Edilson Rodrigues/Agência SenadoO senador Mecias de Jesus pode se beneficiar de um acordão

Operação abafa

Os bastidores da articulação para varrer para debaixo do tapete a fraude na eleição para a presidência do Senado
05.04.19

Foi no amplo salão de tapetes azuis do Senado, em uma terça-feira de março, logo após a rotineira reunião de líderes da casa, que o senador Mecias de Jesus, com o seu 1,60 metro, abordou o corpulento líder do governo, Fernando Bezerra Coelho. “Se vai um, vão três”, disse. “Pois é, pois é, não vai ter isso, não”, respondeu Bezerra. O assunto do papo estranho era claro: a fraude na eleição para a presidência do Senado. Mecias estava incomodado por ter sido apontado, sozinho, como o responsável pelo escândalo, ocorrido diante das câmeras e com transmissão ao vivo para todo o país. E quis dar o recado diretamente a Bezerra: se o mandato dele estivesse ameaçado, outros personagens importantes daquela tarde circense no plenário também estariam complicados. Um deles é o próprio Bezerra, escalado na ocasião para ajudar no processo de votação. O outro é o senador José Maranhão, que presidia a sessão.

A ameaça de Mecias, presenciada por outros senadores, era um dos poucos lances aparentes de uma operação de bastidores que já estava em curso no Senado com o objetivo de abafar a confusão – e deixar sem punição os envolvidos. A articulação foi deflagrada no início de março, depois que os responsáveis pela apuração passaram a considerar, com base em um conjunto de imagens, a possível participação de Bezerra no episódio, juntamente com o protagonista Mecias de Jesus. Até ali, Mecias estava sozinho na história. E a expectativa era de que logo haveria uma resposta à cobrança, reverberada nas redes sociais, por punição exemplar. O corregedor, senador Roberto Rocha, falava quase diariamente sobre o andamento da investigação, embora evitasse citar nomes. Chegou a dizer que os principais suspeitos eram os últimos a terem votado, e que o responsável pela fraude teria sido um senador inexperiente.

Jefferson Rudy/Agência SenadoJefferson Rudy/Agência SenadoO esforço para abafar a investigação começou após surgirem indícios de que Bezerra participou da fraude
Mecias, até então conhecido apenas por ter sido o responsável por derrotar Romero Jucá nas eleições de 2018, estava a caminho do cadafalso. A situação mudou quando os investigadores passaram a acreditar, a partir da análise das imagens da eleição, que o senador de Roraima pode não ter agido sozinho — e tudo apontava para a participação de Bezerra, que teria sido responsável por entregar a Mecias as duas cédulas que, em seguida, ele depositaria na urna, ambas com votos em Renan Calheiros. Assim como a revelação de que Mecias era o suspeito número um, Crusoé publicou a informação sobre as desconfianças em torno do senador pernambucano. Bezerra reagiu ferozmente. Primeiro, telefonou para o repórter. “Escroto, escroto”, atacou. No Senado, ele exigiu de Rocha uma nota pública negando seu envolvimento na fraude. O corregedor tentou colocar panos quentes, e se recusou a divulgar a nota.

Foi então que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, responsável pela escolha de Bezerra como líder do governo, intercedeu. Formou-se um consenso: todos deveriam submergir e se esforçar para deixar o assunto morrer por inanição. O próprio Rocha pararia de falar, e não se esforçaria para avançar na apuração. Para se ter uma ideia, até hoje não se concretizou a anunciada remessa para a Polícia Federal das imagens reunidas pela Corregedoria – as mesmas que colocavam Mecias como suspeito número um e deixavam Bezerra também em má situação. A ideia inicial era que peritos da PF fizessem uma análise mais detida do material. O próprio Bezerra chegou a falar com o ministro da Justiça, Sergio Moro, para ajustar o auxílio da polícia. Segundo a própria PF, até hoje as imagens não foram enviadas.

Geraldo Magela/Agência SenadoGeraldo Magela/Agência SenadoA urna usada na eleição: 81 senadores, 82 votos
Alcolumbre também vinha evitando o tema. Mas no programa Roda Viva, da TV Cultura, há três semanas, foi indagado sobre as providências. Respondeu que até o final de março a investigação deveria ser finalizada. Não foi. O presidente do Senado, porém, levantou uma tese que contradizia o andamento da apuração e passaria a ser repetida todas as vezes em que, nos bastidores, ele era provocado a falar sobre a fraude: a de que as imagens seriam inconclusivas. Paralelamente a isso, ele exonerou duas servidoras que ajudavam o corregedor Roberto Rocha na investigação.

O acordão é bom para todos os envolvidos. Com ele, Davi Alcolumbre consegue evitar um levante da ala do MDB da qual Bezerra faz parte. O senador, ex-ministro de Dilma Rousseff, é ligado a Renan Calheiros, que foi derrotado por Alcolumbre na eleição para a presidência do Senado. Ficar bem com Bezerra significa acenar politicamente ao único grupo que pode ameaçar os dois anos que ele tem pela frente como presidente da Casa. Bezerra, por sua vez, se manteria na liderança do governo. Já Roberto Rocha, o corregedor, não se indisporia com ninguém e conseguiria pôr em curso, sem maiores entraves, seu projeto regional: tornar-se o principal líder de oposição ao governador do Maranhão, Flávio Dino, talvez com a ajuda do próprio MDB de Bezerra e do onipresente José Sarney. Mecias, o suspeito principal, manteria seu mandato tranquilamente.

Jonas Pereira/Agência SenadoJonas Pereira/Agência SenadoAlcolumbre: ele se vendeu como novo, mas age como os antecessores
Nesta semana, Crusoé voltou a indagar Mecias sobre sua participação na fraude. Ele não só negou como, confiante, disse que o presidente do Senado e o corregedor poderiam garantir sua inocência. “Pergunte a Davi Alcolumbre e a Roberto Rocha se tenho alguma participação nisso. Pergunte a eles”, declarou, com a certeza de que sairá ileso. Perguntas também foram enviadas a Alcolumbre e a Rocha. O presidente do Senado nem sequer respondeu. O corregedor disse que está aguardando o resultado de um inquérito aberto pela Polícia Legislativa. Perguntado em seguida sobre a previsão para a conclusão da apuração, ele silenciou. Procurada, a Polícia Legislativa pediu que as perguntas fossem feitas à assessoria do Senado, que por sua vez informou que o assunto está a cargo do corregedor. Ou seja: um empurra para o outro, e ninguém informa nada.

A falta de transparência tem incomodado alguns senadores que tentam acompanhar o desenrolar do caso, como Cid Gomes. “A turma do deixa-disso prevaleceu”, diz o senador cearense. O baiano Otto Alencar também reclama: “A investigação não sendo concluída de forma transparente deixará o Senado em situação comprometedora”. Ele compara o episódio com outro igualmente rumoroso, o da violação do painel do Senado por seu conterrâneo Antonio Carlos Magalhães e por José Roberto Arruda, em 2001, durante a votação da cassação do então senador Luiz Estevão. ACM e Arruda acabaram renunciando. Entre a revelação do envolvimento dos dois e a renúncia de ambos, três meses se passaram. Agora, dois meses após a fraude, não há nenhuma resposta. Aliás, nem o Conselho de Ética – onde a investigação deveria desaguar – foi instalado ainda. Os tapetes azuis do Senado estão precisando, mais do que nunca, da prometida faxina.

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