Fernando Frazão/Agência Brasil

Uma luz sobre as sociedades
de Pedro Parente

Crusoé descobriu que o presidente da Petrobras é sócio de empresários com interesses na estatal. O seu ótimo trabalho para tirar a petrolífera do buraco não elimina a necessidade de dar explicações: ele pode ter infringido o código de conduta da companhia
01.06.18

Pela sua competência tanto na esfera pública como privada, Pedro Parente era praticamente uma unanimidade quando foi escolhido pelo presidente Michel Temer para dirigir a Petrobras, em maio de 2016. A sua missão consistia em recuperar a empresa do prejuízo multibilionário causado pela roubança de PT, PMDB e PP e o represamento artificial do preço dos combustíveis no governo Dilma. Não era pouca coisa e, graças ao seu talento e disposição, ele conseguiu que a Petrobras voltasse a ser lucrativa — resultado maculado pela greve dos caminheiros em razão dos aumentos diários no preço do diesel. Apesar da tarefa hercúlea (e estafante) de salvar a maior empresa pública do Brasil nesse cenário de crise sem-fim, Pedro Parente seguiu no novo posto fazendo sociedades e investimentos do seu próprio interesse. E foi aí que o caminho de Pedro Parente, o empresário, começou a se cruzar com o do outro Pedro Parente, presidente da estatal mais importante da economia brasileira.

Como Crusoé mostrou em seu Diário, Parente montou no ano passado uma firma para realizar investimentos, juntamente com dois sócios. Ambos têm negócios com a Petrobras. Mas há mais. No mês passado, ele vendeu suas 277 mil cotas numa das empresas de investimento que tinha, a Montignac Empreendimentos. No contrato, isso equivalia a 277 mil reais. Como o valor da cota pode variar, Crusoé pediu detalhes sobre a transação e perguntou por quanto a venda foi efetivamente fechada. Parente não respondeu. A venda foi feita para uma empresa de Curitiba, a Life LS. Seu representante foi um engenheiro, Fernando Ribeiro Bau. Até 2015, Bau aparecia como presidente da Estre Ambiental, empresa enrolada na Lava Jato por suspeitas na Petrobras. Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e delator, disse que recebeu um “agrado” de 1,4 milhão de reais da Estre Ambiental. A Lava Jato descobriu ainda que a Estre oferecia uma sala em seu escritório no Rio para ser uma espécie de posto avançado de lobistas propineiros, como Fernando Baiano – o local tinha a vantagem de não guardar qualquer registro de quem entrava ou saía de lá. Bau não é citado nominalmente no caso, mas renunciou ao cargo de presidente da empresa dois meses após de a delação vir à tona.

Legalmente, não há nenhum problema intrínseco à transação. Mas chama atenção o fato de Pedro Parente não ter considerado o passado do empresário como dirigente de uma empresa delatada por participar de um esquema de corrupção na Petrobras. Há outros casos interessantes que se encaixam nessa mesma situação. Parente também é sócio, em outras firmas, da engenheira Maria Letícia Freitas. A parceria entre ambos é anterior à chegada dele à estatal. Maria Letícia é conselheira da seguradora Mapfre desde 2015. Já ocupava o posto antes de Parente assumir a Petrobras, diga-se. Hoje, a seguradora tem 31 milhões de reais em contratos ativos com a estatal, com vigência até 2021. Desses contratos, três foram fechados já na gestão de Pedro Parente. Eles somam 3 milhões de reais. Todos foram na modalidade convite, quando o contratado é escolhido após três orçamentos. Assim, Pedro Parente tem como sócia uma engenheira ligada a uma empresa com interesses na Petrobras.

Agëncia BrasilA fachada da sede da Petrobras no Rio: sob novo comando, a estatal começou a sair do buraco (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Esses negócios se somam àqueles já revelados por Crusoé em seu Diário. Um deles envolve o banco JP Morgan. Em tempos de crise de abastecimento e de custos multibilionários para atender às demandas do mercado e dos motoristas pelo preço do diesel, a Petrobras decidiu abrir mão de 2 bilhões de reais que deveria pagar ao banco JP Morgan apenas em 2022. A ideia era dar prosseguimento à política de reduzir as dívidas e a transferência foi feita no início de maio. Em troca do gigantesco pagamento antecipado de 2 bilhões de reais, a Petrobras ganhou um desconto de 74 milhões de reais no total do débito. No Brasil, o JP Morgan é presidido por José Berenguer. Ele é sócio de Pedro Parente na Kenaz, uma firma criada no ano passado para fazer investimentos. Parente figura no negócio por meio de outra empresa, a Viedma Participações.

