FelipeMoura Brasil

A cusparada na liberdade de expressão

11.04.19

“O que temos hoje no Brasil é um ato arbitrário. Quando o Estado persegue o cidadão, não há outro nome. É abuso de autoridade.”

“Não pode haver impunidade, cabendo ao Judiciário definir os termos da condenação.”

Quem deu as declarações acima?

A) Lula e Sergio Moro;
B) Michel Temer e Marcelo Bretas;
C) Fernando Haddad e Jair Bolsonaro;
D) Renan Calheiros e Deltan Dallagnol;
E) Maria do Rosário e Maria do Rosário.

Tempo.

E a reposta correta é….

Letra E. A mesma deputada petista que, em vídeo no Youtube, considerou “extremamente abusivo” “tudo que há em torno desse processo contra Lula”, ex-presidente condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão no caso do triplex, posou contra a impunidade, afirmando em nota que, no caso do humorista Danilo Gentili, condenado em primeira instância a 6 meses e 28 dias de detenção em regime semiaberto por injúria contra ela, cabe ao Judiciário definir os termos.

Curiosamente, o caso de Gentili começou com uma declaração de Maria do Rosário em defesa do então deputado psolista Jean Wyllys, que havia cuspido em Jair Bolsonaro na Câmara, e do ator petista José de Abreu, que havia cuspido em um casal (homem e, sim, mulher) dentro de um restaurante em São Paulo.

“Julgam Jean e Zé de Abreu por uma reação imediata. Quem reage a agressão não planeja como agir, quem agride sim. Respeite e serás respeitado.”

Bolsonaro não havia agredido Jean Wyllys; e o casal, verbalmente, hostilizava Zé de Abreu pelo uso da Lei Rouanet, que ele negou ter feito (mentira depois evidenciada pelo próprio ator, que disse no programa do Faustão tê-la usado duas vezes). Rosário chamou de “agressão” o insulto verbal ocorrido em um caso, para amenizar ou legitimar a agressão física das cusparadas de Wyllys — uma ação planejada, como mostraram as câmeras, não “reação imediata”.

O que fez Gentili?

Aplicou o raciocínio da deputada (de amenizar ou legitimar reações agressivas a supostas agressões) contra ela própria, aludindo ao caso em que a petista disse “sim” quando Bolsonaro questionou se ela o estava chamando de estuprador: “aí ela chama um cara de estuprador, toma um empurrão, dá chilique, falsa e cínica pra caralho”; “quando alguém cuspir em você devolva com um soco que a Maria do Rosário aprova cuspir nela quando ela chama de estuprador”.
Rosário alegou que Gentili lhe causou um grande prejuízo quando disse “devolva com um soco” porque a deputada recebeu “inúmeras ameaças” de muitos dos então doze milhões de seguidores do humorista, “razão pela qual ela pediu providências à Câmara”. A petista, obviamente, ignorou que a frase de Gentili recomendava, em tom de ironia, um soco em “alguém”, não em Rosário, que cuspisse no leitor.

Gentili então recebeu uma notificação extrajudicial pedindo a retirada dos conteúdos publicados por ele no Twitter e publicou um vídeo em que esconde com os dedos o início e o fim da palavra deputada – deixando visível apenas “puta” –, rasga a notificação, coloca os papéis dentro das suas calças e o remete de volta à Câmara.

Ninguém precisa conhecer ou apreciar o trabalho de Gentili, nem considerar engraçado ou de bom gosto este comportamento específico, mas, pelo contexto, nota-se que, ao chamar Rosário de “puta”, o humorista não acusou a deputada de ser uma prostituta que aluga seu corpo e seus serviços sexuais. Ele simplesmente a xingou, em reação a um documento do Estado com teor de censura a postagens de conteúdo crítico, ainda que ácido, a uma deputada e sua defesa de cuspidores.

“O caso concreto revela a expressão de uma personalidade merecedora de reprovação em grau elevado”, escreveu a juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, ao condenar Gentili a detenção em regime semiaberto, mesmo reconhecendo que o “crime” não foi praticado com violência e que o réu não é reincidente. Como o cinismo petista já era conhecido, o caso concreto, na verdade, revela apenas a banalização da prisão como forma de patrulha.

Estimulada por Rosário, a Justiça cuspiu na liberdade de expressão.

Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

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