Adriano Machado/CrusoePara o senador Alessandro Vieira, Gilmar e Toffoli devem explicações

“Vamos abrir a caixa-preta”

Autor do pedido para instalar a CPI da Lava Toga, destinada a averiguar suspeitas sobre a cúpula dos tribunais do país, o senador sergipano Alessandro Vieira acredita que a investigação vai sair do papel em breve, apesar das fortes pressões em contrário
05.04.19

Tão logo tomou posse como senador, em fevereiro, o delegado licenciado Alessandro Vieira começou a articular um movimento para investigar a cúpula do Poder Judiciário nacional. Recém-chegado a Brasília, ele deu de ombros para a pressão que, sabidamente, viria logo a seguir. Avançar sobre os tribunais é um tabu, por várias razões. Mais ainda se a ideia é que a investigação seja feita pelo Congresso, repleto de gente enrolada com processos. Mesmo assim, o senador novato prosseguiu em seu intento: instalar uma comissão parlamentar de inquérito destinada a escarafunchar suspeitas envolvendo, especialmente ministros do Supremo Tribunal Federal. Era o início da história da chamada CPI da Lava Toga. Vieira conseguiu reunir 27 assinaturas, o mínimo necessário para dar partida à comissão. Não demorou para que a reação esperada viesse: ministros do Supremo passaram a ligar para senadores que haviam assinado o pedido, para tentar convencê-los a voltar atrás. Conseguiram dobrar três deles. O pedido acabou arquivado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sob a alegação de que já não havia mais o número mínimo necessário de apoios.

Alessandro Vieira não desistiu. Fez um novo requerimento, mais robusto, e voltou a procurar os colegas. Lançou-se pessoalmente na tarefa de coletar as assinaturas. A essa altura, integrantes do Executivo e do Legislativo haviam se somado ao Judiciário na operação para barrar a CPI. Os argumentos eram os mais diversos – iam desde a preocupação com a possibilidade de se abrir uma crise institucional até o temor de retaliações ao Congresso. Desta vez, o senador do Cidadania (ex-PPS) de Sergipe conseguiu o apoio de 29 dos 81 senadores. Mas de novo apareceram obstáculos. Davi Alcolumbre alegou que não havia fato determinado no pedido. Ignorou os 13 pontos que Alessandro Vieira listou no requerimento, desde negócios do instituto de Gilmar Mendes e transações financeiras de Dias Toffoli, presidente da Suprema Corte. Apesar do novo arquivamento, o assunto foi remetido para a Comissão de Constituição e Justiça, que examinará a decisão de Alcolumbre e, depois, deverá submeter o veredicto ao plenário. Nesta entrevista a Crusoé, Vieira se mostra esperançoso de que a investigação sairá do papel – e revela as articulações destinadas a barrar a CPI, incluindo telefonemas de ministros e de empresários que exercem influência sobre senadores.

Por que os tribunais superiores devem ser investigados?
Basicamente porque eles não têm transparência nem dão explicação para uma série de denúncias que escutamos há anos. Só o (ministro do Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes recebeu uma denúncia de impeachment com 32 acusações e ele não respondeu a nenhuma delas. Ele nunca responde. Eles sempre ignoram as denúncias e seguem manobrando na sua faixa de poder para manter tudo como está. A ideia da CPI é apurar eventuais crimes cometidos e, principalmente, fazer diagnóstico de mudanças no Judiciário que permitam  uma efetividade maior da Justiça. É uma demanda que está enraizada na sociedade. É o único poder que não foi tocado ainda. Executivo e Legislativo já foram. Agora é a hora do Judiciário.

Por que sempre é difícil investigar o Judiciário?
Você tem uma posição de altíssimo poder do Judiciário e um medo imenso de falar sobre isso na Justiça. A gente não tem praticamente nenhuma notícia sobre essa CPI, por exemplo, na Rede Globo. E temos um pedido de CPI subscrito por 29 senadores que representam mais de 53 milhões de votos diretamente.

Quem tem medo da CPI?
Aqui dentro do Congresso, muito claramente, são os parlamentares que respondem a processo, especialmente os que têm processos complicados, por corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha. Mas tem no Senado também outro grupo influenciado pela avaliação de que a CPI vai gerar uma grande crise e o país vai parar. Ora, o país já está parado. E não está parado porque tem ou não CPI. Está parado porque o Executivo não consegue montar uma base nem apresentar propostas bem pensadas para o seu trabalho. Não tem nada a ver com CPI. Então, aqui dentro tem gente com rabo preso e gente que tem medo de uma crise.

E fora?
Na sociedade, tem empresários e até jornalistas que refletem esse discurso de que se tiver CPI, não tem reforma da Previdência, e sem reforma o país quebra. E tem gente lá no Executivo que foi atemorizada por uma gestão muito incisiva do presidente do STF, Dias Toffoli (contra a CPI).

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“Ministros do Supremo pediam a outras pessoas para pressionarem. Em vez de o ministro ligar diretamente, ele pedia para alguém que tinha influência sobre o senador ligar”
Como ocorreram as pressões sobre os senadores?
No próprio processo de coleta de assinaturas da CPI, para que não assinassem ou para que as assinaturas fossem retiradas. Dez minutos depois de protocolarmos o requerimento, recebi a visita de uma assessora parlamentar do STF que disse que vinha a mando da presidência do Supremo para verificar quais eram os nomes dos apoiadores da CPI. Ela não me pediu nem o objeto da CPI, apenas a lista. Não me pareceu uma forma de abordagem razoável.