Quando Pedro Parente assumiu a Petrobras, ele adotou uma série de medidas para tirar a estatal do buraco. Uma delas tinha por objetivo melhorar a gestão e a produtividade da empresa, usando métodos para mudar a cultura interna. Existem, claro, inúmeras maneiras de fazer isso. Uma das soluções elencadas pela petroleira foi usar a “Walking The Talk”, desenvolvida por uma empresa sediada na Holanda. É uma espécie de técnica de RH, que consiste em ajustar discurso e prática. Acontece que só há uma empresa no Brasil que oferece esse serviço, a Dana Tecnologias. A opção da Petrobras pelo “Walking The Talk” levou então à contratação da Dana sem licitação. É um contrato de 11,4 milhões, até 2020.

Em que pese todo o currículo da Dana Tecnologias, a empresa funciona na casa de seu dono, o engenheiro Odilon Nogueira. Após cinco meses do contrato com a Petrobras, Odilon deu mais um passo em sua vida financeira e criou uma firma de investimentos. O escolhido para ser seu sócio foi a Viedma Participações. Sim, a empresa de Pedro Parente. Em outras palavras, o empresário com contrato sem licitação com a Petrobras acabou por se tornar sócio do presidente da estatal. Que tal? Crusoé falou brevemente com Odilon Nogueira, que recorreu a cláusulas de sigilo para não responder às perguntas sobre o assunto, muito embora o contrato social da empresa esteja registrado em Junta Comercial e o negócio entre a Petrobras e a Dana esteja no portal da transparência da estatal. “Eu não posso e não devo falar”, disse.

E é assim que Pedro Parente mantém, hoje, relações societárias que, de alguma maneira, se cruzam com os negócios da Petrobras. Afinal, pode um dirigente da Petrobras manter negócios com pessoas interessadas em contratos da própria Petrobras? Tire suas próprias conclusões sobre o que o diz o Guia de Conduta da Petrobras. Repare que o enunciado não veda apenas casos em que a empresa tenha negócio direto com a Petrobras. Basta que haja o interesse de qualquer das partes, seja a empresa, seja o sócio. Eis o que consta do guia:

Crusoé indagou Parente sobre essa regra: pode o presidente da Petrobras ser sócio e manter relação de negócio com uma pessoa física que tem interesse em decisões da Petrobras? Mais uma vez, ele tratou os questionamentos como “insinuações”. Disse, ainda, que “tem absoluta tranquilidade a respeito da correção de todos os atos que tem praticado” e que pedirá parecer do Comitê de Indicação, Remuneração e Sucessão da Petrobras. O tal comitê é composto por quatro pessoas – três são do conselho de administração da Petrobras, que tem o próprio Parente como integrante. Todos foram indicados pelo governo.

O ofício da Receita Federal que arrola parte do patrimônio do presidente da Petrobras
Os negócios de Pedro Parente revelam ainda outro fato sobre a vida financeira do presidente da Petrobras. Em fevereiro de 2016 – antes de assumir a estatal –, a Receita Federal arrolou 710 mil cotas das suas empresas (cada cota equivale a pelo menos 1 real). O arrolamento de bens é um instrumento usado pela Receita para acompanhar a movimentação patrimonial de alvos de autuação fiscal, de forma a garantir que, uma vez confirmado o débito, haja garantia de pagamento. O despacho da Receita, obtido por Crusoé, mostra que a autuação não é pequena. Isso porque cita um artigo da lei que prevê o arrolamento quando a cobrança compromete mais do que 30% do patrimônio do autuado. Uma regra interna da Receita coloca ainda outra exigência para essa medida: apenas para casos em que a autuação passe de 2 milhões de reais. Ou seja, Pedro Parente está brigando com o Leão. Em tese, não há nada de ilegal em ter pendências com a Receita. O estranho é que Parente se recusa a responder objetivamente também a essas perguntas. O presidente da Petrobras deveria seguir o “Walking the Talk” — ajustar o discurso de transparência à sua própria prática.

Atualização – Como informou o Diário de Crusoé, no final da manhã desta sexta-feira, 1º de junho, a Petrobras anunciou que Pedro Parente pediu demissão do cargo de presidente da Petrobras.

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