu rever a pena do petista de ofício – sem que houvesse pedido da defesa. A decisão foi acompanhada por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

O processo era distinto daquele que o TRF deverá julgar no próximo mês. Referia-se ao recebimento de 15 milhões de reais em propinas pagas pela Engevix. Por essa frente de investigação da Lava Jato, Dirceu foi condenado a 23 anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e organização criminosa.

Às condenações pelo esquema de corrupção na Petrobras se somam os sete anos e onze meses de prisão da pena por corrupção ativa que lhe foi imposta pelo Supremo no processo do mensalão. No total, Dirceu cumpriu um ano de cadeia pelo mensalão e mais dez meses pelo petrolão — menos de 10% do somatório de todas as condenações.

O horizonte para o petista está longe de ser dos melhores. Além das sentenças que já carrega nas costas, ele é réu em outro processo, em que é acusado de receber 2,4 milhões de reais de empreiteiras por meio de contratos fictícios firmados com a sua empresa, a JD Consultoria.

Como se não bastasse, um relatório técnico do MPF apontou que a Odebrecht repassou, entre 2008 e 2012, pelo menos R$ 13 milhões a “Guerrilheiro”, um codinome atribuído a José Dirceu pelos delatores da construtora. O documento, de novembro de 2018, foi juntado a uma investigação sobre o petista e seu filho, o deputado Zeca Dirceu, que tramitava no STF, mas acabou remetida à Justiça Eleitoral do Paraná em março deste ano por Edson Fachin. Ante a profusão de acusações, ele já admite que, desta vez, vai ficar um longo período em regime fechado.

Nas conversas com amigos e colegas de partido, Dirceu tem deixado transparecer o desânimo. Embora ainda insista em tratar de política, e se esmere na distribuição de recomendações a serem seguidas pelo PT na oposição, ele gasta a maior parte do tempo falando sobre a expectativa do retorno à prisão.

O lançamento do livro em Ilhéus, na Bahia, foi dentro de um circo
Estranhamente, gosta de lembrar das temporadas que passou na Papuda. Fala da rotina, da disciplina e das amizades. Principalmente aquelas que fez com políticos com os quais compartilhou a vida no cárcere, seja na Papuda, seja em Curitiba, onde também esteve preso. É o caso dos ex-senadores Luiz Estevão e Gim Argello, do ex-deputado Pedro Correa e do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto.

A relação com Estevão, especialmente, tornou-se estreita. Adversários políticos no passado, os dois ficaram muito próximos na cadeia. Conversavam diariamente. Tratavam de política e de estratégias de defesa. O ex-senador chegou a oferecer a Dirceu a posição de articulista político em um site de sua propriedade. Depois, foi aconselhado a recuar da oferta porque a parceria não soaria bem.

Ao desfiar suas memórias da Papuda, Dirceu gosta de contar que Luiz Estevão, condenado pelo desvio milionário das obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, bancou uma reforma no presídio para que detentos como ele tivessem uma vida menos insalubre – as obras, que passaram a ser alvo de investigação do Ministério Público, foram feitas na ala da penitenciária para onde costumam ser levados os presos famosos.

“Chega na prisão, não dá para brigar com ela. Porque chega lá e tem insônia, depressão, toma remédio, chora, quer a mãe. Eu resolvi escrever. Mas tinha companheiros que só choravam. Não faziam a barba. Eu falava: ‘Você vai receber seus filhos assim? Vai se arrumar. Para de chorar’. É duro ficar preso. Mas a cadeia tem que ser uma trincheira”, diz.

Para além das conversas reservadas e da rotina de quase clausura (ele evita frequentar ambientes onde possa correr, o ex-ministro tem se dedicado a sessões de divulgação de seu livro, “Zé Dirceu Memórias – volume I”. Desde o lançamento, em novembro, ele já passou por 22 capitais e dezenas de cidades do interior do país. As sessões costumam ocorrer em sindicatos, centros culturais e até mesmo em circos. A aliados, ele jura que a venda dos livros é, hoje, sua principal fonte de renda.

“Ele está seguindo a vida normalmente, esperando as decisões judiciais. Está aí como camelô de livro, vendendo o livro dele pelas ruas”, diz Luiz Fernando Emediato, o editor de Dirceu. Até agora, já foram vendidos 30 mil exemplares do livro, cada um a 60 reais. O petista recebe em torno de 10% do valor bruto de cada unidade, o que permite concluir que, até agora, ele já faturou aproximadamente 180 mil reais pela obra – quase nada perto dos milhões apurados por ele nos esquemas de corrupção descobertos pela Lava Jato. As vendas ficaram abaixo do esperado. “Foram um pouco menos que as projetadas”, admite o editor, atribuindo o fracasso à situação de penúria das maiores livrarias do país.

Além da renda com o livro, por ter sido deputado, Dirceu também recebe uma aposentadoria de aproximadamente 10 mil reais. Seus bens, avaliados em mais de 11 milhões de reais, estão bloqueados. O petista vive com a filha e a mulher em um apartamento emprestado pela sogra em um bairro nobre de Brasília.

Os encontros para divulgar o livro – e levantar dinheiro – são organizados por militantes que garantem atuar voluntariamente. Em muitas ocasiões, o PT oferece ajuda com o espaço de seus diretórios para as sessões de autógrafos. Mas poucos dos figurões petistas comparecem, o que só confirma que a influência de outrora se esvaiu. Dirceu é ouvido, mas suas posições já não são determinantes. “Não é alguém que o PT vai tomar uma decisão a partir do que ele fala”, disse a Crusoé um dirigente do partido.

