A princesa dos ovos podres
Há apenas cinco anos, a angolana Isabel dos Santos teve sua fortuna pessoal avaliada em 4 bilhões de dólares pela revista Forbes. Na época, ela participava de eventos sociais e era tratada como um exemplo de empresária independente e de sucesso. Seus investimentos em Portugal eram festejados como uma colonização ao avesso, capazes de aliviar a situação do pequeno país europeu, ainda tentando se recuperar da crise. Formada em engenharia eletrotécnica pelo King’s College de Londres, seu currículo a vendia como uma poliglota capaz de falar fluentemente português, inglês, russo, francês, espanhol e italiano. Para ilustrar a lenda que ela mesma ajudou a cultivar, Isabel contava que se iniciara no mundo dos negócios aos 6 anos de idade, vendendo ovos para funcionários da estatal petrolífera Sonangol. “Sou uma empreendedora que acredita que temos de tomar a iniciativa e descobrir as nossas próprias respostas”, dizia ela.
De lá para cá, a trajetória de Isabel entrou em curva descendente. Em novembro de 2017, Isabel foi exonerada do cargo de diretora da Sonangol pelo atual presidente do país, João Lourenço. Em março deste ano, ela perdeu uma disputa judicial dentro da empresa de telecomunicações de Angola, a Unitel. Isabel e outros acionistas foram obrigados a pagar o equivalente a 2,5 bilhões de reais para a operadora brasileira Oi, que detém 25% do negócio. Até a primeira quinzena de maio, ela também pode ser substituída na presidência do conselho da companhia. Em Angola, Isabel agora é conhecida como a “princesa dos ovos podres”. Em Portugal, tornou-se um “não assunto”, como dizem os lisboetas.
A ascensão de Isabel no mundo dos negócios internacionais não poderia ter ocorrido sem os favorecimentos de seu pai, José Eduardo dos Santos. No início da guerra civil, que teve início em 1961 e só terminaria em 2002, ele se juntou ao Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) e participou de ataques contra a ordem constituída. Em 1963, viajou para a União Soviética com uma bolsa para estudar engenharia e organizar os rebeldes comunistas. Lá, conheceu uma campeã russa de xadrez, com quem teve a filha, Isabel. Logo que a independência de Angola foi proclamada, em 1975, Santos tornou-se ministro de Relações Exteriores. Com a morte do presidente, Agostinho Neto, ele foi eleito para ocupar o seu lugar, em 1979.
“O estado angolano privatizou diversos negócios e passou as ações para o nome de Isabel, que era sócia em vários deles. Todas essas transferências foram sancionadas pelo Conselho de Ministros e aprovadas pelo presidente, de modo que tudo foi feito de maneira legal”, diz o sociólogo e historiador angolano Manuel Dias dos Santos, que criou a ONG Plataforma de Reflexão Angola, em Lisboa. Além disso, firmas de outros países interessadas em fazer negócios em Angola foram obrigadas a agradar a elite local, para conseguir autorizações e concessões. Isabel, que vivia no palácio presidencial com o pai, tornou-se acionista da maior empresa de telecomunicações do país, a Unitel, de bancos, de empresas de energia, de companhias que exploram diamantes e de uma distribuidora de cimentos. Em 2000, foi ela quem negociou a venda de 25% da Unitel para a Portugal Telecom, fatia que depois iria para as mãos da brasileira Oi, hoje em recuperação judicial. “Obviamente, existe uma relação umbilical entre o sucesso dela como empresária e o fato de ser filha do ex-presidente. São duas coisas indissociáveis”, diz a socióloga angolana Karina Carvalho, diretora executiva da ONG Transparência e Integridade, em Lisboa.
Em junho de 2016, quando começou a deixar o poder depois de 38 anos como presidente, José Eduardo Santos tomou decisões centrais para preservar o seu status e o de sua família. Ele nomeou Isabel diretora da estatal de petróleo Sonangol. Além disso, escolheu uma empresa cujo filho José Filomeno era sócio para gerir o fundo soberano do país, criado para investir localmente cerca de 5 bilhões de dólares obtidos com a venda de petróleo. O presidente também apontou João Lourenço, outro veterano da luta pela independência, como o nome do MPLA para substituí-lo no comando do país.
Nem tudo saiu como previsto. Assim que assumiu o poder, Lourenço teve que combater a corrupção, premido pela necessidade. O país, cuja exportação de petróleo representa um terço do PIB, afundava ainda mais com a queda mundial no preço do barril e o descontrole total da administração pública. Isabel foi exonerada da diretoria da Sonangol e seu irmão foi afastado da gestão do fundo soberano. Um punhado de membros do regime de Santos, que eram considerados “intocáveis”, foi preso.
Isabel hoje passa seus dias entre a Bélgica, onde mora com o marido congolês, e a Inglaterra, onde vive sua mãe russa. Seu pai mora em uma mansão costeira no bairro de Miramar, em Luanda, perto da Estrada da Samba, construída pela Odebrecht. “No seu combate à corrupção, Lourenço destruiu a elite antiga e tentou formar uma nova, de sua confiança. Mas ele não pode atacar diretamente a família Santos porque isso evidenciaria o fracasso do seu partido, o MPLA”, diz Manuel Dias dos Santos.
Sem mais influência no governo, Isabel atualmente se ocupa em defender-se nas arenas corporativas. Entre as irregularidades encontradas durante sua gestão na Unitel e que foram objeto de investigação na Câmara de Comércio Internacional, em Paris, estavam transferências de bônus em dinheiro para si própria, um saque de 500 milhões de dólares dos cofres da companhia, triangulações com empresas das quais ela era dona, o não pagamento de dividendos para outros acionistas e a omissão de informações sobre as negociatas da empresa. Ao ser interrogada pelos juízes, respondeu quarenta vezes que não sabia ou não se lembrava de nada.
Amparada seu pai, Isabel reinou soberana nas empresas criadas pelo governo de Angola e naquelas em que mantinha participação. Mas seu tempo acabou. Os ovos apodreceram.
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