ReproduçãoMaduro fora do bunker, em visita a trabalhadores do setor elétrico

O tempo a favor de Maduro

As chances de um golpe ou de uma intervenção estrangeira diminuíram e espalharam o desânimo entre os venezuelanos. Agora, o ditador, que despacha de um bunker, ensaia a prisão do líder da oposição
05.04.19

Já se passaram dois meses desde que o deputado Juan Guaidó se proclamou presidente interino da Venezuela, sendo reconhecido quase que imediatamente pelos Estados Unidos, pelo Brasil e por outros países. De início, a vibração das ruas, em sintonia com Guaidó, levou a especulações sobre generais depondo o ditador e sobre a possibilidade de uma intervenção estrangeira. O tempo passou e nenhuma dessas apostas concretizou-se. Desde março, o país passou a conviver com apagões de energia quase diários, que deixam a população não apenas sem luz como também sem água. Os pequenos protestos nos bairros perderam força com a repressão a tiros e as grandes passeatas opositoras ficaram mais raras. Receoso de que algo lhe acontecesse, e aconselhado por agentes de inteligência cubanos, o ditador agora despacha de um bunker, em endereço desconhecido. Com a autoridade que ainda lhe resta e o consentimento dos militares, Maduro parece estar preparando a prisão de Guaidó. Em tempo muito curto, a inversão das expectativas foi quase total.

As investidas oficiais contra Guaidó começaram logo que ele se anunciou como presidente interino, no dia 23 de janeiro. Ainda naquele mês, o procurador-geral da Venezuela pediu o congelamento dos bens do deputado e logo foi atendido. O Supremo Tribunal de Justiça, chavista, também proibiu o opositor de deixar o país. No final de fevereiro, após uma campanha internacional para que os militares permitissem a entrada de ajuda humanitária, Guaidó saiu clandestinamente pela fronteira e viajou por vários países da América Latina, inclusive o Brasil. No final de março, seu chefe de gabinete, Roberto Marrero, teve a casa invadida sem ordem judicial e foi preso. Neste momento, está sendo acusado de liderar uma célula terrorista. Na quinta-feira, 28 de março, a Controladoria-Geral proibiu Guaidó de exercer cargos públicos por quinze anos. Na terça-feira, 2 de abril, a Assembleia Constituinte, criada por Maduro, decidiu retirar a imunidade parlamentar do presidente interino por supostamente planejar um atentado contra o ditador e ter deixado o país ilegalmente. “A cada nova atitude, o governo calibra a reação da oposição, da população e de outros países, para saber até onde é capaz de ir”, diz o economista e especialista em relações internacionais Raul Gallegos, da consultoria Control Risks, em Bogotá. “Não acharia estranho se, em breve, eles prendessem Guaidó”.

Reprodução / redes sociaisReprodução / redes sociaisJuan Guaidó com o chefe de gabinete Roberto Marrero, que foi preso e acusado de terrorismo
Apesar de toda a penúria provocada pela ditadura, nada até agora foi capaz de balançar o poder de Maduro. O presidente Donald Trump segue dizendo que todas as opções estão sobre a mesa. No final de março, Trump recebeu, na Casa Branca, Fabiana Rosales, mulher do presidente Juan Guaidó. Fabiana também fez selfies com Melania Trump na residência do casal presidencial na Flórida. Mas não existe nada que indique a disposição americana de realmente intervir na Venezuela. Dentro do país, grupos de oposição têm defendido que a Assembleia Nacional, eleita em 2015 e de maioria opositora, aprove um artigo da Constituição que autoriza intervenções estrangeiras. A iniciativa não tem prosperado. “Esse tipo de coisa só pode ser feito depois de se combinar com outro país. Sem isso, corre-se o risco de a oposição perder a credibilidade”, diz o cientista político venezuelano José Vicente Carrasquero.

ReproduçãoReproduçãoA mulher de Guaidó, Fabiana Rosales, com Melania Trump, na mansão de Donald Trump na Flórida
A única ação prática que teve efeitos foi a decisão dos Estados Unidos de parar de comprar petróleo da Venezuela. Apesar de a data limite ser 28 de abril, há três semanas os americanos já não importam um único barril da Venezuela. Ainda que a estatal petroleira, a PDVSA, possa vender a produção para outros compradores, o dinheiro não será o mesmo de quando se vende para um cliente como os Estados Unidos.

Maduro também conseguiu manter o apoio da China e da Rússia. Desde o fim de março, foram anunciados uma base de treinamento de pilotos de helicóptero e um centro de manutenção. Trata-se de uma promessa antiga da Rússia, já que  a Venezuela conta com cinquenta helicópteros de combate russos. O que mais preocupa é a chegada de 99 militares da Rússia, em dois aviões que pousaram em Caracas vindos da Síria. Uma aeronave saiu da base militar de Latakia e outra de Damasco. Seus passageiros, ao que tudo indica, operavam sistemas de mísseis antiaéreos S-300 na Síria e deverão fazer o mesmo trabalho na Venezuela. O sistema, comprado em 2009, foi instalado perto de Caracas e pode proteger a capital e três bases próximas de ataques aéreos. “Maduro está ficando mais cruento porque não lhe restam muitas opções. Além disso, a ativação desse sistema de defesa aérea pode lhe dar uma sensação de invulnerabilidade, aumentando sua autoconfiança”, diz o analista venezuelano Andrei Serbin Pont, diretor da Coordenadoria Regional de Investigações Econômicas e Sociais (Cries), em Buenos Aires.

ReproduçãoReproduçãoProtesto contra a falta de luz e de água na Venezuela: 47 presos em quatro dias
Entre a população, o apoio a Maduro não passa de 10%. Os apagões desde o início de março pioraram ainda mais a realidade do povo. “No primeiro blecaute, ficamos 100 horas sem luz. No segundo, três dias. No terceiro, foram doze horas. O quarto e o quinto duraram nove horas cada”, diz Fabiola Solis Caballero, de 53 anos, que vive em Santa Paula, um bairro de classe média em Caracas. Sem eletricidade, as prefeituras e os prédios não conseguem bombear água para os quarteirões e andares mais altos. Cozinhar ou tomar banho ficou quase impraticável. Em diversos bairros do país, incluindo os mais chavistas, pessoas saíram com baldes de plástico às ruas, para protestar contra a falta de água e de luz. A maioria das manifestações foi reprimida a bala por paramilitares armados, os colectivos. Em quatro dias, 47 pessoas foram presas. Segundo a consultoria Meganálisis, cerca de 73% dos venezuelanos acham que participar de protestos agora é perda de tempo. Sem nada que confronte seu poder, Maduro continuará dando as cartas a partir de seu bunker.

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