átima Meira/Futura Press/Folhapressátima Meira/Futura Press/FolhapressDirceu se orgulha das patacoadas do filho: poucos prazeres antes da volta à Papuda
Na noite desta quinta-feira, 11, Crusoé acompanhou uma dessas sessões de lançamento do livro no Gama, cidade-satélite de Brasília situada a 35 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. Era o retrato perfeito da nova fase de Dirceu. Na “Casa 5”, um espaço para eventos típico das periferias das capitais, encravado em uma rua escura, com calçamento irregular e repleta de bares com idosos jogando dama nas calçadas tendo ao fundo o som de cânticos de igrejas evangélicas vizinhas, não havia mais que 50 pessoas.

No salão de cerca de 300 metros quadrados, o petista falou por quase uma hora sobre a formação do estado brasileiro enquanto crianças aproveitavam, bem ao lado, um pula-pula. Pouco antes de Dirceu comer a falar, Chico Vigilante, deputado distrital e fundador do PT no Distrito Federal, fez um apelo aos presentes, repetindo a história de que o companheiro está necessitado: “É importante adquirir o livro porque o Zé não tem patrimônio e quer deixar uma poupança para a filha. Ele não sabe a situação dele nos próximos meses porque ninguém respeita a Constituição”.

Dirceu discorreu sobre a história do país (sob a ótica petista, claro), fez ataques ao presidente Jair Bolsonaro e abordou os dilemas do PT. “Se a situação mudou, nós temos que mudar. É ilusão pensar que não podem surgir outros partidos e lideranças. Quem aqui sabe o nome de alguém da direção do PT?”, provocou. Ninguém sabia. Para ele, tudo está mudando e o partido precisa se adaptar. Citou como exemplo da mudança a proximidade do petismo com grupos que, até há pouco, quando o partido estava no poder, eram tratados como inimigos: “Quem diria há seis meses que estaríamos hoje defendendo o STF? Que estaríamos defendendo a Globo e a Folha contra o Bolsonaro? Que a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) iria nos chamar para conversar?”. Ele se negou a falar com Crusoé.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO evento desta quinta na cidade do Gama, perto de Brasília: menos de 50 presentes
O papel diminuído de Dirceu no PT é bem exemplificado pelo espaço que Dirceu terá no seminário que o partido realiza neste final de semana. Batizado de “O PT e os desafios da esquerda no século 21: utopia e resistência”, ele participará de uma mesa que discutirá “Estratégia Socialista e defesa da democracia no Brasil”. Ao seu lado estarão gente do quilate do ex-senador Lindbergh Farias, derrotado na eleição de 2018, e Juliano Medeiros, presidente do PSOL. Outro exemplo é a festa mirrada para comemorar seus 73 anos, em março. O clima era de despedida. O petista se emocionou por diversas vezes. Em um claro sinal de vacas magras, foi pedido que cada convidado levasse aquilo que fosse beber. Não havia nenhum expoente petista na confraternização.

Apesar da perda de influência, Dirceu tem mantido relação permanente com os correligionários, em especial deputados e senadores do PT. Fala com alguns deles ao telefone pelo menos uma vez ao dia e participa de reuniões informais, sempre fora do partido, onde evita passar. Está alinhado a um movimento crescente para que a legenda se descole da pauta “Lula Livre” e passe a atuar em outras frentes, com o objetivo de evitar o isolamento político.

A avaliação desse grupo é a de que a pauta única em torno da libertação do ex-presidente pode até segurar o terço do eleitorado que os petistas acreditam ter, de qualquer modo, em todas as eleições. No entanto, o samba de uma nota só, dizem, impede a sigla de romper essa bolha e, consequentemente, voltar a ser uma alternativa de poder em 2022 – um sonho que os petistas ainda acalentam, apesar da fragorosa derrota em 2018.

Se prevalecer, esse movimento provavelmente resultará no afastamento da deputada Gleisi Hoffmann, a maior entusiasta da agenda “Lula Livre”, do comando partidário na eleição interna, prevista para outubro. Nas últimas semanas, diversos petistas, como o deputado José Guimarães, os senadores Jaques Wagner e Humberto Costa, o governador do Piauí, Wellington Dias, e o ex-ministro Luiz Dulci desembarcaram na cadeia em Curitiba para medir o ânimo de Lula em relação a uma eventual mudança na linha de atuação do partido.

O ex-presidente, que antes estava fechado com a recondução de Gleisi, agora tem dito que “ainda é cedo para falar disso”. Para quem conhece o chefão petista, trata-se de um sinal claro de que ele já começa a aceitar a substituição de Gleisi. Dirceu, porém, embora apoie essa estratégia, está longe de liderá-la. Sinal dos tempos.

O ocaso do ex-ministro tem feito também com que ele ensaie uma espécie de autocrítica sobre o período em que o PT governou o país, algo que ele mesmo sempre se recusou a fazer. “Uma coisa é caixa 2 de campanha e relação com empresas para campanhas eleitorais. Se temos que fazer uma autocrítica, é aqui. Mas sabemos que Lula está preso pela esquerda, pelo PT”, disse ele no evento desta quinta. Em um jantar recente com parlamentares, questionou: “Lula precisou criar maioria e trouxe junto os vícios da política, Haveria outro caminho?”. Defendeu ainda que o partido se renove e se repense. Aproveitou para se defender das inúmeras acusações e condenações contra ele na Justiça. Refutou ter cometido qualquer crime e apontou que quem o acusa, os delatores, foram os que mais ganharam dinheiro por meio dele. A Justiça, como é sabido, pensa diferente.

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