E o sr. deu a lista?
Sim. E depois todos relataram que receberam telefonemas e pedidos para retirada de assinaturas…

Receberam telefonemas de quem?
Do Toffoli, do Gilmar. Um senador me disse que outro ministro também ligou. E os argumentos contra a CPI foram se amoldando. Primeiro, que não podia ter CPI porque juridicamente não era possível. Depois, foram mudando para a história de uma crise institucional que poderia parar o país. Em alguns casos, a movimentação era triangular. Ministros do Supremo pediam a outras pessoas para pressionarem. Em vez de o ministro ligar diretamente, ele pedia para alguém que tinha influência sobre o senador ligar. O empresário Benjamin Steinbruch, por exemplo, ligou para o Cid Gomes. Duas senadoras do PSL, Soraya (Thronicke) e Selma (Arruda) foram muito pressionadas pelo Flávio Bolsonaro. Ele não assinou a CPI. Primeiro, disse que não assinava para não comprometer o pai. E depois passou abertamente a defender que não tivesse CPI para não gerar uma crise institucional. A visão dele é a de que vai atrapalhar as reformas e causar tumulto. A pressão maior foi sobre o PSL e os novatos.

E quem liderou, internamente, o movimento contra a CPI?
As principais movimentações em contrário vieram do MDB: do (líder do partido) Eduardo Braga, do (líder do governo) Fernando Bezerra, e do próprio Renan Calheiros, que voltou à cena justamente para atacar a CPI. O PT também articulou contra a CPI. Humberto Costa, Rogério Carvalho. Mas não conseguiram sucesso em retirar assinaturas.

É uma pressão indevida?
Pelo tamanho do poder que tem o Judiciário e mais ainda sua cúpula, representada pelo Supremo Tribunal Federal, vejo como uma ameaça à democracia. Alguns dos ministros colocam o seu interesse pessoal acima dos interesses da República e da  própria Justiça. Gilmar, como eu disse, recebeu um pedido de impeachment com 32 acusações e não respondeu a nenhuma. Imagina um prefeito que recebe 32 acusações e simplesmente não responde. Qual percepção que se teria sobre ele? Há ministros que se comportam dessa forma. E agora ainda partem para a intimidação de vários parlamentares e com a faca no pescoço do governo, vinculando questões da pauta econômica e previdenciária. Questões que deveriam ser questões de Justiça passam a ser questões de boa vontade.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“Precisamos é de documentos, de quebras de sigilos, testemunhas que possam apontar, por exemplo, a relação entre o Gilmar Mendes, a JBS e o seu instituto”
Se a CPI sair, os srs. pretendem ficar apenas nos fatos descritos no pedido inicial ou expandir para outros casos?
Toda CPI a gente sabe como começa, mas não sabe como termina. A CPI do Brumadinho foi aberta e agora abriu aditivo para tratar de outras barragens, o que é algo razoável. Isso pode acontecer também aqui. O (jurista) Modesto Carvalhosa, por exemplo, apontou 32 fatos.

O alvo principal é o STF?
Do rol de casos tem um do TST, dois ou três do STJ e os demais são do STF. A maior parte do STF é vinculada ao ministro Gilmar Mendes por um motivo óbvio: é o ministro que mais extrapola do que é razoável para um magistrado. Faz isso de forma reiterada e cotidiana, e chega ao deboche. Hoje você tem o STF atuando politicamente. E não estou falando de ativismo judicial. O que eles fazem é decidir ou não decidir manipulando a pauta e, com isso, o tempo da política.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tem auxiliado ou atrapalhado os defensores da instalação da CPI?
Entendo que ele tente evitar a CPI porque ela gera tumulto interno. Está sendo muito pressionado pelos senadores do PT e do MDB e veio com objetivo de pacificar a casa para aprovar pautas importantes. E essas pessoas usam isso como moeda. “Mata a CPI que nós apoiamos sua gestão aqui”, dizem. Mas, se fosse o Renan, seria muito pior porque teria o destino que tiveram todos os movimentos antissistema: a gaveta. Na presidência do Eunício (Oliveira, do MDB), foram engavetados mais de 40 pedidos de impeachment contra ministros do STF. Sem nenhuma análise.

Qual é a perspectiva hoje? A CPI sai?
A perspectiva é positiva. Vamos aguardar o parecer na CCJ e buscar apoio lá dentro. O movimento do PT e MDB é forte, contrário à CPI. Mas acredito em uma análise mais técnica na CCJ. Sigo dizendo que é questão de tempo. Acredito que ela sairá. Vamos abrir a caixa-preta do Judiciário.

O que se diz no Senado é que, se a comissão for mesmo instalada, os ministros que forem eventualmente investigados irão ignorar os chamados para prestar depoimento, por exemplo.
Ouvir o investigado é a última coisa a ser feita. Se um ministro faltar, é escolha do ministro. O que precisamos é de documentos, de quebras de sigilos, testemunhas que possam apontar, por exemplo, a relação entre o Gilmar Mendes, a JBS e o seu instituto, que até hoje não tem nenhuma resposta. Precisamos basicamente do sigilo bancário e fiscal e, em alguns casos, o telefônico. Para analisar a relação do Toffoli com o banco Mercantil não preciso do depoimento do Toffoli. Preciso de documentos.  Ouvir o Toffoli é o último ponto, e é do interesse dele. Se ele não tem interesse em explicar, não faz falta nenhuma. Com a prova material, você consegue mostrar se há uma relação que, no mínimo, não poderia ter ocorrido.

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